sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Recicle-se

Texto publicado no Jornal Vale do Aço em 18/12/2009 no link:
http://www.jvaonline.com.br/novo_site/jornal/47/swf/OtU183-ASEXT.swf


Entre as muitas idas e vindas, em meio às infinitas rotações ou voltas da vida - junto ao movimento rotatório da Terra - sempre nos esbarramos com a sensação de imutabilidade. Sensação de que não acontecem mudanças em nossas vidas a um bom tempo. Mudanças necessárias para que a vontade de viver se renove em pequenos intervalos, tal qual a alegria pelo novo somada à ansiedade frente ao desconhecido.
E talvez seja a rotina casa-trabalho, casa-faculdade, ou casa-trabalho-faculdade, etc. que nos coloque nesse entendimento de órbita, ou seja, nessa rotina previsível de certezas cristalizadas.
Vivendo nesse marasmo cotidiano, ou por mais movimentado que seja nosso dia, ainda sim todas as ações estão pré-estabelecidas por uma necessidade subjetiva individual ou coletiva, ou pelo próprio desenvolvimento automatizado dos gestos, em função dessas necessidades.
Mesmo que os finais de semana sejam fartos de atividades diurnas ou noturnas, não há realmente nenhuma novidade, visto que sair da rotina virou rotina. A sensação de “congelamento” da vida é tamanha, que não conseguimos sequer movimentarmo-nos para quaisquer mudanças. Sentimo-nos “engessados” e presos em nossa capacidade física e, procuramos em nossa mente, justificativas para nosso estado atual, numa compensação involuntária de todo um caos interior - porém contido, que estamos vivendo - prestes a explodir a qualquer momento, numa espécie de “Big Bang”.
Não é que não tenhamos vontade de mudar, mas simplesmente nos entregamos à mesmice por comodismo/medo de movimentar, mudando pensamentos, valores, vontades e substituindo velhos hábitos e crenças por novas atitudes sensatas de situações avaliadas com cautela.
Mas entender a mudança apenas no sentido amplo, de uma reviravolta mais ou menos do tipo ganhar na loteria, é ignorar as sutilezas que a vida apresenta. São pequenas modificações diárias que após um período de tempo mais longo provocam resultados de proporções realmente significativas.
“Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. E a ação de furar por de ser entendida aqui como capaz de gerar uma piscina natural de água mineral e límpida - onde há milhões de anos havia apenas uma rocha - e que virou um parque, freqüentado por muitos turistas, e graças a toda essa mudança sutil da natureza somada à ação humana, agora emprega várias pessoas que antes não tinham uma renda fixa: o guia local que outrora vivia da pesca e do plantio, sua esposa que só ficava em casa e hoje vende seu artesanato na loja do parque, etc.
Mudanças radicais nem sempre são as melhores alternativas, primeiro porque podemos não estar preparados para o impacto do totalmente novo, e segundo porque, mesmo necessitando de grandes movimentações, dentro de cada um existem aspectos que podem ser reaproveitados nesse novo estado do ser - e não podem ser descartados como obsoletos ou ruins - mas atribuindo novos significados/usos, nada se perde, tudo se renova.
Vamos aproveitar esses últimas dias de 2009 para colocar no papel tudo aquilo que queremos mudar, re-trabalhar ou reorganizar em nós e em nossas vidas. Encontrar dentro do mais íntimo, a força que sempre tivemos e que abdicamos em algum momento, mas que, durante esse tempo em que esteve adormecida, despertará com um acúmulo de energia capaz de impulsionar outra vez nossas turbinas - de energia eólica, claro -, se estamos trabalhando a mudança, vamos mudar para melhor, para aquilo que cause o menor impacto negativo possível.
E aproveitando esses tempos de Conferência de Copenhague, onde os países se unem para salvar o planeta, além de dar nossa contribuição fazendo o máximo possível pelo meio ambiente, vamos fazer o mesmo conosco, por isso, RECICLE-SE.
Bons Fluídos em 2010!

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Metade da Cara

Texto publicado no Jornal Vale do Aço em 04-12-2009 no link:

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“Metade” tem sido uma palavra de destaque no universo dos relacionamentos há muito tempo:
-Esse namoro só dá dando certo porque eu sou a metade racional dessa história, já que você
é a metade infantil.
-Você roubou metade do meu coração!
-Preciso encontrar minha metade da laranja!
-Estou dividido entre meus amigos e meu relacionamento.
Essa palavra também é abordada no campo da escrita; o texto “Metade” de Osvaldo Montenegro diz em alguns trechos: (...) “Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio...” (...) “Porque metade de mim é o que
ouço, mas a outra metade é o que calo...”.Na música “Metade” da Wanessa Camargo, diz o refrão: (...)“Metade de mim te ama e te adora, outra metade de mim precisa ir embora...”
Já no refrão da música “Metade”, da Ana Carolina, diz: (...)”Estou em milhares de cacos, eu estou ao meio, onde será que você está agora?”
Se tomarmos as histórias sobre seres humanos divididos que procuram sua outra parte, ou seja, que estamos pela metade e precisamos da outra para ser completo, poderemos entender que os trechos acima falam do resultado da junção dessas duas partes – dois tornaram-se um -, porém apresentando as especificidades de cada uma das metades que, mesmo estando juntas, são perceptíveis, mas necessárias para o sucesso do relacionamento: uma metade é comunicativa, a outra calada, contida; uma metade vive a euforia do amor, a outra se vê mais distante, não tão envolvida; metade está sofrendo interiormente, calada, e a outra não consegue ver esse sofrimento. Sempre uma metade é diferente da outra e, algumas vezes o total oposto, ou seja, elas não são iguais em nenhum momento, exceto pelo fato de serem metades.
Segundo estudos científicos, se dividirmos um rosto em duas partes, e juntarmos dois lados esquerdos e dois lados direitos, veremos que se formam dois rostos com pouca ou nenhuma semelhança entre si, isto é, um lado é diferente do outro e é isso que dá harmonia à fisionomia.
Pensando nessa diferença física necessária e somando-a a expressão “cara-metade”, entenderemos que estamos há séculos procurando pela pessoa errada.
Entenda: se em um rosto – vulgo cara – um lado é diferente do outro, ou seja, cada metade é única, com características um pouco diferentes ou com essas diferenças mais acentuadas, o fato de procurarmos uma cara-metade que seja nossa alma gêmea - que segundo o dicionário significa igual - de forma mais teórica estamos prestes a construir uma relação que dificilmente dará certo. Sabendo que a necessidade da diferença entre os lados da nossa cara é que a torna um todo interessante, o correto então é procurar a nossa cara-metade sendo um pouco o oposto de nós mesmos.
A partir do entendimento dessa perspectiva da diferença enquanto fator fundamental para a plenitude de uma relação a dois, estaremos prontos para enveredar pelo mundo, na busca da metade perdida.
E não, os dois não precisam gostar do mesmo gênero de filme, dos mesmos estilos musicais, das mesmas cores da pintura da parede do quarto dos filhos, do mesmo partido político ou time de futebol para terem uma final feliz. É melhor que um prefira praia e outro a montanha, que um goste de teatro e o outro de show, um prefira pizza portuguesa e o outro nem goste tanto de pizza, pois assim terão sempre uma novidade para fazerem juntos, experimentando um pouco do mundinho um do outro, já que tornando-se um, ambos precisam compartilhar e participar de tudo que agora envolve cada parte.
E vamos procurar a metade torta e diferente mesmo, e esquecer essa coisa toda de “alma gêmea”. Vivam as diferenças e que possamos enxergar nelas uma oportunidade de experimentar o novo que sequer imaginamos

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Substitutos

Texto publicado no Jornal Vale do Aço no dia 27/11/2009 no link:

