Não sou chefe de cozinha, ainda. Mas acredito que toda receita que se
preze deve sempre partir de sua mais profunda raiz. Toda raiz contem os
nutrientes necessários para fazer a receita crescer e se tornar o que tem de se
tornar: algo apreciável aos olhos, ao paladar, às narinas e claro, ao tato. E
também aos ouvidos, porque não?
Quando se fala em crescimento e associa-se à culinária,
automaticamente lembra-se de bolo, sim, essa palavra com tantas variações e
acompanhamentos, seguida ou não de “s”, capaz de despertar o lobo faminto que
existe dentro de cada um.
Ainda não conheci quem não gostasse dessa receita tão “feijão com
arroz”. Tem quem faça, tem quem compre, quem só coma, quem só confeite e
principalmente quem só dê o bolo, sempre.
Todo bom bolo deve partir da sua receita básica: trigo, ovos,
manteiga, leite, fermento, etc. Criaram variações substituindo leite por água, outra
não contém ovos, outras não levam manteiga, mas o bolo “bolo” que crescemos
comendo tem que ser feito com a receita completa.
Uma receita para ser completa deve seguir à risca tudo que é pedido,
sem concessões ou trocas, pois mesmo assim a maior variação de todas acontece
na decisão do preparo: de quem foi a ideia de fazer o bolo – pessoa envolvida.
Eu jamais me esquecerei das inúmeras vezes que vi minha avó fazendo toda aquela
“bolança” no forno à lenha da fazenda, nas férias. Porém havia uma receita
específica que passávamos meses ansiando comer. Foi uma receita passada pela avó
dela para a mãe, e da mãe pra ela, e que infelizmente as filhas não perpetuaram,
e que será pra sempre preparada na memória, pelo menos.
É o tal “Bolo de Arroz”, que de tão especial, só é feito uma vez por
ano, com arroz “novo” colhido na hora, a primeira remessa de toda a colheita.
Essa é a diferença primordial para o sabor tão específico. Assim que o arroz é
colhido, leva-se ao pilão para socar e fazer aquele “trigo de arroz” e vai-se
acrescentando mais ingredientes peculiares: abóbora cozida, rapadura, leite,
queijo, etc. Descrevendo assim, parece meio salgado, mas não é. E é um bolo tão
interessante que se leva dois dias no preparo. Sim, pra quem esperou um ano
inteiro, dois dias a mais serão de pura expectativa e de observação do
comportamento de cada etapa enquanto “descansa” lentamente a tal da massa
amarelinha tingida pela abóbora.
Dois dias depois, assar em altas temperaturas e deixar o lobo comer o
bolo quente, com bastante café colhido e torrado lá na fazenda mesmo, passado
em coador de pano, na beira do fogão à lenha.
Até aí parece tudo normal, mas o bolo consiste no cerne de toda a
vivência que acontecerá em torno de sua receita durante o tempo de preparo. Nas
expectativas, nas conversas, na ajuda solicitada, no medo de não dar certo,
dentre tantas situações que vão acorrendo e onde o “comer” não é o fim, mas uma
parte do caminho.
Quer raiz mais profunda do que a de um bolo com ingredientes tão
frescos, naturais e preparados por quem soube acolher a importância da tradição
que é transmitida como um legado a ser respeitado durante toda a vida?
Que me perdoem as mais renomadas “pâtisseries” mundo afora, mas não há
chocolate belga, laranja quincan em calda ou qualquer mascarpone que desperte a
mesma sensação de mordiscar uma fatia de bolo como os que são feitos pelas mãos
das pessoas que amamos e que nos amam.