sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Substitutos

Texto publicado no Jornal Vale do Aço no dia 27/11/2009 no link:

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Está em cartaz o filme “Substitutos”, cuja história mostra o ano de 2054, onde grande parte da população usa os andróides substitutos da Virtual Self, que cumprem todos os afazeres do dia a dia inclusive os prazeres da vida e permitem que seus donos jamais tenham que sair de casa. Tais andróides podem ser adquiridos com a aparência física que o comprador desejar, o que acarreta em um mundo de máquinas esteticamente perfeitas e interiormente vazias. No decorrer do filme um terrorista tecnológico, inconformado com a ausência de “calor humano”, passa a assassinar os andróides, causando caos geral. Dois policiais são designados para cuidar do caso. O final da história, só indo ao cinema ou esperando o lançamento nas locadoras.
Na terça-feira 17/11, aconteceu algo que me fez questionar sobre o futuro da humanidade, que o filme descrito na sinopse acima mostra.
Em um supermercado aqui da região fui atendido em um dos caixas, por uma mulher que eu tenho quase certeza que era um andróide, mas um andróide desses baratos, porque ela não vinha com o chip da fala. Ela me encarou com uma total ausência de expressão ou sentimentalidade e, com gestos extremamente robóticos, passava produto por produto no laser. Sem descolar os lábios para se expressar, inclusive sobre o preço total dos produtos, ela me encarou, de modo que eu precisei olhar a tela do computador para me informar e, em seguida efetuar o pagamento. Tão logo ela empacotou as coisas com a mesma frieza, virou-se para o outro ser humano que estava atrás de mim e repetiu os mesmos movimentos superficiais.
Esse é um fato que acontece com uma freqüência muito maior do que imaginamos. Deparamo-nos com situações de austeridade nos ambientes urbanos, tanto por parte de quem atende, quanto por parte de quem é atendido. E apesar de toda essa freqüência, não habituamo-nos à falta de educação alheia e ficamos indignados - mesmo que o fato não ocorra apenas conosco -, pois não temos qualquer culpa sobre o que acontece na vida do outro, como o outro também não tem responsabilidade sobre o que acontece à nossa vida.
Saber separar o mundo interior dos outros do nosso mundo interior em conflito, é o primeiro passo para não começarmos uma guerra com a atendente de call center, ou para que o cobrador insatisfeito com alguma coisa trate-nos com arrogância.
E isso só acontece porque a maioria das pessoas enxerga no outro, senão a culpa pelos problemas ou dificuldades que enfrentam, uma forma de “colocar para fora” toda a frustração, e sentimentos ruins acumulados de situações passadas, no mais famoso estilo “pegar alguém para ‘Cristo’”.
Precisamos entender que aquela atendente do outro lado da linha se encontra em um patamar hierárquico de cumprimento de ordens, e não é responsabilidade dela o fim do plano de seus minutos ilimitados, ou seja, ela apenas está repassando para você as informações que chegaram até ela. Como também não é responsabilidade dos passageiros a insatisfação do cobrador com algum aspecto do seu emprego.
A palavra da vez é “discernimento”, que segundo o Dicionário da Língua Portuguesa significa distinguir, conhecer, avaliar bem, ou seja, conhecer realmente a situação pela qual está passando, distinguir suas próprias atitudes para contribuir com uma resolução ou agravamento dela e avaliar bem o que é de sua responsabilidade.
Discernir significa amadurecer enquanto ser humano, mostrando que você é capaz de pensar e avaliar antes de agir, pois para cada situação existem possibilidades e caminhos para serem pensados. Bem diferente de uma máquina que é programada para dar respostas exatas a possíveis situações de erros - anteriormente imaginados e já programados -, precisamos repensar nossas atitudes frente aqueles com o qual lidamos diariamente, principalmente porque somos de forma direta responsáveis por eles, no momento em que estabelecemos uma relação mínima – de pedir uma informação que seja -, e cabe a nós decidir se queremos receber de volta a mesma austeridade à qual estamos tratando os outros.
Não há nada que alegra mais o espírito, do que começar o dia ouvindo uma saudação cordial de alguém que a pronuncia quase cantando, com um sorriso sincero no rosto.