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Está em cartaz o filme “Substitutos”, cuja história mostra o ano de 2054, onde grande parte da população usa os andróides substitutos da Virtual Self, que cumprem todos os afazeres do dia a dia inclusive os prazeres da vida e permitem que seus donos jamais tenham que sair de casa. Tais andróides podem ser adquiridos com a aparência física que o comprador desejar, o que acarreta em um mundo de máquinas esteticamente perfeitas e interiormente vazias. No decorrer do filme um terrorista tecnológico, inconformado com a ausência de “calor humano”, passa a assassinar os andróides, causando caos geral. Dois policiais são designados para cuidar do caso. O final da história, só indo ao cinema ou esperando o lançamento nas locadoras.
Na terça-feira 17/11, aconteceu algo que me fez questionar sobre o futuro da humanidade, que o filme descrito na sinopse acima mostra.
Em um supermercado aqui da região fui atendido em um dos caixas, por uma mulher que eu tenho quase certeza que era um andróide, mas um andróide desses baratos, porque ela não vinha com o chip da fala. Ela me encarou com uma total ausência de expressão ou sentimentalidade e, com gestos extremamente robóticos, passava produto por produto no laser. Sem descolar os lábios para se expressar, inclusive sobre o preço total dos produtos, ela me encarou, de modo que eu precisei olhar a tela do computador para me informar e, em seguida efetuar o pagamento. Tão logo ela empacotou as coisas com a mesma frieza, virou-se para o outro ser humano que estava atrás de mim e repetiu os mesmos movimentos superficiais.
Esse é um fato que acontece com uma freqüência muito maior do que imaginamos. Deparamo-nos com situações de austeridade nos ambientes urbanos, tanto por parte de quem atende, quanto por parte de quem é atendido. E apesar de toda essa freqüência, não habituamo-nos à falta de educação alheia e ficamos indignados - mesmo que o fato não ocorra apenas conosco -, pois não temos qualquer culpa sobre o que acontece na vida do outro, como o outro também não tem responsabilidade sobre o que acontece à nossa vida.
Saber separar o mundo interior dos outros do nosso mundo interior em conflito, é o primeiro passo para não começarmos uma guerra com a atendente de call center, ou para que o cobrador insatisfeito com alguma coisa trate-nos com arrogância.
E isso só acontece porque a maioria das pessoas enxerga no outro, senão a culpa pelos problemas ou dificuldades que enfrentam, uma forma de “colocar para fora” toda a frustração, e sentimentos ruins acumulados de situações passadas, no mais famoso estilo “pegar alguém para ‘Cristo’”.
Precisamos entender que aquela atendente do outro lado da linha se encontra em um patamar hierárquico de cumprimento de ordens, e não é responsabilidade dela o fim do plano de seus minutos ilimitados, ou seja, ela apenas está repassando para você as informações que chegaram até ela. Como também não é responsabilidade dos passageiros a insatisfação do cobrador com algum aspecto do seu emprego.
A palavra da vez é “discernimento”, que segundo o Dicionário da Língua Portuguesa significa distinguir, conhecer, avaliar bem, ou seja, conhecer realmente a situação pela qual está passando, distinguir suas próprias atitudes para contribuir com uma resolução ou agravamento dela e avaliar bem o que é de sua responsabilidade.
Discernir significa amadurecer enquanto ser humano, mostrando que você é capaz de pensar e avaliar antes de agir, pois para cada situação existem possibilidades e caminhos para serem pensados. Bem diferente de uma máquina que é programada para dar respostas exatas a possíveis situações de erros - anteriormente imaginados e já programados -, precisamos repensar nossas atitudes frente aqueles com o qual lidamos diariamente, principalmente porque somos de forma direta responsáveis por eles, no momento em que estabelecemos uma relação mínima – de pedir uma informação que seja -, e cabe a nós decidir se queremos receber de volta a mesma austeridade à qual estamos tratando os outros.
Não há nada que alegra mais o espírito, do que começar o dia ouvindo uma saudação cordial de alguém que a pronuncia quase cantando, com um sorriso sincero no rosto.

E antes que os comércios sejam tomados de andróides atendentes – o que acarretará num aumento considerável da taxa de desemprego, pois máquinas não são remuneradas –, e nós mesmos sejamos substituídos por robôs frios, tornemo-nos um pouco melhores ao estabelecer uma relação com alguém, pois se o mundo vai mal, é porque provavelmente seis bilhões de atitudes ruins individuais demonstram que cada um em algum momento contribuiu para que ele se tornasse assim, essa é a lei de causa e efeito.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Geyses Anônimas

Texto publicado no Jornal Vale do Aço no dia 13/11/2009 no link:

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Meios de comunicação de todo o país vem discutindo a alguns dias o caso da estudante Geyse, expulsa da UNIBAN após ser “vaiada" pelos alunos por usar um vestido curto e decotado para ir às aulas.
Como acontece em todos os tipos de assuntos estampados pela mídia, uma parcela das pessoas ficou contra a estudante, outra parcela a favor. Argumentos surgiram e surgirão de ambos os lados e não temos a intenção de acusar ou defender a estudante em questão, mas, desejamos opinar sobre o caso que coloca em cheque a “democracia” na qual juramos que vivemos e principalmente o falso liberalismo do povo brasileiro.
Observando ambos os lados – acusadores e defensores -, nos damos conta de que essa estória de indignação nacional diante de um fato acontece na maioria das vezes quando este ganha 15 minutos de fama. O caso da aluna da UNIBAN é apenas mais um em meio a tantos outros que ocorrem diariamente no país, debaixo dos nossos narizes e pior, quando somos participantes ativos, ou seja, quando nós somos os que “vaiam”.
O que aconteceu com a estudante Geyse foi uma forma de preconceito gerado a partir de um estereótipo criado pela sociedade para “rotular” aquelas pessoas que devem ser encaradas como uma “verruga” – causadora de estranhamento e motivo de vergonha – que precisa ser retirada de qualquer forma e o mais rápido pois, está contaminando o “mundo perfeito”. Os estudantes – que segundo algum quesito, se encaixam nos padrões de seres humanos normais – se sentiram ameaçados com a presença daquela mulher de roupas “inapropriadas” e, rapidamente se sentiram na obrigação de retirá-la do ambiente de aprendizagem - também conhecido como ambiente de educação – e de forma “liberal”, agrediram moralmente a jovem.
Num país cujo cartão postal é o carnaval, ou seja, onde todo tipo de promiscuidade é vista como normal, onde mulheres desfilam nuas, celebridades são flagradas em festas usando vestidos curtos e sem lingerie, onde programas de TV de finais de semana durante todo o dia exibem mulheres melancias, etc. realmente é de admirar o porquê da indignação dos estudantes e daqueles que os apóiam.
Existem assuntos muito mais sérios que deveriam ser encarados com maior indignação do que o caso da estudante da UNIBAN: governo cheio de corrupção, pessoas ainda sem infra-estrutura básica de água, luz e esgoto, crimes hediondos a todo instante, etc.
Se pararmos para pensar, sempre estamos nos esbarrando com essas questões de julgamentos baseados em nossas próprias convicções. Escolhemos aqueles que queremos que sejam “excluídos” da sociedade porque nos achamos superiores e no direito de fazê-lo e, nos ausentando da culpa, influenciamos as pessoas ao máximo a enxergar da forma que queremos.
O caso da estudante chama a atenção para os rumos que estamos deixando que a sociedade tome, ou seja, um mundo que caminha com seres humanos cada vez mais individualistas e menos tolerantes, de pessoas que dizem buscar a paz, mas essa está cada vez mais distante.
Há quem diga que Geyse é a “Maria Madalena” contemporânea, apedrejada com palavras pela multidão indignada com seu comportamento. Resta-nos escolher de qual lado ficaremos: daqueles que “não tem pecados” e atiram pedras o tempo inteiro, ou de Jesus. E quando falamos em escolher o lado d’Ele, em hipótese alguma estamos falando de religiosidade, estamos apenas exemplificando que sempre que estivermos diante de uma situação como essa, temos que ser sensatos o suficiente para olharmos nossas próprias vidas.
E somente dessa maneira, seremos capazes de compreender as diferenças, ao invés de “apontar” para as milhares de Geyses-mulheres, Geyses-idosos, Geyses-crianças, Geyses-negros, Geyses-gays, enfim, todos aqueles que sofrem diariamente com algum tipo de agressão moral e física por preconceito dos outros “estudantes” da uniVIDA.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Plenitude Vazia

Texto publicado no Jornal Vale do Aço no dia 05/11/2009 no link:

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Nada dá mais prazer do que a sensação de plenitude: em um dia comum para muitos, você acorda, olha para o teto e começa a pensar em quão boa é sua vida. Seu olhar parece atravessar o telhado e sumir no infinito. Não se ouve mais nenhum som externo; nada naquela manhã te distrai enquanto você pensa. É quase uma hipnose esse momento de reflexão da sua caminhada desde o início da vida - dos problemas que já superou, das dificuldades que ficaram para trás, pessoas, instantes, lugares, objetos, etc. tudo “enterrado” bem fundo para jamais voltar à tona.

Você começa a perceber a sua força e capacidade de superação e todos os ganhos que obteve graças à dedicação extra em cada aspecto dessas vivências cotidianas. Não há problemas que não seja capaz de superar, ou melhor, não há um problema sequer à uns quatro dias. A saúde vai bem, obrigado! Mesmo pequenas enxaquecas não são capazes de te tirar desse estado de satisfação mor.

Demorou algum tempo, mas finalmente você entendeu que quando falam que cada ser humano é único, estão realmente falando de um ser “exclusivo” que, diferente de um objeto também exclusivo, jamais poderá ser reproduzido, mesmo pagando por isso, mesmo desejando com todas as forças. E é por entender as potencialidades dessas subjetividades, que os conflitos passaram a ser raros. Você aprendeu a lidar com as diferenças, percebendo que ela é fundamental para que o mundo seja realmente um lugar interessante, e que uma unidade de pensamentos, maneiras de ser e estereótipos, seria algo extremamente chato.

E melhorando sua convivência de um modo geral, você cresceu espiritualmente e passou a perceber maiores vínculos sentimentais com as pessoas ao redor – relacionamentos de trabalho, de vizinhança, de amizade, familiares e claro, amorosos.

