terça-feira, 30 de novembro de 2010

Do Hospital à Ilha de Caras

Imagine uma doença cujo diagnóstico leva tempo para ser concluído. Os médicos fazem exames, passam medicamentos, recomendam internações e mais exames. É claro que o fato de ir ao hospital por algum mal estar por si só já é um saco e, diga-se de passagem, aterrorizante.

Além daquele corredor branco volta e meia interrompido por portas “Titanic”, hora por bebedouros plásticos, hora por enormes cilindros vermelhos dos extintores de incêndio, você ainda tem que passar pela prova do “adivinhe o que este funcionário está querendo dizer a você ou ao mundo”: a recepcionista com cara de “se for caso de vida ou morte, que morra antes de alcançar o balcão”, um enfermeiro apressado cuja testa estampa “trabalho mais que a porra do médico e ganho menos que ele”, a faxineira que calmamente, mas muito calmamente, do tipo “levarei seis anos para terminar de passar pano nesse inferno” e por último e não menos importante, o médico que com o olhar diz “falta meia hora para o fim do plantão”.

Até aí tudo bem, porque no final das contas você está cercado e amparado por toda uma equipe “simpática” que fará com que você dê mais valor à sua vida, já que após sair de lá, você tomará o máximo de cuidado com sua saúde para nunca mais voltar.

O problema maior é quando você tem uma doença cujo diagnóstico pode levar a sua vida inteira ou jamais ser descoberto. E quando falo de uma doença dessa proporção, falo de uma doença da alma ou da mente.

É como você acordar de manhã angustiado, triste, com nós na garganta, mas tudo bem, você já está acostumado com esse sofrimento diário. Geralmente você sabe, bem lá no fundo, a razão pelo qual seu coração chora.

Pior é quando você acorda no limbo e durante a sua manhã o vento vem soprando toda uma brisa de coisas ruins. Um ventinho que inicialmente te deixa com os pulmões gelados, mas que à medida que o dia passa vai diminuindo a temperatura até fazer com que seu coração pare de bater – teoricamente.

E quando digo do quanto esse vento de tristeza é ruim, eu falo da questão de que ele trás de muito longe ou muito tempo atrás, todo um início de mal estar que você ignorou, e como uma bola de neve vem crescendo e provavelmente acabará numa avalanche.

Ainda que o hospital seja ruim, há de se concordar que pelo menos durante a espera pela consulta, às vezes folheando as páginas das revistas do ano passado – não há no mundo uma sala de espera cujas revistas sejam atualizadas segundo o lançamento -, você pode por acaso descobrir uma matéria que mudará sua vida para sempre, como por exemplo, os dez mandamentos para uma entrevista de emprego bem sucedida, ou mesmo matérias que te fazem esquecer o mundo hospitalar e te levar para um mundo da fantasia das celebridades sem recalques, como quem fez o que na Ilha de Caras.

Mas o mais importante não são as lições que você tira desses lugares – e não estou falando da Ilha de Caras -, nem que é preciso adoecer para dar valor à vida e bláh bláh bláh. Estou falando que é preciso enxergar outras realidades, de um ângulo menos seu, tentando dissecar a vida de algumas pessoas, e então entender a forma como elas lidam consigo mesmas em cada situação.

E quanto à sua doença, seja física ou espiritual, ela pode até te impedir de sorrir, de movimentar um braço, ou comer adequadamente, mas ela não poderá te impedir de pensar, e não há nada que ajude mais a superar algumas coisas na vida do que boas idéias. E para se ter boas idéias, basta que proporcionemos ao cérebro espaço suficiente para desenhar suas maluquices.

domingo, 28 de novembro de 2010

Limbo

Já reparou que as pessoas tendem sempre a fazer perguntas repetidas do tipo: “Você é feliz?” ou “Você está feliz?” ou ainda, “Sobre sua vida do jeito que está agora, você é feliz?”

Perguntinha chocha, afinal, é preciso realmente ter uma resposta negativa ou positiva o tempo inteiro? Eu tenho que sentir frio quando não estou sentido calor, ou será que eu posso simplesmente estar na temperatura ambiente?

Sinto que feliz e infeliz esteja relacionado a isso. Nem sempre você está infeliz ou feliz, às vezes você está ausente desses sentimentos. Ou talvez eles estejam misturados de tal forma que uma terceira opção ainda não tenha sido classificada.

Em minha autoridade humana e visando concorrer a um “Prêmio Nobel de Auto-Ajuda “, vou chamar isso que ainda não defini se é uma mistura de feliz e infeliz ou uma ausência dos dois como “limbo”, ou seja , um estado vago do pensamento, no caso desse texto, de sentimento.

