Corte: Residência de um soberano. Gente, que rodeia habitualmente o soberano.
Povoação, em que este reside. O Governo de um país, em relação aos de outros países: a corte de Madrid dirigiu uma reclamação à Itália. Pessoas, que rodeiam habitualmente outra, lisonjeando-a e procurando agradar-lhe. Edifício, onde está o parlamento.
Estava postergando falar sobre esse assunto há bastante tempo, mas sinto que mais do que nunca é preciso dissertar sobre este evento em que decoradores acham-se arquitetos e arquitetos atuam como decoradores – sem, em hipótese alguma menosprezar quaisquer das duas profissões, porém não queiram por favor dizer que ali é onde a arquitetura acontece, porque móveis dispostos não resumem essa profissão, apenas soma-se às milhares de outras atribuições dessa profissão.
É preciso ressaltar antes de tudo, que a Casa “Corte” é ao que parece, um evento meio Casas Bahia de Luxo, ou seja, por ser o maior das Américas e o segundo maior do mundo, sobrevive muito mais dos números expressivos e do marketing em si, do que da originalidade de seus produtos.
Quase como uma loja de móveis itinerante que em datas determinadas acontece em diversos lugares, e cujos produtos pouco divergem de região para região, esse evento é almejado por muitos arquitetos – o que seria cômico se não fosse trágico -, onde, junto com outros profissionais, delimitam seus “cômodos”, e se divertem como se estivessem de posso de um dos mais famosos produtos da Mattel: a desejada boneca Barbie.
Então, de posse desse personagem antenado com as tendências mercadológicas de consumo, recriam seu mundinho de fantasia cor de rosa – aqui, nos tons pastéis e terrosos -, acentuando para as crianças pobres que, se algum dia comprarem – se tornarem - a boneca, jamais terão seus acessórios. E o castelinho temático decorado então, muito menos.
E como um brinquedo desse cacife precisa de todo o aparato para ostentar sua vida modernosa, a Barbie em suas últimas edições controla sua casa por meio do iPad N, aplica formol nos pimentões para que fiquem eternamente lindos na bancada da cozinha, dirige um Fiat 500 estacionado em sua garagem com TVs de LED que transmitem coisas relacionadas a carros, das quais ela não entende bulhufas. Mas o mais legal é quando ela vai ao banheiro, pois sentadinha no vazo assistindo TV, conversa com o Ken deitado na cama, olhando pra “TeVer” em seu mais íntimo momento, já que o rasgo na parede e as divisórias de vidro te convidam a esse tipo de interação.
Não menosprezo em hipótese alguma o trabalho que deve ser escolher um Buda bem diferente para que não o encontremos em mais de um ambiente, como por exemplo encontramos os sofás pretos de couro, ou as poltronas diferentes do restante da sala. E também não estou falando daquele espelhão com moldura bordada, dourada, escorado na parede, nem dos livros de moda, arquitetura, viagens e vinhos que todas as pessoas do mundo sem exceção - seja na sala, no quarto ou no escritório - lêem.
A Barbie é americana, e para não perder suas raízes em qualquer parte das Américas que seu mundinho itinerante percorrer, faz questão de que nunca falte um quadro da Broadway, de NY, um croqui das Campbe’ll Soup, ou consagradas miniaturas dos pontos turísticos de suas últimas viagens ao país de origem.
Ao final elege-se a Rainha do Travertino Romano Bruto, o Rei da Lareira com Projeções de Fogo, e então reinam durante o evento, ostentados por súditos da mídia impressa, e seguidos por sua Corte nesse império do consumo do design para as pseudo-Barbies de carne e osso.
Elas, com seus espaços “vitrinizados”, nomeados com as várias atividades que a boneca exerce em sua vida múltipla, ressaltando sua realeza e nobreza, vêem converter o aglomerado de parcerias com os patrocinadores - materializados em “móveis e papéis de parede”-, em um catálogo de fotografias sem vida, vendido para que você possa também montar sua casinha de bonecas no estilo compre-você-mesmo.
Vai edição, vem edição e eu continuo pensando: “fazer arquitetura não é, definitivamente, fazer mostra de mobiliário”.