Tudo está tão bem e é tão inacreditável que uma sensação de medo e ansiedade subitamente começam a percorrer o seu corpo. O infinito some e o ar começa a ocupar todo o seu interior como se não houvessem mais órgãos dentro de você. É uma sensação tão desesperadora e angustiante que você nem sabe o que fazer. Às vezes chora, rola de um lado para o outro na cama, comprime a barriga. Outras vezes até toma algum comprimido pensando ser uma dor física, mas não é. É um grande vazio que, volta e meia você sente. Um vazio que não pode ser preenchido por essa plenitude atual, porque ele é conseqüência de um ato do passado: lembra quando você enterrou um monte de coisas no fundo da alma, pensando que estava “resolvendo” sua vida? Na verdade você apenas “varreu a sujeira para debaixo do tapete” e, agora que alguém o tirou para lavar, você se viu outra vez diante de tudo que estava escondido debaixo dele.

Pense na lógica de um aterro sanitário: ele resolve os problemas do lixo das cidades num tempo muito curto, e em um determinado momento ele transborda, não há mais como enterrar nada e tudo começa a se acumular na superfície. Além de tornar quase que completamente inutilizável outra vez aquela área, o odor que ele libera durante todo o processo de vida útil acaba gerando doenças e atraindo insetos indesejáveis.

Quanto mais “lixo” você enterrar na sua alma, mais repugnante e insuportável para você mesmo ela se tornará, até chegar um determinado momento em que tudo transbordará e se acumulará na superfície.

E só há uma forma correta de acabar com todo esse “lixo espiritual” que você enterra: é em primeiro lugar procurar um profissional que saiba lidar com isso - Psicólogos, Psiquiatras, Psicanalistas – para então eles te ajudarem a desenterrá-lo e realmente dar um fim.

Como geralmente há muita coisa enterrada, provavelmente vai levar um tempinho até que “tudo entre nos eixos”, mas, todo esforço é sinal de grande merecimento e, diga-se de passagem, a gente faz tanto esforço para conseguir um monte de futilidades que não há desculpa para não se esforçar pela própria saúde mental.

Há, e não venha com a velha desculpa de que esses profissionais são para “gente doida”. Doido mesmo é saber que em pleno século XXI as pessoas ainda criam pré-conceitos sobre isso.

“Viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz...” e nada melhor do que aprender com quem sabe fazer a vida um pouco mais bela, não é mesmo?


sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Sociedade das Imagens Meramente Ilustrativas

Texto publicado no Jornal Vale do Aço no dia 30/10/2009 no link:
“O homem é um animal que vai mudando o mundo e depois tem de ir se reciclando, para se adaptar ao mundo que fabricou” [Flávio Gikovate]
Se pensarmos em como nosso século a todo instante nos coloca diante de mudanças – numa soma de rapidez + excesso de informação + mecanização da vida – com vistas a uma geração cada vez maior de recursos financeiros para satisfazer nossos desejos que são cada vez maiores, menos alcançáveis e facilmente descartáveis, vemos que no campo dos relacionamentos isso acontece mais ou menos da mesma forma.
Se pensarmos que a palavra que determina a agilidade com que a vida deve ser conduzida é a “pré”, ou seja, onde tudo deve ser comercializado pré-preparado, pré-moldado, pré-montado, e posteriormente consumido ou descartado logo que adquirido, empurrando-nos a acreditar que toda a obsolescência programada da vida – onde nada é para sempre, tudo deve ser trocado – é natural e deve ser encarada como um curso imutável, entenderemos o porquê do campo afetivo também estar fadado ao fim com maior facilidade.
Toda essa falta de tempo faz com que a grande maioria das pessoas dedique uma pequena parte à aprendizagem nas mais diversas áreas da vida e posteriormente a uma entrega maior a aspectos menos relevantes e quase sempre inúteis.
Observando algumas redes sociais de internet, nos damos conta de que elas funcionam como uma grande vitrine na qual as pessoas se expõem mais ou menos como produtos – toda regra tem exceção – pois, em geral elas selecionam umas às outras pela imagem que é apresentada, sendo que a maioria não preenche os perfis - não descrevem como são, do que gostam, etc. - e, os que observam geralmente não se importam com isso, já que o primeiro e fundamental no caso é encher os olhos - o estereótipo físico.
Não é que a beleza não faça parte; e é exatamente isso que deve ser entendido: ela é uma parte e não o todo, e não pode ser capaz de satisfazer alguém completamente, simplesmente por ela mesma. E talvez seja exatamente por isso que os relacionamentos estejam tão fadados a um fim; pelo fato de as pessoas se prenderem unicamente à imagem, esquecendo que, assim como já aconteceu conosco alguma vez na vida, de olhar uma embalagem de algo comestível num supermercado, se sentir extremamente seduzido por ela e principalmente pela imagem estampada do que haveria no conteúdo e, ao abrir, se decepcionar com o que o havia dentro, também acontece quando nos prendemos apenas uma a “casca” esteticamente agradável sem avaliar o conteúdo.
Muitas pessoas reclamam – alguns pesquisadores até afirmam – que o fim dos relacionamentos ocorre por falta de diálogo. Por um lado, isso pode ser entendido como verdade se alguém não for aberto a conversas. Porém e mais importante que dialogar, é primeiramente “conhecer”. E aqui isso deve ser entendido como toda forma de conhecimento, pois é impossível estabelecer um diálogo com alguém que não entende absolutamente nada de qualquer assunto importante e pior, quando insiste em opinar de forma insistente, mesmo tendo consciência da própria inexperiência.
Esses diálogos não se resumem apenas a “discutir a relação”, também se aplicam a conversas rotineiras sobre qualquer coisa. Conversas banais durante uma refeição, enquanto ambos compartilham a arrumação da casa ou fazem uma boa caminhada juntos, conversas que se estabeleçam no trajeto de carro que é feito até o trabalho, ou quando chegam dele, mesmo que cansados.
São essas pequenas conversas em momentos simples da vida que vão fazendo com que enxerguemos toda agradabilidade que elas nos proporcionam e que, aos poucos vão sendo convertidas em maiores diálogos, até atingirem um nível de profunda necessidade de partilhar tudo aquilo que pode ser explicado por meio de palavras e gestos.

E é somente quando entendemos todo o poder que as palavras possuem e toda a magia que uma boa conversa desperta dentro de nós e a mudança que gera num relacionamento quando duas pessoas se reconhecem pela forma – distinta e inteligente – de pensar, é que seremos capazes de avaliá-las pela essência que possuem, nos libertando dessa sociedade de “imagens meramente ilustrativas”.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Em Tempos de Crise Interior a Faca e o Queijo são só Detalhes

Texto publicado no Jornal Vale do Aço em 23/10/2009

http://www.jvaflash.com/jornal/Flash/20091023/carrega_pag12.htm

Problemas, decisões, escolhas, opções, ações, iniciativas, abdicações, aceitações...
Passamos e passaremos a vida divididos por escolhas e decisões. Somos condicionados a procurar sempre o melhor caminho, focando o lado bom e nos preparando para a vitória, ou seja, estamos tão focados nos lucros que esperamos que a vida nos proporcione, que na maior parte do tempo em que nos deparamos com fracassos ou prejuízos, não sabemos como lidar com eles e posteriormente entramos numa espécie de “crise interior”.
Essa falta de “maturidade” para resolver as problemáticas do dia-a-dia nos torna cada vez menos seguros com nós mesmos e com nossa capacidade de avaliar a situação à qual estamos passando – ou passaremos – impedindo-nos de pensar em maneiras menos complexas ou dolorosas de resolver tudo.
Nesses momentos de desespero, tendemos a piorar – e muito – nossa capacidade de ação. Em geral nós atrofiamos nosso tempo, agindo sempre impacientemente, sem pensar, de forma imediatista, avaliando apenas as conseqüências em curto prazo. Isso implica em uma soma dos problemas no futuro: o atual, que estamos resolvendo, e outro que surgirá após a má resolução do primeiro.
Durante esses períodos de crise e desespero sempre aparecem os “gourmets da vida” - um parente distante, um vizinho que nunca convivemos muito ou um amigo não tão íntimo. Esses gourmets são as pessoas que menos convivem conosco, e se acham capazes de resolver todos os problemas da humanidade, se apenas seguirmos suas “receitas”. Geralmente elas impõem suas opiniões e conselhos – convictos de sua experiência no problema -, e ainda com a ousadia de dizer que acham um absurdo que não tenhamos resolvido tal problema, que fazemos muito drama à toa, já que “estamos com a faca e o queijo na mão”!
Mas e aí...? Se fosse tão simples apenas ter uma faca e um queijo, qualquer pessoa passaria por uma crise fácil, fácil. E sabe por que não passamos? Porque é preciso avaliar o problema por ângulos diferentes, ou seja, precisamos primeiro descobrir o tipo do queijo e de faca com o qual estamos lidando, para então entender as possibilidades que ambos nos permitem.
Por exemplo, não adianta termos um pote de catupiry e uma faca de açougueiro – daquelas de desenho animado – que a faca não caberá no pote; se for cheddar fatiado em uma bandeja de isopor, não terá utilidade nenhuma se a faca for elétrica; e menos ainda se for uma peça de parmesão e uma faca de mesa.
Entendido o que são, é preciso ainda saber o que fazer com eles: cortar, passar, grelhar, assar, misturar, tostar, enfim, entender qual o próximo passo para que a decisão que tomamos não nos cause indigestão. Mesmo que o sabor do queijo que temos em mãos e o tipo da faca que usaremos não sejam familiares ou agradáveis ao paladar, é exatamente nesse momento que temos a chance de usar a criatividade e aprimorar nossos gostos e capacidade de ação em situações complexas.
Agora, se realmente não estivermos preparados para manipular nossos queijos sozinhos, o melhor a fazer é chamar amigos e conhecidos que também estejam segurando seus queijos e facas –sem saber o que fazer com eles – reunir na varanda do apartamento ou casa, numa noite quente dessas de primavera, cada um trazendo ainda uma boa garrafa de vinho, um violão, bom humor e disposição para passar a madrugada tocando e trocando os sabores dessas novas experiências de vida.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Manual de Instruções Humanas

