Você sua frio, as mãos ficam gélidas, e apertando-as contra o peito você chora... chora como uma criança que caiu da bicicleta. Mas não é um choro de um tombo qualquer, é um choro de um tombo que vai fazer com que nunca mais você suba outra vez naquele troço de duas rodas que seus pais te deram no natal.
E ao mesmo tempo em que chora, você olha com ódio para os responsáveis por seu tombo, seus pais. Claro, se eles não tivessem feito uma surpresa e te dado esse presente você jamais teria tentado andar e como conseqüência levado o tombo que mudaria sua vida pra sempre.
E sentado ali, babando de tanto chorar, completamente empoeirado, cabelos bagunçados, gosto de terra na boca, camisa molhada de lágrimas, tentando vez ou outra, inutilmente soprar joelhos e cotovelos ralados e com aquele sangue minando em meio à terra vermelha que ficou nas feridas, seu cérebro tenta coordenar uma mistura de sensação de dor com promessas de mudança, de vingança, de reação a essa ação maliciosa deles.
Onde já se viu, soltar você logo nas primeiras “andadas”, sabendo que você ainda estava tentando se equilibrar, o guidão tremendo, seus pés descoordenados em pedaladas inseguras, volta e meia escorregando dos pedais, sem sentir direito a emoção e as vantagens que o “aprender a andar de bicicleta” traria a você. Preso ali, mumificado pelo medo de alcançar o chão da forma errada.
No início parecia uma aventura possível, dava um medinho, mas a sedução pelo design, o objeto naquela cor incrível, e as lembranças de ter visto tantas outras crianças felizes em cima de suas bicicletas pelas ruas foram motivos suficientes para que você quisesse tentar.
Com certo medo, você, antes de pedir para subir, ouve a sugestão do seu pai: - “vamos para a rua dar uma volta? Prometo que não vou soltar até você se sentir seguro”.
E animado com a idéia, você segura o presente, seus pais atrás, observando sua felicidade em empurrá-la quintal afora, até o portão que dá para a rua. Outras crianças vêem o que se passa e aos poucos vão se aproximando para também contemplar o objeto novinho em folha.
Toda essa platéia faz com que sua insegurança em andar seja ainda maior, mas com um pouco mais de insistência do seu velho você sobe.
E todo torto, pendendo de um lado para o outro você vai... e vai... e vai... e consegue sentir que está seguro pelos braços dele, mas ainda tem muito medo. E de repente, sem que você fosse avisado, as mãos que te amparavam somem. Elas te soltam e você em segundos percebe a leveza do objeto, ou seja, está livre para seguir, mas não está pronto para isso. E cai!
Você encontra o chão, mas é como se não o tivesse. O desejo se vai, a confiança se esfola junto com seu corpo, a dor derrama junto com as lágrimas e o que sobra são as lembranças de falsas promessas de novas possibilidades.
Não que o mundo seja o culpado e ruim por tudo isso que aconteceu, mas a falta de conhecimento sobre suas próprias limitações e a vontade de transpor a si mesmo fez com que você se deixasse levar por um momento de euforia e esquecesse quem realmente você é.