Então, fazendo uma retrospectiva de suas vivências diárias você perceberá uma constante presença de limbo muito mais forte do que felicidade ou infelicidade.

Imagine-se levantando de manhã e mexendo no seu computador. Logo que você acorda, nem sempre você acorda com um sorriso estampado no rosto e pensando: Sou a pessoa mais feliz do mundo! Como também não acorda todo dia pensando: Quanta desgraça pra uma só vida, não é possível, joguei pedra na cruz.

Tente reparar que você se sentará na frente do computador, começará a abrir e-mails, visualizar páginas, mas antes de ter reações de compaixão, tristeza, alegria, etc., você não se lembra do que estava sentindo enquanto esperava o PC ligar. Ou mesmo enquanto você escovava os dentes, o fato de escová-los não provocava nenhuma reação de felicidade ou infelicidade.

Você pode pensar sobre isso enquanto está comendo; nem todos os dias os alimentos são escandalosamente bons, nem terrivelmente ruins, há dias em que você simplesmente come sem que seu cérebro tenha alguma reação abrupta de prazer ou desprazer. Limbo é isso, é essa ausência dos dois extremos que classificam alguém como feliz ou infeliz.

Não há obrigação em responder sempre se você é portador de felicidade ou infelicidade, você é livre pra deixar que um vácuo que não é preenchido por nenhum dos dois se instale – às vezes involuntariamente – dentro de você

Quando você está lendo um livro, distraído, submerso em suas páginas, é natural que algumas delas causem reações diversas, mas existem páginas que não causam absolutamente nada, você as está lendo, seus olhos correm linha por linha pelas páginas branco-encardidas e, distraído, não esboça reação nessas partes da história, apenas lê.

Não há como querer se apossar de um dos lados da moeda e esperar que seja sempre cara ou coroa, porque existem além delas, as notas que apesar de não deixarem margem pra escolha de um lado, possuem um valor ainda maior que os dois lados da moeda juntos.

Entender o limbo é entender que não há necessidade/obrigação de se definir em um extremo sempre que alguém quiser essa definição seja por curiosidade ou o que for, e nem pra que você quebre a cabeça colocando numa balança dourada de um lado tudo o que é bom, do outro tudo o que é ruim, e esquecer que existe toda uma parafernália que não é classificada nem lá nem cá e fica acumulada como um entulho. É mais ou menos aquelas coisas que você guarda mas não sabe pra que serve, e nunca se desfaz porque apesar de não achar função, acredita que um dia poderá classificar para alguma utilidade.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Esperando a Coragem Para Viver o Mundo ao Ar Livre

É como olhar de dentro de um ônibus enquanto chove: você passa a mão diversas vezes na janela para tentar desembaçar e ver o que acontece ao seu redor. Mesmo no rápido intervalo entre a condensação da água e o deslizar dos dedos que puxam as gotículas, não é suficiente nem a visão rápida o bastante para vencer o líquido incolor que desce do céu e escorre, distorcendo insistentemente tudo que está fora de voc.

E não há maior precipitação do que aquela provocada pela ansiedade de sua cegueira temporária. Mesmo entendendo que lá fora nada mudou, apenas está tudo molhado e um pouco obscuro – isso não é um problema, pois nuvens escuras e tempestades sempre lhe atingiram – o ato de arriscar um desbravar ou enfrentar cara a cara o temporal, sempre precede uma série de dúvidas que transitam entre o prazer que proporciona um banho de chuva e o medo de pegar um resfriado e perder uma parte dos dias acamado.

E essas escolhas às vezes, e quase sempre, vão pra além da decisão de sair de casa ou não. Englobam uma dedicação em observar a cor do céu e os movimentos das nuvens e então decidir se usar-se-á uma capa, um guarda-chuva ou ainda se o tempo está feio a ponto de a melhor decisão ser ficar em casa debaixo do edredom e deixar o mundo cair.

É complicado e audacioso querer cálculos certeiros sobre os resultados das escolhas, mas é certo que é preciso escolher sempre, com ou sem chuva. Porém se é pra se molhar e isso converter-se em gripe, por mais chato, cansativo e tedioso que seja ficar o dia todo à mercê de chás e analgésicos, podemos concluir que tudo não passará de um período de criação de anticorpos.