Texto publicado no Jornal Vale do Aço em 16/10/2009

http://www.jvaflash.com/jornal/Flash/20091016/carrega_pag12.htm


O século em que estamos nos coloca de frente com mudanças tecnológicas radicais em diversas áreas da ciência, como biotecnologias, nanotecnologias, entre outras. Tecnologias que de um lado ajudam no combate a doenças, no uso consciente dos recursos naturais, etc., e do outro, nos ilude e induz ao que não precisamos e ao que não somos.
Todos os dias recebemos vários spams em nossos e-mails, lemos em outdoors ou em folders de lojas de departamento sobre todo tipo de lançamento em tecnologias que “facilitam a vida”. Várias delas capazes de nos impulsionar a uma necessidade tão latente em possuí-la que, uma vez adquirida, torna-se quase uma “extensão de nós mesmos”, ao ponto de não conseguirmos mais imaginar nossa vida sem ela.
Paralelo a isso vemos uma tecnologia que distancia pessoas próximas e “aproxima” pessoas distantes, ou seja, destrói as relações e casualidades reais, na medida em que nos empurra para uma “casualidade virtual programada”. Por exemplo, todo mundo que utiliza o popular “MSN” provavelmente já passou horas teclando com um amigo e, ao encontrá-lo na rua, simplesmente viu o assunto sumir e se abreviar como num texto digitado na “janelinha” desse programa:
-Oi sumido (a), blz?
-Oi, blz, sumi nd, vc q sumiu.
-Pois eh, dexa eu ir q tô atrasadu... abçs
-Outro... =D
Isso se ambos estiverem dispostos a retirar dos ouvidos os fones de seus MP3, MP4, MP5, MP6, MP...n para então “cuspirem” sua web-linguagem, já que esses aparelhinhos - apesar de nos distrair em uma viagem longa - simplesmente isolam-nos do espaço urbano, ou seja, tornam-nos imunes a todos os tipos de sons e interações com a cidade e as pessoas ao redor.
Todo esse isolamento frente ao às relações sociais é mais tarde refletido num estado profundo de tristeza onde achamos que estamos sós no mundo, que ninguém é confiável, que nunca teremos um relacionamento, que as pessoas são muito complicadas, que tudo deveria ser mais simples ou vir com um manual e blá, blá, blá...
O que muitos não entenderam, é que todos nós nascemos sim, com um manual. Esse manual que só pode ser lido por nós mesmos e cuja única recomendação antes do uso diz: “Que conheçamos a nós mesmos, ‘fuçando-nos’, pois somente quando tivermos uma noção significativa do que realmente somos, saberemos nos apresentar aos outros sem que eles precisem se perder em pensamentos e dúvidas, tentando compreender porque somos como somos”.
E tal qual aprenderemos a nos conhecer, deveremos ensinar aos outros que também se conheçam, para que não fiquem insistindo que os compreendamos, quando na verdade, nem eles mesmos se compreendem.
Todos somos pré-programados, mais ou menos como um robô.
Pré-programados para amar, para perdoar, para ajudar, etc., porém, livres para potencializar essas “funções básicas”, expandi-las cada vez mais, tomando cuidado para não ser consumido por vírus e falhas do sistema – ódio, orgulho, rancor, etc. -, já que somos suscetíveis a isso como uma máquina, e também possuímos um prazo de “vida-útil”.
Porém, diferentes de um robô, não estamos fadados à obsolescência se entendermos que somos capazes de nos “atualizar” sempre, aprendendo com as interfaces desse programa maior chamado vida.
E como toda tecnologia de ponta, chega um momento em que precisaremos realmente ler nossos manuais - para aprender a utilizar perfeitamente nossas diversas funções - como o fantástico – e quase esquecido - sistema de interações afetivas via “bluetooth”: um olhar que envia ao e recebe do outro, imagens, sons, desejos, anseios e vontades.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Receita da Vida

Texto publicado no Jornal Vale do Aço no dia 09/10/2009 no link:

http://www.jvaflash.com/jornal/Flash/20091009/carrega_pag12.htm

Todo mundo que já fez – ou pelo menos tentou – fazer um bolo alguma vez na vida, sempre obteve os seguintes resultados antes de conseguir fazer a receita exata, ou desistir no meio do processo: ou queimou, ou solou, ou não cresceu, ou faltou sabor, ou ficou demasiado doce. Os motivos são vários e nunca a culpa é do cozinheiro, ou seja, nós somos sempre “experts” no assunto e o problema está em algum ingrediente colocado na medida errada, nos utensílios que não eram os ideais, na cozinha, etc.
Isso quando não resolvemos “quebrar” a receita e fazer somente a metade achando que facilitará o processo, economizará nos ingredientes e renderá uma porção menor, porém suficiente para satisfazer a fome naquele momento.
Na pior das hipóteses começamos as substituições por conta própria: se são dois copos de leite e só temos um e meio, adicionamos meio de água para não precisar sair para comprar outra caixinha; se são quatro ovos e só temos três, colocamos uma ou duas colheres a mais de manteiga, e por aí vai.
Durante o processo, se na receita pedem uma forma de 8cm, eu ignoro e pego a que for mais fácil de ser retirada da pilha de vasilhas no armário. Se é pra assar a 180º eu coloco 300º para agilizar o processo. Se o tempo de cozimento é 35 minutos, eu abro o forno de 5 em 5 minutos para olhar se já está pronto.
No final desse processo culinário, o que era para ser um momento de prazer, de relaxamento, de incentivo à criatividade na cozinha, tornou-se uma estressante e chata materialização de uma simples receita/desejo - que deveria ser compartilhada com outras pessoas no momento da degustação – agora inidentificável como algo saboroso, até mesmo comestível.
Não tão diferente do processo de preparação de um bolo, a vida também segue uma receita base. É essa base que faz com que todos tenham a mesma chance de ser feliz durante sua vivência terrena, ou seja, existem ingredientes que são fundamentais para que ela cresça, e outros que dão um toque diferenciado a cada receita, tornando-a melhor ou pior, dependendo da medida adicionada. Por exemplo, o dinheiro; toda receita de bolo da vida pede uma quantidade “x” dele – para alguns é preciso maior quantidade para dar um sabor único, para outros é menor, pois aprenderam a temperar com outros ingredientes. Você pode ter uma grande quantidade dele estocada no armário, porém para ajudá-lo a acrescentá-lo na medida certa, você deve ter uma boa quantidade de humildade, caridade, amor, etc. A ausência dele também torna a receita pouco apetitosa.
Quebrar a receita da vida - dividindo os ingredientes para economizar - também não vão torná-la mais simples de viver e mais fácil de ser saboreada. Nada substitui uma vida completa, com cada produto adicionado na medida certa.
As substituições dos ingredientes ou a realização da receita sem alguns deles devem ser feitas seguindo as dicas de alguém que aprendeu a receita antes de você, ou seja, alguém que sabe fazer um bolo sem ovos, sem leite ou que conhece alguns truques fundamentais para obter o resultado desejado.
Todo esse processo culinário – tanto do bolo quanto da vida ou do bolo da vida – requer paciência e dedicação, mas principalmente entendimento do que você está fazendo para o resultado que deseja obter, ou seja, não é tornar esse momento uma obrigação sem sal e irritante, porque o resultado será sempre o mesmo, mas tornar o processo de vivência da vida uma eterna receita de bolo à qual a todo momento estamos aprendendo com os erros, enquanto mordiscamos alguma fatia deliciosa - principalmente aquelas com muito recheio – junto com as pessoas que mais amamos - como num eterno café da tarde de domingo, na cozinha do sítio.
O bolo representa o resultado de toda uma receita, regada de movimentos, cálculos, criatividade, alegrias, tristezas, etc., no entanto a felicidade não pode ficar restrita somente a ele, mas a toda lembrança desse processo/vivência de materializar desejos.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Emoções ou Emoticons?

