domingo, 17 de julho de 2011

sessão de contos: A Linguagem



No fundo da mente a surdez total. Adan estava sentado, observando o mundo que não retribuía esse olhar. A luzes se desfocavam como borrões neônicos na penumbra daquela noite. Ao redor, cabeças embaladas por movimentos de lábios e de ondas sonoras vindas de algumas caixas de som ali espalhadas. O vento que sempre soprava mais forte naquele elevado, agora incidia com uma força um pouco menos tranqüila, vindo de todos os lados, envolvente.
Xadrezes, listras, verde-cerveja, branco-cigarro, azuis anêmicos e muita informação empilhada ou pendurada/riscada aqui e acolá. Na boca, o gosto da mistura de tudo isso: um leve sabor do tabaco recém ingerido, deflagrando um odor nem bom nem ruim, mas potencializado por um sabor um pouco diferente, sentido pela língua dançando atrás dos dentes seduzida pelo malte.
Os hormônios vão deixando a timidez de lado e pouco a pouco saem de seus refúgios, trazendo consigo uma sensação de bem-estar. Não está frio, também não está quente, mas todos no recinto usam casacos pois, todos sentem o vento levemente irritado. Tudo bem! Todos têm o direito de ter um dia ruim, com o vento não é diferente.
A boca quer desenhar as palavras. Pinta-las calmamente uma a uma, pictoricamente, feito uma artista que quer expressar seu próprio mundo, mas consciente de que provavelmente ascenderá opiniões diversas a seu respeito. Tanto faz! No estado de imersão em que se encontra, qualquer crítica não será ouvida, e também não está falando para uma multidão senão de uma única companhia com uma efervecência interna.
Lá embaixo os carros riscam a rua que sobe determinada sentido contorno. Suas luzes a certa altura amarelas, a certa altura vermelhas, transitam como corpos celestes perdidos num espaço infinito, assolado por buracos negros. Astronautas da noite vão de um lado a outro com suas roupas de proteção e seus apetrechos.
Sobre a mesa de madeira carimbada a brasa com uma logo, garrafas, celulares e respingos de água condensada e precipitada em forma de gotículas tímidas e frias.
Alto! Na estatura, no lugar onde se encontra, no nível alcoólico, no índice que mede a necessidade de um beijo carnal. Alto. Não apenas seus próprios desejos, mas desejos compartilhados de forma camuflada sobre necessidades contidas em vivências insatisfatórias.
“Alto lá!” Pensa recompondo-se. “Melhor controlar todo esse alarde iniciado aí dentro, pois hoje é dia de semana e não há muito que fazer para satisfazer esses altos índices.”
“-Você é muito cheio de regras”, ecoa uma voz no fundo da cabeça, vindo de fora dela.
A defesa é iminente e a susto inevitável: -“Seria isso um sinal da vida?” Pensava. Deixa pra lá, o assunto é outro e ele está meio perdido faz um bom tempo.
-“Não sei se quero dançar no meio da semana”, responde Adan para si mesmo, completando –“sei que agora quero dançar no ritmo da respiração ansiosa, dos lábios meio nervosos por desejo e por não saberem muito bem como devem se encontrar”.
Se devem se encontrar ou não, mas precisam humanamente de um encontro inocente.
Apenas uma forma de respirar na falta de ar, está para além de qualquer obscenidade, antes, um encontro de idéias molhadas, concêntricas, por meio de uma linguagem de superfície. Nada além, nada a mais.
É ali, uma saída na saída, em sussurros e risos meio sem jeito, brincadeiras com fundo de verdade, verdades com fundo de brincadeiras, onde o idioma proibido é falado com olhar desconfiado que, numa dança descompassada os corpos se tocam levemente, com respeito. As cabeças se inclinam cuidadosamente, pouco depois de os olhos se negarem à ilusão de qualquer imagem do mundo. Ouve-se a voz do ser humano que existe em cada um.
-“Abra o portão!” ordenou Adan com voz leve e sorridente. –“Amanhã o dia será longo, mas a noite será curta para desfrutar em sonhos as lembranças de ser tão bem compreendido”.