Não há gripe que dure para sempre, nem remédio que não faça o mínimo efeito. Mesmo que a coragem nem sempre seja uma companhia presente, em algum momento do dia enquanto olha pra parede escurecida pelo mau tempo, ouvindo ao longe uma TV chiando qualquer coisa, você será interrompido pelo vibrar do celular enquanto do outro lado da linha alguém te convence a cair no mundo ao ar livre sem se preocupar com a previsão do tempo para os próximos dias.

Por acaso alguém é feito de açúcar? E se for, por mais que água te derreta, ela não continuará límpida, insípida e incolor, mas carregará em sua fórmula a composição aquilo em que você se converteu- uma água doce. Assim que o sol sair você se seca, solidifica e torna-se um bom torrão para um café quente contra resfriado.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Disparidades Cronológicas Geram Pressões Psicológicas

Me pego pensando em como há muitas coisas com as quais não sabemos lidar. Tudo bem que com vinte e poucos anos é natural que isso seja um big problem. Mas sinto que pelo menos as que acontecem habitualmente deveriam vir precedidas de um “modelo” de como se comportar/pensar/agir.

Não é que espero um modelo onde todos hajam robotizados e pré programados, mas pelo menos umas dicas estilo - e no pior deles - as dicas do Orkut. Cada dia em que você acorda, uma nova dica surge em sua mente. Não precisa ser nada motivacional, mas um conteúdo que vai do tempo certo para obter um ovo cozido com a gema mole, até coisas do tipo: em caso de pressão psicológica, um dos caminhos pode ser blah blah blah.

Talvez o maior problema da falta de manejo em certos casos seja a de não saber lidar com o tempo. As pessoas dizem: - O tempo de Deus não é o nosso! Não, não é mesmo e nem o meu tempo é o seu. E é essa disparidade da cronologia subjetiva onde uns estão muitos minutos à frente ou atrás, quando não em fusos horários completamente diferentes é que fazem com que toda a pressão de altos e baixos pareça incrivelmente muito maior do que na verdade é.

Pode até ser que seja mesmo e muito grande, porém, dicas facilitariam isso, provavelmente.

Sem falar que não sei por que cargas d’água Deus resolver diminuir as horas ou acelerar o relógio universal onde 24 horas não é nada perto de tudo aquilo que precisamos resolver nessas duas voltas dos ponteiros.

Repare como antes ver um filme ocupava pouquíssimo tempo de um domingo chato e tedioso, e agora o domingo continua chato, mas ver um filme ocupa toda a parte da tarde e não sobra tempo nem pra reclamar dele. Aí você reclama que ele acabou sem você vivenciá-lo.

Uma coisa é uma pressão no trabalho, você tem um tempo pra desenvolver uma idéia, um projeto, uma função que determina os rumos daquele dia e do local de trabalho em si. Outra completamente diferente é você sofrer pressões sentimentais, sejam eles vinda de amigos, amores ou família. Não há como calcular o tempo certo de se absorver situações, e o mais fundamental de tudo, não há como cronometrar a maneira de lidar com o que se passa dentro de você.

Bem, e se há lições pra aprender em tudo isso, espero que seja a de ter uma parede com um relógio pra cara amigo, amor, amante, familiar, colega de trabalho, entre outros que conhecemos pelo caminho, para que possamos entender como funciona a contagem temporal de todos e nos adeqüemos um pouquinho e eles um pouquinho na hora de resolver questões complexas.

Dica do dia: “sempre ande com um bom estoque de relógios com a SUA hora certa, analógicos, digitais ou solares – o estilo fica à gosto – para presentear logo após o aperto de mão que precede o sorriso que significa “muito prazer, esse é o meu ritmo”.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Relapsos em Catarses

Todo aquele excesso oleoso confuso, de tudo aquilo não solucionado e toda a poeira escura das torturas mentais, alojada entre a derme e a epiderme, e crescendo por entre as células mortas, produzem um muco que, ao sair da pele causa uma sensação pegajosa.

Quer-se um banho de solidão e profundo retorno a si mesmo. Sem objetivo aparente. Um retorno para um reencontro com aquilo que se perdeu durante a camuflagem e a fantasia que vestimos na realidade subjetiva.

Não procura-se nada, não quer ser procurado, apenas ficar ali no cantinho, entre a greta que sobra no quase encontro do sofá com a parede.

Tentar reescrever um novo dicionário excluindo palavras e expressões, abreviações e siglas que entopem as veias mentais, provocando espasmos e catarses cada vez mais freqüentes e relapsos de desejos que saem da borda da pictórica vida exposta para ser contemplada e analisada por aqueles que fazem cara de blasé enquanto você faz de paisagem.