Texto Publicado no Jornal Vale do Aço no dia 25/09/09

http://www.jvaflash.com/jornal/Flash/20090925/carrega_pag12.htm


O sol ainda não saiu, mas a claridade da manhã já entra pela janela do quarto. Você se levanta e vai ao banheiro lavar o rosto e escovar os dentes. A água está morna pois o dia anterior fez muito calor; e com aquele gostinho de hortelã na boca, você pega uma moedas e vai à padaria. Próximo dela você já é capaz de sentir os cheiros que exalam dos alimentos preparados lá – o cheiro do pão francês, o pão de queijo, o café passado na hora. Cheiros capazes de impulsionar as mais deliciosas sensações, que misturam imagens, sons e sabores.
E tal qual a vasta, porém, tradicional variedade de alimentos ali comercializados existem uma série de rostos que você só encontra na padaria naquela hora da manhã. Pessoas estranhas, mas que não tão estranhas se entendemos que a vida é uma grande comunidade composta de grupos menores. Como os “anônimos” que compram pão de manhã junto com você, existem os que estão sempre no ponto de ônibus, os que estão sempre na sala de espera do dentista, etc. São pessoas cuja rotina sempre esbarra com a sua em determinados lugares e por um curto período de tempo.
Um senhor que toma café todos os dias enquanto você escolhe o que comprar, sempre lhe dirigiu um bom dia que você devolvia, no início, sem entender muito bem o porquê da cordialidade daquele homem, mas que gradativamente habitou-se com o fato, no entanto sem estender a conversa.
Mas é especificamente nesse dia agitado em que você acorda mais cedo, preocupado em resolver tudo durante o dia, que ao chegar ao estabelecimento, você encontra o mesmo senhor entrando. Ele percebe sua presença e diz: - Bom dia! Caiu da cama hoje? E sorri. A frase que soou estranha seria a agulha que estouraria a bolha que até então te impediu de desfrutar das conversas que se desenrolariam todos os dias naquele pequeno intervalo da manhã, e que te levaria a descobrir as experiências de vida fantásticas que ele guarda tão vívidas na memória, e que tem o maior prazer em compartilhar.
Experiências que você nunca imaginou existir nas pessoas anônimas ao seu redor, pois antes de estourar, você possuía uma bolha de proteção que ficava pendurada, murcha, atrás da porta, e que você enchia e vestia todos os dias antes de sair de casa. E por quê? Porque se afastar das pessoas do seu cotidiano? Porque todo esse medo em exprimir um “bom dia” que poderá estabelecer uma relação social real? Porque reunir 999 amigos “anônimos” num site de rede social virtual e trocar suas emoções por “emoticons”? Não estaríamos demasiadamente deslumbrados com essa falsa experiência de convívio social ou mesmo experimentação do espaço real, que a internet tenta nos convencer de que é capaz de suprir, e que nos impede de perceber que estamos nos isolando da realidade palpável?
Abrir um programa que te mostra o mundo via satélite - com modelagens 3D de construções, mapas, relevos e ícones que direcionam para fotos e vídeos - jamais conseguirá transmitir a real experiência de fazer o percurso da sua casa até a padaria, vivenciando os sons, os cheiros, os mínimos detalhes que acontecem de forma efêmera. Pois as experiências diárias necessitam dos movimentos de um corpo vivo, latente, enquanto as virtuais necessitam de um “enrijecimento” desse corpo numa cadeira.
E tal como acontece em relação ao espaço, acontece também em relação ao convívio. Uma comunidade sobre alguma coisa, com um milhão de pessoas que se atém apenas ao título dela para mostrar o que são aos outros, não te proporcionará a verdadeira sensação de trocar idéias e inquietações com uma ou duas pessoas que não medem gestos, caras e bocas para colocar para fora suas opiniões.
Posso dizer que internet e vida real são como refresco artificial de laranja e a fruta. A primeira até consegue aproximar o sabor ao da segunda, mas jamais propiciará o toque ao apertá-la para sugar o caldo, o cheiro cítrico que exala da casca pressionada e chega a arder os olhos, ou a deformação final da fruta para degustação do próprio “bagaço”.

domingo, 13 de setembro de 2009

Hikikomoris do Corpo Contemporâneo

Hikikomori_ é um termo de origem japonesa que designa um comportamento de extremo isolamento doméstico. Os hikikomori são pessoas geralmente jovens entre 18 a 34 anos que se retiram completamente da sociedade, evitando contato com outras pessoas. Em geral, moram sozinhos ou com os pais e se dedicam a internet, mangás, animes e video-games como forma de preencher o tempo e viver num mundo isolado fantasiando a realidade. Os individuos tem seu desenvolvimento social paralisado afetando o processo natural de amadurecimento.
Podemos chamar-nos de “Hikikomori do Corpo Contemporâneo”, pois estamos lutando para conter nossos eus subjetivos diante desse mundo de “eus pré-estabelecidos”, so que ao invés de nos trancarmos dentro de nossas casas, estamos trancando nossas essências dentro de um corpo moldado nas fôrmas do capitalismo.
Nos habituamos a consultar os espelhos quando estamos em dúvida em relação a nós mesmos enquanto aspirantes a fazer parte da sociedade contemporânea, e a jamais consultar nossas idéias ou inquietações quando algo vai contra nossas preferências.
E cada vez que ignoramos uma necessidade de reforma íntima diante dessas indagações sobre qualquer coisa, é mais uma pressão que fazemos sobre nosso verdadeiro eu, com o intuito de colocá-lo escondido e lá no fundo, com medo de ser rejeitado pela minoria - que dita como ser no mundo atual -, mas fortes o suficiente consigo mesmas à ponto de convencer a maioria sobre tais ideais de comportamento.
E chega a ser engraçado como uma grande quantidade de cabeças não pensam, ou seja, somos muito mais fortes sozinhos do que em grandes grupos. Podemos nos comparar facilmente a um bando de guinus na savana africana sendo perseguidos por uma única leoa; somos “15.000” contra um, mas ainda sim, não somos capazes de nenhuma reação a não ser esperar para ver qual será devorado.
Não menos agressivo e cruel, seremos um a um – agora com maior facilidade e mais rapidez – devorados pela leoa dos ideais de felicidade baseados no consumo e na imagem; pouco a pouco nos entregaremos como presas frágeis e doentes – cansadas de tentar fazer parte do topo de cadeia alimentar – ao invés de assumirmos nossa posição de guinus, porém tomando partido de nossa força e capacidade de ação, das potencialidades e subjetividades, entendendo que nossas fragilidades não são erradas, mas sim parte necessária para aprendermos com nós mesmos, novas estratégias de defesa.
Tal qual os hikikomori se encontram nesta situação devido ao alto grau de perfeição exigido das pessoas em tarefas diárias psicológicos de baixa auto-estima e em alguns casos extremos tendências sociopáticas graves, e há casos extremos onde filhos chegam aos 40 anos ainda dependentes dos pais e sem experiência profissional, temos que livrar nossos eus desse estado de exigência de perfeição absoluta.
Nos dando o direito de errar, de assumir nossos medos e imperfeições, nossas impotências diante de quaisquer situações, estaremos explodindo as paredes de aço que seguram esse verdadeiro "eu" que sofre, que ri, que chora, que se encanta, mas sobretudo, esse "eu" que é capaz de se aceitar em suas subjetividades e aprender com elas.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Trecho Sem Cobertura da VIIDA

A vida é como uma operadora de celular qualquer que um dia te enche de promoções e no outro te enche de problemas.
Como numa operadora, existem lugares onde o sinal é mais ou menos forte e outros em que ele nem existe [trechos sem cobertura], ou seja, quanto maior o sinal, melhor a conexão com o mundo, quanto menor, pior essa conexão, e a ausência de sinal significa ausência de conexão com o mundo real, perda da felicidade, do ânimo, etc.
No pior dos momentos, existem aqueles dias de falha do sistema da operadora, a perda de sinal por um longo período de tempo, e como conseqüência, perda de compromissos, encontros, jantares, bares, e todos os planejamentos de dias, anos e uma vida inteira.
E como uma operadora qualquer a vida te cansa; cansa de tantos altos e baixos, de viver essa dualidade inconstante entre bom e ruim, feliz e infeliz, triste e alegre, bem e mau, bom humor e mau humor, eficiência e ineficiência.
E quando ela percebe esse cansaço e que está prestes a perde um cliente, ela “te liga” e oferece planos, serviços e promoções que te fazem acreditar que ela mudou e resolveu pensar melhor nos que usufruem dos seus serviços, ao invés de simplesmente obter os lucros deles.
10x mais, infinity pré, fale o dobro na teotira, e na prática 10x mais ilusão, infinity preso, fale o dobro sobre o dobro de problemas. E assim será a vida sempre: uma sucessão de mentirinhas
para te manter como cliente.
E como uma operadora qualquer, ela vai utilizar todos os métodos possíveis [aparelhos exclusivos, sorteios de viagens, torpedos ilimitados] para manter a mentira de que o objetivo é sempre você.
Ela vai te ignorar mediante quaisquer reclamações, você pode processar, chamar o PROCON que de nada adiantará. Ela vai achar que tem sempre razão, vai sempre sustentar o discurso de que você não leu o contrato direito.
Você se aborrecerá cada vez mais, mas nesse caso não há como trocar de operadora, pois ela é única, é a “VIIDA”, ou seja, ou você aceita todas as exigências e cláusulas do contrato e vive durante o prazo estipulado, ou na pior das alternativas, rasga-o e deixa de usar celular.
O que ainda nos faz manter esse contrato e continuar utilizando esses serviços é o fato de podermos trocar experiências com outros clientes através de outros meios de comunicação [e-mail, conversas, correios].

Talvez todo o problema dessa operadora chamada “VIIDA” se resuma ao fato dela não possuir um SAC [Serviço de Atendimento ao Consumidor]. E se existe, aposto que é cheio de atendentes virtuais que entendem “-Quero aumentar meu ‘plano’”, quando você na verdade disse “-Quero ser ressarcido por esse dano”!

