sexta-feira, 27 de julho de 2012

Vapor Barato



Era uma noite serena, das milhares de noites serenas que já tivera em algum momento – sem sucesso ao tentar recordar quando fora a última -, pós tantas noites de preocupação, de olhar para o escuro, perdido, sem saber se estava olhando pra fora ou pra dentro, mas fitando o que está além do que está, tentando marcar de maneira temporal, quando é que estar lá seria não estar aqui – também sem sucesso.
Eram tantos insucessos sucessivos na vida de Adan que, vez ou outra tentava voltar para dentro de si mesmo procurando aquele lugar distante de onde brota uma bica d’água de esperança, quase em vias de secar. Quisera talvez economizar um pouco, ou tentar métodos de conscientização de si mesmo, mas a esperança sempre fora eterna, mesmo que morta, ela está para além de qualquer energia que se dissipa no cair das dificuldades absortas pela tórrida e abafada realidade.
A despeito de tantos tombos, vez ou outra uma combinação $anta que mistura preto básico com vermelho em cadarços brancos, fivelas brilhantes e botões caseados por mãos anônimas mundo afora, onde talvez a etiqueta trouxesse o suor gélido e triste de quem manuseia o corpo ressequido da esperança feita de escravidão em linhas e agulhas sem fim.
Nada além do Adan em suas sempre encantadoras sobrepeles sobrepostas, bem cerzidas e alinhadas – em ricas de giz ou de gesso – e sobretudo, os sobretudos grandes, imponentes, dobrando o tamanho e o valor de uso e de venda da imagem do que não se imagina.
É essa serena compreensão trazendo a imagem de uma nova rotina, sem medo, ou com um medo que poderia ser outro sentimento que não causasse o desconforto do desconhecido, pois há um escuro fora, ou há dentro, há de se preocupar com a falta de visibilidade, mas há de se entender que enquanto há esperança, há visibilidade, mesmo meio turva.
Ao final da noite Adan desejou uma banheira quente, sem sais - não carecia tanto luxo - apenas desejava repousar as costas cansadas do peso da realidade da vida e da aspereza do piso que os pés pressionavam todos os dias com força. Pressionavam no passado, pois a realidade de agora em diante seria de um pisar amortecido por novos caminhos sinuosos, sem a pressão do desconforto de uma caminhada imposta e pouco tranquila.
É o ritual da água que lava o que fica de pegajoso e indesejado. Água que benze, que tinge, que límpida, torna-se suja ao lavar, mas não fica, vai embora e renova-se, como se renovam as doses de automedicação, agora controlada.
Nunca será fácil para Adan, nem pra ninguém que anda como anda Adan: sempre tateando a falta de clareza que se impõe sobre si mesmo, e sem compreender que é ele mesmo que o faz. Poderia afirmar que Adan em certos momentos entende que ser humano é ser isso que foi dito aí em cima. Porém se fosse fácil definir, automaticamente, compreender-se-ia esse mistério que é viver.
Viver o hoje-agora seria estar deitado no insípido quente e com vapor no espelho onde se escreve qualquer coisa e se ri da letra feia que ficou e logo é apagada. É mergulhar sozinho no fundo do inodoro e esperar que o corpo dê sinais de fraqueza para emergir desejando a realidade palpável. É deixar-se misturar e tornar-se parte do incolor que mesmo amorfo, e com um aspecto instável, consegue transformar com toda fluidez, a sólida pedra que no caminho, quis bloquear o curso natural da vida insuficiente.