E antes que os comércios sejam tomados de andróides atendentes – o que acarretará num aumento considerável da taxa de desemprego, pois máquinas não são remuneradas –, e nós mesmos sejamos substituídos por robôs frios, tornemo-nos um pouco melhores ao estabelecer uma relação com alguém, pois se o mundo vai mal, é porque provavelmente seis bilhões de atitudes ruins individuais demonstram que cada um em algum momento contribuiu para que ele se tornasse assim, essa é a lei de causa e efeito.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Geyses Anônimas

Texto publicado no Jornal Vale do Aço no dia 13/11/2009 no link:

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Meios de comunicação de todo o país vem discutindo a alguns dias o caso da estudante Geyse, expulsa da UNIBAN após ser “vaiada" pelos alunos por usar um vestido curto e decotado para ir às aulas.
Como acontece em todos os tipos de assuntos estampados pela mídia, uma parcela das pessoas ficou contra a estudante, outra parcela a favor. Argumentos surgiram e surgirão de ambos os lados e não temos a intenção de acusar ou defender a estudante em questão, mas, desejamos opinar sobre o caso que coloca em cheque a “democracia” na qual juramos que vivemos e principalmente o falso liberalismo do povo brasileiro.
Observando ambos os lados – acusadores e defensores -, nos damos conta de que essa estória de indignação nacional diante de um fato acontece na maioria das vezes quando este ganha 15 minutos de fama. O caso da aluna da UNIBAN é apenas mais um em meio a tantos outros que ocorrem diariamente no país, debaixo dos nossos narizes e pior, quando somos participantes ativos, ou seja, quando nós somos os que “vaiam”.
O que aconteceu com a estudante Geyse foi uma forma de preconceito gerado a partir de um estereótipo criado pela sociedade para “rotular” aquelas pessoas que devem ser encaradas como uma “verruga” – causadora de estranhamento e motivo de vergonha – que precisa ser retirada de qualquer forma e o mais rápido pois, está contaminando o “mundo perfeito”. Os estudantes – que segundo algum quesito, se encaixam nos padrões de seres humanos normais – se sentiram ameaçados com a presença daquela mulher de roupas “inapropriadas” e, rapidamente se sentiram na obrigação de retirá-la do ambiente de aprendizagem - também conhecido como ambiente de educação – e de forma “liberal”, agrediram moralmente a jovem.
Num país cujo cartão postal é o carnaval, ou seja, onde todo tipo de promiscuidade é vista como normal, onde mulheres desfilam nuas, celebridades são flagradas em festas usando vestidos curtos e sem lingerie, onde programas de TV de finais de semana durante todo o dia exibem mulheres melancias, etc. realmente é de admirar o porquê da indignação dos estudantes e daqueles que os apóiam.
Existem assuntos muito mais sérios que deveriam ser encarados com maior indignação do que o caso da estudante da UNIBAN: governo cheio de corrupção, pessoas ainda sem infra-estrutura básica de água, luz e esgoto, crimes hediondos a todo instante, etc.
Se pararmos para pensar, sempre estamos nos esbarrando com essas questões de julgamentos baseados em nossas próprias convicções. Escolhemos aqueles que queremos que sejam “excluídos” da sociedade porque nos achamos superiores e no direito de fazê-lo e, nos ausentando da culpa, influenciamos as pessoas ao máximo a enxergar da forma que queremos.
O caso da estudante chama a atenção para os rumos que estamos deixando que a sociedade tome, ou seja, um mundo que caminha com seres humanos cada vez mais individualistas e menos tolerantes, de pessoas que dizem buscar a paz, mas essa está cada vez mais distante.
Há quem diga que Geyse é a “Maria Madalena” contemporânea, apedrejada com palavras pela multidão indignada com seu comportamento. Resta-nos escolher de qual lado ficaremos: daqueles que “não tem pecados” e atiram pedras o tempo inteiro, ou de Jesus. E quando falamos em escolher o lado d’Ele, em hipótese alguma estamos falando de religiosidade, estamos apenas exemplificando que sempre que estivermos diante de uma situação como essa, temos que ser sensatos o suficiente para olharmos nossas próprias vidas.
E somente dessa maneira, seremos capazes de compreender as diferenças, ao invés de “apontar” para as milhares de Geyses-mulheres, Geyses-idosos, Geyses-crianças, Geyses-negros, Geyses-gays, enfim, todos aqueles que sofrem diariamente com algum tipo de agressão moral e física por preconceito dos outros “estudantes” da uniVIDA.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Plenitude Vazia