-Desculpe-me Senhor(a), não entendi, por favor, repita o que disse.

sábado, 22 de agosto de 2009

Maria vai com as Cláudias

Gosto_prazer, satisfação; inclinação, propensão; discernimento, critério; feitio, forma, estilo.
De A a Z, do menor para o maior, do branco ao preto, degrade, crescente, decrescente, por nome, por tipo, por data, etc., clean, funcional, ideal, intocável, imóvel, inalterável, etc².
Organizar o mundo; classificar, rotular e definir um espaço para cada coisa [as mínimas coisas]. Quantas e quantas horas da nossa vida perdemos tentando obter a “perfeição”: a sala perfeita, o trabalho perfeito, o cabelo perfeito, a roupa perfeita, o relacionamento perfeito. Os livros são organizados em ordem alfabética, os CDs por data, cantor, álbum, etc., a mesa de centro está a 32cm do sofá de couro preto, que está a 3cm da parede pintada com tinta aveludada na cor vermelho intenso.
-“Meu relacionamento é incrível, nós gostamos das mesmas coisas e nunca brigamos por nada”.
Viagem sem contratempos: sair de casa às 17:00; pegar um táxi e chegar às 17:30 no aeroporto, sendo que o vôo sai às 18:20. Sem atrasos, sem cancelamentos. Tudo na mais perfeita ordem e saindo melhor do que o esperado.
A noção de que a totalidade sem imperfeições é o ideal de mundo capaz de nos tornar plenamente felizes é completamente equivocada. Não existe felicidade na perfeição absoluta.
Imagine uma vida onde não existam interrupções, fissuras ou imprevistos que te obriguem a sair da passividade cotidiana.
Imagine viver sabendo exatamente o que vai acontecer nas próximas horas, ou nos próximos dias e talvez até mesmo nos próximos anos. Você faz planos à longo prazo e tudo sai conforme o que você planejou.
Há realmente um interesse da humanidade em se entregar a uma vida tão previsível? É possível que todas as pessoas queiram sempre a mesma sala de TV com: sofá de couro preto + tapete de pele branca + duas poltronas de couro preto diferentes do sofá + TV LCD [a maior possível] sobre um módulo retangular tabaco com a parede pintada de vermelho ou qualquer outra cor [já que as outras paredes são brancas] completando com um quadro de pintura abstrata qualquer comprado em um lugar qualquer e que combina com o restante do ambiente.
Onde estão as subjetividades, as preferências, até mesmo os juízos de valor particulares que tornam as pessoas únicas?
Porquê eu quero tanto uma sala dessas? O que eu sinto quando entro num lugar assim? Qual o meu posicionamento em relação à cada coisa inserida naquele ambiente? Esse ambiente é o meu “ideal” de aconchego? Nós estamos realmente nos questionando sobre o que nos é imposto?
Não!
Ninguém questiona a realidade que é apresentada, estão todos submersos nesse mundo de futilidades, preocupados em satisfazer os “desejos impostos” pela maioria, acreditando que a perfeição está na obtenção desse mundo utópico.
Agora pare e pense: alguma vez já aconteceu de você se cansar da rotina de casa/trabalho/diversão nos fins de semana? Alguma vez você desejou que alguma coisa fora do normal acontecesse no seu dia porque a repetição quase automatizada de ações se tornara cansativa?
Ótimo, isso prova que você só está buscando a perfeição porque não parou para pensar sobre quão enfadonha ela é, mas no fundo sabe disso, só está com preguiça de questioná-la, visto que é mais fácil aceitar.
E assim que começar a pensar e questionar que a unidade de gostos é uma hipocrisia, começará a enxergar que quando o táxi atrasa no trânsito engarrafado você tem a chance de conversar com o motorista. Descobrir que ele não existe ali naquele momento, trabalhando apenas para ganhar seu dinheiro e em troca conduzindo-lo ao seu destino. Muito além da necessidade/função, existe um mundo de possibilidades esperando para serem exploradas.
E é nessas trincas que surgem na parede da vida [lisa e pintada] que é possível enxergar aquilo que está além do que se vê. Que os olhos não captam na correria do dia-a-dia.
Num passo de cada vez, mais cedo ou mais tarde nós descobriremos que toda atemporalidade existente nos ambientes arquitetônicos de revistas, por exemplo, sem seres humanos que os habitam, sem sujeira, sem desorganização, sem utilização, não passam de propaganda para vender cada coisinha naquela foto, promovendo a generalização dos gostos para produção em série, gastando pouco e obtendo o máximo de lucros.
Só então será possível abandonar essa sociedade de Marias vão com a Casa Cláudia, com a Casa Vogue, e por aí vai...

sábado, 15 de agosto de 2009

McLanche Infeliz

Imagem_Representação de pessoa ou coisa. Figura ou efígie de um santo, da Virgem ou de Cristo. Semelhança. Representação (no espírito) de uma ideia. Metáfora.
O século XXI entrou como o século das “Imagens meramente ilustrativas”. Estamos diante de uma “boom” de superficialidades visuais, baseadas principalmente no culto ao corpo perfeito, onde as pessoas se vendem como produtos em sites de compras, ou seja, o conteúdo geralmente não é o mesmo que o mostrado na embalagem.
São páginas e páginas da web ocupadas por esses catálogos em que nos deixamos selecionar por características físicas, preferências, gostos, etc.
Tal qual vemos uma substituição dos tradicionais e saudáveis hábitos alimentares [como conseqüência de falta de tempo] pela maléfica “junk food”, vemos também uma substituição dos tradicionais métodos de materialização de relacionamentos, por um tipo de envolvimento baseado em “fast food” [ou “fast fuck”].
Como se cada pessoa tivesse sido fabricada com o intuito de ser vendida, o mundo nos separou em diferentes lanchonetes de redes de comida rápida, resumindo-nos a alguns tipos básicos de sanduíches, ou seja, os letreiros grandes e iluminados ou os cardápios nas mesas da vida dizem exatamente o sabor que cada um deve ter.
Fim dos romantismos, ninguém mais ouve ou faz uma serenata, manda flores, passa horas conversando sobre qualquer coisa. Agora, com o tempo limitado, podemos no máximo nos entregar a uma transa rápida [nem tão boa assim] e pronto.
E com as pessoas com uma fome cada vez maior, e com as campanhas de marketing criando cada vez menos sabores de sanduíches, somos obrigados a trocar nossos temperos e condimentos [se quisermos sair daquela esteira de espera dos hambúrgueres prontos].
Assim, nos encontramos ali, parados, esperando que algum consumidor faminto finalmente nos escolha antes que sejamos descartados, vencidos os 15 minutos de validade.
Toda essa correria por uma “comida” rápida tornou as pessoas inertes aos romantismos e sentimentalidades que outrora demonstravam a beleza interior e o real interesse naquele relacionamento, e que agora parecem brega e fora de moda.
As pessoas insistem em se deixar levar pela pele intacta e imóvel ao tempo, sem fissuras, sem qualquer imperfeição, mesmo sabendo que isso é efêmero.
Tal qual é um lanchinho completo dessas redes, todos se dirigem ao caixa e escolhem o que comer, pegam sua bandeja com uma cara satisfeita e degustam até o final. Após um tempo a fome volta, pois toda artificialidade desses produtos cheios de “conservantes” jamais substituirão uma boa refeição.
Mesmo assim, todo mundo insiste nesse tipo de alimentação, e algumas lanchonetes “ajudam-no” a personalizar seu sanduíche: você escolhe o sabor que você quer [ambiente] e escolhe o número de carnes [pessoas] que quer no seu sanduíche.
Algumas pessoas optam pelo McLanche Feliz, porquê apesar do hambúrguer não ser lá grande coisa, elas pouco se importam pois estão muito mais interessadas no “brinquedinho” que vem com o relacionamento, ou seja, todo o culto à beleza se alia a um culto ao material, às futilidades financeiras e ao status efêmero, do que à fome propriamente dita.
Cansadas de brincar com a mesma coisa, elas voltam até a lanchonete e compram o próximo Mclanche Feliz, para usufruir do novo brinquedo, até enjoar novamente.
Além de tudo o que já foi dito, existem ainda várias promoções com os tradicionais sanduíches, mas com alguma “caixinha” nova, acompanhamentos em edições limitadas, ou mesmo sabores da estação.
As corporações alimentícias, quando vêem as pessoas cansadas das mesmices de suas grandes redes de comida rápida, partem para inovações nos próprios espaços de vendas. Então criam redes que vendem “comida árabe”, “donuts”, “pizzas”, etc. Todas no melhor estilo “compre, coma e vá embora”.
Tudo isso só serve para aumentar a grande cadeia de inutilidades contemporâneas que apenas contribuem para a decadência da humanidade.
PS: os serviços “delivery” já funcionam, com entrega rápida a qualquer lugar. Ligou Chegou!