Quer-se assumir um novo eu, com outra pele, outros cabelos, outras anatomias, enquanto que o velho eu, não se adequando ao processo evolutivo, cair-se-á por sobre suas próprias deformações sentimentais.

Toda a casca física, hora cheia de ossos e vértebras, hora cheia da necessidade de esvaziar-se, contorcendo sobre suas próprias inconformidades – hora genéticas, hora mentais -, conforma-se segundo os fúteis anseios ou a realidade dada, dobrando-se passiva sobre seus joelhos e aceitando deixar-se empurrar sobre as superfícies variadas, como uma esponja absorve a sujeira líquida de toda a louça do jantar.

E pelo ralo, escorrem água “límpida” e própria ao consumo depois de longos processos de purificação por meio de soluções pesadas e mistura química junto com os restos do que foi um momento de prazer, porém, agora convertido em algo fétido cujo único destino será – ao que não permaneceu sólido – o emaranhado hidráulico subterrâneo.

Talvez também se escorresse pelos encanamentos se pensarmos nos 70% de água e 30% de materiais tóxicos ou o próprio desejo de fusão. Descendo até ser despejado em um pequeno esgoto a céu aberto, que diminui à medida em que essa mistura vai penetrando a terra.

Ao final, é somente um retorno ao lugar de onde veio, nas mesmas condições pútridas do estado sólido em que seria colocado lá e sem aquele sentimento de procura ou de ser procurado, apenas o de retorno, retorno a si mesmo.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Semi-Transparente

Chega um momento em que você começa a observar a chuva cair, olhando através do embaçado vidro e cheio de marcas de dedos e você pensa: -“merda, eu limpei tudo outro dia, não é possível que as coisas se mantenham limpas por tão pouco tempo”. E fica ali sentando matutando com um pouco de cólera na alma e desgosto na ponta da língua, por jogar tempo e energia em algo que simplesmente não durou.

Até parar pra observar a maldita chuva que cai, você não havia dado conta de que a porra das marcas de dedo estavam ali. E poxa, cada vez que você olha você nota quão nítidas elas são. Algumas possuem impressão digital tão perfeita que dá vontade de chamar um detetive e descobrir quem foi o responsável, inconseqüente e sem noção que tocou os vidros da porta. Não é possível que esse ser asqueroso não tenha percebido todo o trabalho que uma porta de vidro exige para manter-se limpa e transparente.

Mas o pior nem é isso. –“Meu Deus”. Você pensa! -“E se as pessoas de “fora” viram isso? No mínimo vão me achar desleixado, nojento ou sei lá o que”. E começa uma análise criteriosa de possibilidades que vão de comportamento subjetivo a pensamentos coletivos daquilo que é um óbvio proibitivo do tipo “Não toca-se jamais em um vidro que não seja feito para tocar”. E a porta, principalmente a sua porta definitivamente não foi feita pra isso.

Porém ela está ali, semi-transparente por causa da sujeira. E como conseqüência, o mundo lá fora encontra-se semi-desfocado, semi-encardido, semi-repugnante.

E ainda não foi encontrado o culpado de tudo isso; poderia ser eu, mas eu jamais tocaria no vidro que eu mesmo limpei, eu não posso ser considerado o responsável por algo que jamais faria, isso não faz o menor sentido, ninguém limpa e suja o que limpou e blah blah blah; ou poderia ser outro.

Eu posso até me sentir um pouco culpado de não selecionar bem as pessoas que entram e saem pela porta de vidro. Talvez deixei-me iludir pela simpatia inicial e não notei as mãos sujas que deslizavam pelo vidro. Ou talvez eu soubesse da sujeira desde o início e sempre que pensava em limpar, eu talvez apenas pensasse. Mas é quase uma certeza que havia limpado e talvez tenha feito mesmo.

Agora fico imaginando se é melhor pegar a flanela e o limpa vidros e desperdiçar mais uma boa parte do meu tempo limpando essas marcas ou se ignoro e tento aprender a viver olhando através de um vidro embaçado. O problema da segunda opção é você acostumar-se a isso, pois leva tempo, mas em algum momento cansa. O problema da primeira é que as faxinas são sempre efêmeras, limpa-se hoje, limpar-se-á amanhã.

Ou posso trocar a porta, tirar o vidro, quebrar as paredes, escolher um outro material e modelo de maçaneta, cores, design.

Enfim, ainda chove lá fora, eu continuo sentado aqui escrevendo e observando o mundo encardido que se projeta para além da minha horrível porta de vidro.