Texto publicado no Jornal Vale do Aço no dia 05/11/2009 no link:

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Nada dá mais prazer do que a sensação de plenitude: em um dia comum para muitos, você acorda, olha para o teto e começa a pensar em quão boa é sua vida. Seu olhar parece atravessar o telhado e sumir no infinito. Não se ouve mais nenhum som externo; nada naquela manhã te distrai enquanto você pensa. É quase uma hipnose esse momento de reflexão da sua caminhada desde o início da vida - dos problemas que já superou, das dificuldades que ficaram para trás, pessoas, instantes, lugares, objetos, etc. tudo “enterrado” bem fundo para jamais voltar à tona.

Você começa a perceber a sua força e capacidade de superação e todos os ganhos que obteve graças à dedicação extra em cada aspecto dessas vivências cotidianas. Não há problemas que não seja capaz de superar, ou melhor, não há um problema sequer à uns quatro dias. A saúde vai bem, obrigado! Mesmo pequenas enxaquecas não são capazes de te tirar desse estado de satisfação mor.

Demorou algum tempo, mas finalmente você entendeu que quando falam que cada ser humano é único, estão realmente falando de um ser “exclusivo” que, diferente de um objeto também exclusivo, jamais poderá ser reproduzido, mesmo pagando por isso, mesmo desejando com todas as forças. E é por entender as potencialidades dessas subjetividades, que os conflitos passaram a ser raros. Você aprendeu a lidar com as diferenças, percebendo que ela é fundamental para que o mundo seja realmente um lugar interessante, e que uma unidade de pensamentos, maneiras de ser e estereótipos, seria algo extremamente chato.

E melhorando sua convivência de um modo geral, você cresceu espiritualmente e passou a perceber maiores vínculos sentimentais com as pessoas ao redor – relacionamentos de trabalho, de vizinhança, de amizade, familiares e claro, amorosos.

Tudo está tão bem e é tão inacreditável que uma sensação de medo e ansiedade subitamente começam a percorrer o seu corpo. O infinito some e o ar começa a ocupar todo o seu interior como se não houvessem mais órgãos dentro de você. É uma sensação tão desesperadora e angustiante que você nem sabe o que fazer. Às vezes chora, rola de um lado para o outro na cama, comprime a barriga. Outras vezes até toma algum comprimido pensando ser uma dor física, mas não é. É um grande vazio que, volta e meia você sente. Um vazio que não pode ser preenchido por essa plenitude atual, porque ele é conseqüência de um ato do passado: lembra quando você enterrou um monte de coisas no fundo da alma, pensando que estava “resolvendo” sua vida? Na verdade você apenas “varreu a sujeira para debaixo do tapete” e, agora que alguém o tirou para lavar, você se viu outra vez diante de tudo que estava escondido debaixo dele.

Pense na lógica de um aterro sanitário: ele resolve os problemas do lixo das cidades num tempo muito curto, e em um determinado momento ele transborda, não há mais como enterrar nada e tudo começa a se acumular na superfície. Além de tornar quase que completamente inutilizável outra vez aquela área, o odor que ele libera durante todo o processo de vida útil acaba gerando doenças e atraindo insetos indesejáveis.

Quanto mais “lixo” você enterrar na sua alma, mais repugnante e insuportável para você mesmo ela se tornará, até chegar um determinado momento em que tudo transbordará e se acumulará na superfície.

E só há uma forma correta de acabar com todo esse “lixo espiritual” que você enterra: é em primeiro lugar procurar um profissional que saiba lidar com isso - Psicólogos, Psiquiatras, Psicanalistas – para então eles te ajudarem a desenterrá-lo e realmente dar um fim.

Como geralmente há muita coisa enterrada, provavelmente vai levar um tempinho até que “tudo entre nos eixos”, mas, todo esforço é sinal de grande merecimento e, diga-se de passagem, a gente faz tanto esforço para conseguir um monte de futilidades que não há desculpa para não se esforçar pela própria saúde mental.

Há, e não venha com a velha desculpa de que esses profissionais são para “gente doida”. Doido mesmo é saber que em pleno século XXI as pessoas ainda criam pré-conceitos sobre isso.

“Viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz...” e nada melhor do que aprender com quem sabe fazer a vida um pouco mais bela, não é mesmo?