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O Pop Não Poupou a Felicidade

Felicidade_estado da pessoa feliz. Sorte. Ventura, dita. Bom êxito. a felicidade eterna: a bem-aventurança.
Ah a felicidade! Quantas pessoas passam a vida a perseguindo, achando que, como um baú do tesouro escondido por algum pirata do caribe [com direito a olho de vidro, perna de pau e gancho no lugar da mão] ela está escondida em algum lugar do planeta com um “X” preto pintado em cima para que alguém, algum dia cave e encontre-a ali dentro, trancada, esperando para ser usufruída.
E as pessoas a perseguem como se ela fosse única, ou seja, só existe o suficiente para uma pessoa no mundo. Logo, todos [que ainda insistem em permanecer na ignorância] vivem como se tivessem que eliminar todos os outros “caçadores de relíquias” para que ao final, o Sr. ou a Sra. Indiana Jones possua com exclusividade o mais cobiçado tesouro de todo o mundo.
E a comunidade desses aventureiros vai crescendo a cada dia, e a cada dia mais e mais pessoas frustram-se por não conseguir achar a tal da felicidade [Capitão Gancho a escondeu muito bem].
Talvez a felicidade não esteja escondida. Talvez ela nem seja alcançável da forma como a buscamos.
Acho que a felicidade é como um amigo meio depressivo, imagine: você sabe que ela existe, mas ela não é de dar as caras toda hora. Aparece quando você menos espera e some quando você mais precisa.
Às vezes ela te faz companhia por um tempinho, o suficiente para contar uns casos, colocar as fofocas em dia, tomar um cafezinho e no máximo ver um filme juntos. Assim, em seus dias de bom humor ela até despede e vai embora, já nos demais ela sai sem aviso prévio e deixa você com aquela cara mista de tristeza e raiva.
E como um amigo depressivo, ela tem seus surtos de euforia [com muito esforço, dura alguns dias], e seus conflitos existenciais [some por semanas, meses e nos casos mais extremos, some por anos]. No último caso, ela telefona de vez em quando ou manda um e-mail que te faz dar uma boa gargalhada.
Mas você sabe, ela estará sempre do lado de lá e você do lado de cá. E mais do que isso, ela será sempre o amigo depressivo que você sabe que existe, mas nunca onde encontrá-lo, ele é quem te encontra.
Assim, a felicidade pode ser entendida como a pessoa mais complicada, cheia de “não me toques” [o mínimo probleminha a faz sumir] e cheia de defeitos. Porém, ela tem em sua única qualidade, a capacidade de tirar qualquer um do chão, por mais rápida que seja sua visita. Ela te faz pensar freneticamente em tudo, ver flashs de outras visitas que te fez em diversas outras ocasiões. E as lembranças parecem se materializar, e tornam o tempo da conversa com ela um pouco maior. E outras pessoas chegam e são contaminados pela visita dela. Alguns não disfarçam o ciúme que sentem ao ver que vocês têm uma relação e acabam a reprimindo apenas com o olhar. Sem graça, ela parte, mas não demora a voltar, fica escondida, olhando pela greta, esperando apenas seu “amigo” sair [ela é como a gente mesmo, quando o santo não bate, ela não insiste na relação, e mais, é do tipo que “dá um boi para não entrar numa briga”].
Como um amigo depressivo, ela jamais será sua companheira em tempo integral. É provável que se afaste nos momentos mais difíceis. Nos seus próprios momentos de depressão ela não estará lá para compartilhar experiência de vida, pelo contrário, vai sair de fininho e te deixar outra vez em crise com a vida.
O problema maior é que ela é muito exigente e a maioria das pessoas não tem tanta paciência para ficar adulando e insistindo pela companhia dela, mesmo sabendo que é de longe a melhor coisa.
E como um amigo depressivo que precisa de mais e mais pessoas ao seu redor, ela poderá romper a relação de amizade entre você e ela, se sentir que você quer toda a sua atenção [ela é depressiva, mas é pop, e gosta de ser assim; “o pop não poupa ninguém”].

Enfim, como um amigo depressivo ela têm suas preferências; o difícil é tentar fazer ela falar sobre si mesma. Então desista! Acostume-se com a idéia de que ela jamais pertencerá a você, mesmo estando cheia de sentimentos e boas intenções.
E não adianta ficar pensando se ela prefere chá, café ou capuccino. Se ela estiver naqueles dias, não há agrado que a faça permanecer com você.... ela simplesmente sairá, e quem sabe chega para o almoço do dia seguinte.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Não se Empolgue com Salgadinhos de Pacote

Vomitar_arrojar com esforço pela boca as matérias contidas no estômago. Arrojar, expelir.
Imagine-se no supermercado fazendo compras. Como habitualmente acontece, você pega o carrinho e sai passeando pelo grande espaço iluminado sem aquele entusiasmo, porque isso já faz parte da sua rotina [essa é a sua vida]. Você normalmente faz esse ritual sem uma lista de compras, já que não gosta de coisas tão previsíveis, ou seja, prefere olhar e descobrir o que precisa.
Como resultado você nem sempre pega tudo e acaba esquecendo coisas fundamentais, e normalmente só lembra o que falta quando já está em casa [vazios].
Algumas vezes você se encontra entediado, chateado com alguma coisa ou acelerou um pouco seu próprio ritmo para alcançar alguma meta, está muito apressado e acaba comprando produtos com o prazo de validade vencido [problemas].
Mas como todo mundo, você continua sua tarefa de fazer compras em determinado dia da semana, porque é fundamental para cada um, tudo o que existe no grande templo dos itens variados.
E assim você segue...
Porém, no caminho da casa para o supermercado é que acontecem as coisas realmente relevantes, situações, conversas e “lanchinhos”, que vão se acumulando dentro de você.
Tanta informação contida [poluição sonora de suas vozes em sua própria mente] faz com que você comece a ficar meio tenso. Aos poucos você se lembra de tudo o que aconteceu durante o trajeto – o carrinho de cachorros quentes, os churrasquinhos gregos, churros, algodão doce, etc. Tudo que outrora parecia apetitoso e sedutor se resumiu a um bolo alimentar alojado no estômago, causando uma gastrite terrível.
É preciso vomitar [contar a alguém] toda a comida gordurosa, estragada e suja que você comprou enquanto ia até o supermercado, ou tomar algum medicamento [amigo] que melhore essa dor de estômago.
Na maioria das vezes a gente a ignora e se engana fingindo que não há dor alguma. Até que, chegando ao supermercado, começamos nossa busca rotineira. Mas a gastrite continua ali.
Após algumas voltas [da vida], você olha para uma das prateleiras e nota um pacote diferente, é um salgadinho [amigo] novo. Rapidamente você é atraído e começa a dialogar com o produto para saber informações básicas. Na dúvida se vai gostar ou não, você agarra um pacote e leva com o intuito de experimentá-lo.
Na próxima compra você agarra mais alguns pacotes porque aprovou o sabor. E na próxima, mais alguns. Até que já não espera mais o dia da compra para dividir os melhores momentos com ele. Agora você já o encontra na padaria, no bar, na lanchonete da esquina.
Chega um momento em que ele já faz parte da sua vida de tal maneira que qualquer pessoa que vá à sua casa acaba sendo apresentada a ele.
E a gastrite já não é mais um problema, pois toda vez que você está com dor de estômago ou muito cheio, você enfia o dedo na garganta e vomita tudo, sabendo que o pacote de salgadinhos do novo sabor estará ali para saciar toda sua fome de companhia.
Até que um dia, por um defeito de fabricação do próprio pacote você, ao puxar as abas do plástico surpreende-se ao vê-lo partir ao meio e despejar no espaço ao redor toda aquela porcaria mal-cheirosa que contém, e que você nunca prestou atenção pois estava empolgado demais com o “novo”.
E o conteúdo do pacote nunca antes percebido, revela todos os ingredientes ruins do qual é feito. E as conseqüências de tanta química ruim dentro dele, aos poucos vão se manifestando em você.
E assim como o pacote rasgado ao meio, você se vê partido em dois já que, na empolgação de regurgitar o que estava há muito tempo dentro de você, se entregou a um “hábito alimentar” que mais cedo ou mais tarde só pioraria a situação de dor de estômago que você já tinha.
Aos poucos o tempo passa, você controla a gastrite e volta à velha rotina de compras, até aparecer o próximo sabor de salgadinho...
Todo exagero nunca faz bem. Respeite-se e não se empolgue demais com salgadinhos de pacote, pois, na euforia da fome, somados a um defeito de fabricação [não-percebido] pode deixá-lo numa situação constrangedora.
E o que sobra: você no chão tentando juntar toda sujeira antes que mais pessoas vejam.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Incandecentes, Fluorescentes e do Aladim

