Existem momentos em que é preciso fechar os olhos. É preciso deixar que o ar apenas flua naturalmente, contornando quinas de paredes e retornando às juntas e músculos, enquanto olfato e paladar mapeiam o espaço ao redor.
Existem momentos em que apenas ar não basta. É preciso que suas propriedades sejam manipuladas e somadas a outras circunstâncias experimentadas de um querer insaciável, suficiente em sua composição, insuficiente em quantidade.
Existem momentos em que todo deslocamento é longo demais. É preciso engessar as próprias pernas e nem levantar da cama, ouvindo ao longe o barulho do despertador marcando cada segundo, e o movimento lento dos ponteiros dos minutos e horas, marcando o compasso dos movimentos mentais.
Existem momentos em que as pessoas são apenas pessoas. É preciso não olhar para elas e não tentar entendê-las, nem dedicar qualquer esforço em prol de uma aproximação, mas antes de tudo, lutar por si mesmo, tentando acalmar o leão que ruge aí dentro.
Existem momentos onde escovar os dentes é uma tarefa árdua. É preciso grande esforço para executá-la, levando a mente a outros mundos, manipulando sonhos enquanto as mãos se esforçam para não incidir a escova contra a gengiva sensível.
Existem momentos perdidos. É preciso vontade de choro, vontade de morte, vontade de drama, apenas para que você se entenda no sentido de acolher suas imperfeitas vontades delirantes do absurdo.
Existem momentos que não existiram. É preciso coragem para torná-los realidade, pelo menos dentro de você, substituindo aquele bom intervalo de tempo por um intervalo de tempo talvez até menor, mas ainda sim bem melhor.
Existem momentos capazes de mudar uma vida inteira. É preciso entender que não dobram-se os joelhos a um momento, não obstante, dobram-se os joelhos para si mesmo, afim de se entregar à dor nas pernas pela caminhada morro à cima.
Existem momentos onde palavrões não exalam todo o ódio contido. É preciso gritar a dor da traição, o choro do desgosto, a dança do orgulho ferido.
Existem momentos em que treme-se o corpo inteiro. É preciso deixar que tremule, que sue frio, que as mãos gélidas alcancem o nada, para poder perceber a falta que faz ser mais coerente nas escolhas erradas.
Existem momentos onde ser feliz é mais uma coisa chata e sem sentido. É preciso abraçar a tristeza, pois ela que nos ajuda a movimentar rumo ao objetivo de sua não-existência, tentando entender que às vezes é melhor pedalar numa bicicleta ergométrica que em uma bicicleta comum.
Existem momentos onde o calendário pendurado na parede apenas te informa os dias que passam indo e vindo. É preciso deixar que passem, é preciso que passemos despercebidos pela vida, tal qual os dias, visto que em certos momentos, precisamos realmente não existir.
Existem momentos onde é necessário ser um assassino mental. É preciso matar aqueles pensamentos de matar alguém, pois temos que entender que é graças àquilo que nos fizeram que pudemos evoluir para jamais nos tornarmos o que aquela pessoa é.
Existem momentos onde toda música é barulho e todo barulho, um ruído insuportável. É preciso que haja qualquer coisa que não seja nem barulho e nem silêncio, talvez uma voz que fale algo que faça o mínimo de sentido quando não enxergamos sentido em nada, talvez algo que não seja sonoro.
Existem momentos que se desdobram em outros momentos, e que de tão ramificados e entremeados uns aos outros, confundem a mente e causam uma perda do corpo no tempo. É preciso que se perca no labirinto das lembranças ou nos becos e ruelas do pensamento, pois temos que entender que é somente na angústia da solidão que encontramos a alegria da própria companhia.