Luz_O que, iluminando os objetos, torna-os visíveis. Candeeiro, lâmpada, vela ou outra coisa acesa. O que ilumina o espírito. Claridade de um astro. Brilho, fulgor. Evidência;
Acredito que a vida seja como as lâmpadas: existem várias, cada uma com suas características próprias de fabricação [brilho, intensidade, vida útil, validade, luminosidade, cor, etc.], mas se resumindo a três tipos básicos, que são as mais conhecidas: incandescente, fluorescente e “do Aladim”.
Assim sendo, apesar de serem apenas três tipos, existem diversos outros fatores que as tornam completamente diferentes, ou seja, apesar de todas exercerem a mesma função (viver/iluminar), cada uma possui uma marca própria, e assume uma identidade particular a partir do meio à qual é inserida.
Para tanto, sabe-se que existem lâmpadas que nasceram para iluminar sozinhas, às vezes clareando pequenos espaços, outras tornam-se capazes de iluminar vãos maiores. Apesar de sozinhas, não são menos importantes do que aquelas que iluminam em parceria. Essas nasceram com esse intuito e aprenderam a lidar com isso.
Do outro lado, existem as lâmpadas solitárias rebuscadas, ou seja, aquelas que ostentam alguma esfera de vidro ou cristal, alguma camada de alumínio que ajuda a espalhar seu brilho, ou aliada a alguma forma que a valoriza. Apesar de camuflada, algumas se deixam seduzir pelo que elas ostentam, sem saber que o deslumbre das pessoas naquele lugar está voltado àquilo que a esconde e não à lâmpada em si. Outras aprendem a lidar com isso, e despertam a curiosidade alheia em saber o que está por detrás daquele objeto de desejo, ou seja, que tipo de lâmpada é usada, e que torna o brilho intenso e atraente.
Há também aquelas lâmpadas que nasceram para viver em conjunto. Elas até são capazes de iluminar sozinhas, mas preferem estar no meio de outras, ou seja, lâmpadas que dividem um mesmo espaço com outras lâmpadas. Elas atuam em trabalhos sociais, constituem grandes famílias, amam os relacionamentos. E existem aquelas que trabalham em conjunto em grandes lustres de pedraria, com direito a viver cercada de requinte e gente importante.
Mas como tudo têm uma validade, um dia toda lâmpada morre. Claro, existem aquelas que simplesmente queimam e são logo substituídas. Existem aquelas que já vêm com defeito de fábrica, ou que simplesmente são descartadas no decorrer do processo de fabricação.
Algumas lâmpadas são tão importantes no espaço em que ocupam, que quando morrem causam “alarde” naqueles que dependiam de seu brilho para continuar vivendo.
Para entender melhor as particularidades de cada lâmpada, temos:
Incandescentes: são aquelas pessoas que levam a vida com intensidade total, ou seja, não são nada econômicas quando o assunto é viver. Iluminam mais que as outras lâmpadas, estão sempre com um brilho amarelado que imita bem o brilho do sol. Elas são lâmpadas quentes, com uma corrente elétrica capaz de fazê-las brilhar por muito tempo. São ansiosas e gostam de tudo a tempo e a hora.
Fluorescentes: são aquelas pessoas mais contidas, econômicas. Que vivem de maneira mais tímida. Não são muito aventureiras como as incandescentes. Mesmo estando cercadas de outras fluorescentes, são lâmpadas frias, de luz branca, mas são ótimas para passar horas sob seu brilho. Às vezes são cansativas, mas em geral são muito confortáveis na maior parte do tempo.
E por último, a “Lâmpada do Aladim”: essas são aquelas pessoas que vivem no mundo da fantasia, ou seja, vivem como se tudo fosse uma mágica. Tudo está sempre a um estalar de dedos. Elas estão sempre fazendo alguma coisa fantástica, nunca são desligadas, pelo contrário, uma vez esfregadas (quando se dão conta de que são gente), libertam o “gênio” [não entenda isso como inteligência] que existe dentro delas e provavelmente nunca mais o deixarão adormecer.
Mesmo adultas, continuam deslumbradas com tudo, e são capazes de acreditar nas próprias mentiras, tamanha a convicção com a qual as elaboram.

Enfim, apesar das subjetividades de cada uma, é preciso entender que, cumprido o tempo de vida útil [ou mesmo que seja abreviado], todas tem sempre o mesmo destino: o aterro sanitário.
Bem mais importante que o final da história, é o início dela. Estamos todos no mesmo supermercado, na mesma seção e prateleira. Apesar de separadas por categorias [religião, cor, raça, sexo, etc.], rotuladas por isso, e por preços diferentes, a função é sempre a mesma e só depende de nós converter esse brilho em luz branca/colorida ou nos tornarmos luz negra.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Prefiro Picolé de Banana a Spray para Ambientes

História real: Certo dia, meu avaliador de monografia [AM] estava passando por um lugar em Belo Horizonte [não recordo onde] e avistou um menino de uns 10 anos de idade, meio choroso, segurando uma mochila, olhando para ela inconformado. Curioso com a cena, AM parou e perguntou:
-Ei, porquê é que você está triste?
-É que minha mãe me deu essa mochila pra eu ir à escola, mas ela é feia, eu não gostei e meus colegas vão rir de mim, disse a criança.
-E onde está sua mãe?
-Ela foi ali resolver umas coisas e pediu que esperasse aqui.
-E porquê é que você não diz a ela que não gostou?
-Porquê ela vai ficar brava comigo e triste e não vai me dar outra mochila...
-E, o que você pretende fazer? Perguntou.
O silêncio tomou o lugar da conversa, o garoto olhou para o lado, fitou algo que prendeu sua atenção por um tempo e então disse:
-Você quer trocar essa mochila comigo?
-Trocar? Quanto você quer? Disse AM.
-Não quero dinheiro, quero trocá-la por picolés. Disse apontando o vendedor logo na esquina.
-Picolés?! Sorriu. -E quantos picolés você quer pela mochila?
O garoto retribui o sorriso: -Todos que puder chupar; disse entusiasmado.
-Mas você sabe que se você trocar sua mochila, quando sua mãe chegar e perguntar onde ela está e você contar que trocou em um monte de picolés, ela vai ficar muito brava.
-Sim, sei, mas quero trocar assim mesmo. Insistiu ele.
AM concordou e então se aproximaram do vendedor. O menino entregou a mochila àquele homem estranho, pediu o primeiro picolé, e à medida que acabava, pedia outro. Ao final, o garoto havia chupado três picolés, pegou mais um e disse:
-Estou satisfeito. Obrigado.
-Por nada. Agradeceu AM, se despediu e cada um tomou seu rumo.

Moral da história: essa história real nos conta muito mais do que a troca literal que se apresenta. Ela narra a coragem do menino em enfrentar seus próprios medos, em rejeitar a sua passividade diante de algo que o incomodava - por medo de uma possível reação negativa de sua mãe - vislumbrando a liberdade de escolha e posteriormente uma liberdade do indivíduo.
Agora pare e pense: quantas coisas nós aceitamos, engolimos quase forçado, fechamos os olhos e fingimos que não existiu, por uma questão de comodismo e costume.
A passividade com a qual vivemos [somos algum porão ou verdadeiros quartinhos de bagunça] torna-nos completamente infelizes, pois anulamos nosso bem-estar e felicidade por medo de recomeçar, de lutar em um novo campo de batalha, mesmo tendo perdido o último confronto [e continuamos ali, naquele lugar destruído pela guerra], já que nos habituamos a pegar as coisas que não servem para nada e, ao invés de jogar fora, juntar em caixas e acumular em um canto.
E assim vamos vivendo: guardando uma “dorzinha” num pacote ali, preservando um falso amigo num plástico bolha meio estourado lá, guardando objetos, coisas e momentos ruins em caixas cada vez maiores. E perdendo cada vez mais nosso espaço. E a cada dia nos sentimos mais sufocados pela poeira, mofo e excessos. E em pouco tempo a luz já não entra, pois a pilha de objetos danificados ou inúteis chegam a uma altura capaz de tapar completamente a única janela da alma [o coração].
Em certos dias, uma ventania forte ou um temporal [para piorar a situação] às vezes forçam a janela e derrubam algumas coisas; essas esbarram em algum encanamento ou fio danificando-os. Resultado: vazamentos, infiltrações, bolor, animais e insetos indesejáveis,ou seja, doenças; ou então algum curto circuito, incêndio ou queda de energia, ou seja, escuridão constante.
Para resolver, às vezes chamamos um técnico de reparos, alguma faxineira e pronto. Consideramos o problema resolvido.
Porém, os dois podem até reparar a fiação queimada, trocar o cano furado, tirar o mofo e poeira e depois borrifar alguns cheiros artificiais desses sprays para ambientes. Mas toda a tranqueira continua acumulada.
“Limpar” não é o mesmo que “dar faxina”. Porque a faxina verdadeira só pode ser realizada por cada um. Ninguém tem permissão para pegar o que te pertence e lançar fora. Isso só depende de você.
Felicidade, essa é a palavra que queremos que tome todo o espaço.
Mudar para ser feliz! Mudar de verdade, começando com uma boa faxina.
Hora de fazer um bazar na vida. Não é pra pegarmos tudo aquilo que está com defeito e colocar à venda [porque isso deveria estar no lixo], mas sim, pegar tudo aquilo que é inútil, que está entulhando nosso porão [momentos, pessoas, lugares, objetos, musicas] e colocar à venda, algo como uma mega liquidação.
Acreditar que a felicidade é para ser vivida e não ignorada e, como o garoto, ter coragem para hierarquizar aquilo que temos em nós e trocar tudo aquilo que nos impede de enxergar e viver o que de mais precioso possuímos.

ATENÇÃO: COMEÇA AGORA UM MEGA BAZAR NA VIDA. COISAS QUE NÃO SERVEM A PREÇO DE PICOLÉ DE BANANA!!! APROVEITEM!