segunda-feira, 28 de junho de 2010

Quando Você Encontra o Chão Mas é Como Se Não o Tivesse

Você sua frio, as mãos ficam gélidas, e apertando-as contra o peito você chora... chora como uma criança que caiu da bicicleta. Mas não é um choro de um tombo qualquer, é um choro de um tombo que vai fazer com que nunca mais você suba outra vez naquele troço de duas rodas que seus pais te deram no natal.

E ao mesmo tempo em que chora, você olha com ódio para os responsáveis por seu tombo, seus pais. Claro, se eles não tivessem feito uma surpresa e te dado esse presente você jamais teria tentado andar e como conseqüência levado o tombo que mudaria sua vida pra sempre.

E sentado ali, babando de tanto chorar, completamente empoeirado, cabelos bagunçados, gosto de terra na boca, camisa molhada de lágrimas, tentando vez ou outra, inutilmente soprar joelhos e cotovelos ralados e com aquele sangue minando em meio à terra vermelha que ficou nas feridas, seu cérebro tenta coordenar uma mistura de sensação de dor com promessas de mudança, de vingança, de reação a essa ação maliciosa deles.

Onde já se viu, soltar você logo nas primeiras “andadas”, sabendo que você ainda estava tentando se equilibrar, o guidão tremendo, seus pés descoordenados em pedaladas inseguras, volta e meia escorregando dos pedais, sem sentir direito a emoção e as vantagens que o “aprender a andar de bicicleta” traria a você. Preso ali, mumificado pelo medo de alcançar o chão da forma errada.

No início parecia uma aventura possível, dava um medinho, mas a sedução pelo design, o objeto naquela cor incrível, e as lembranças de ter visto tantas outras crianças felizes em cima de suas bicicletas pelas ruas foram motivos suficientes para que você quisesse tentar.

Com certo medo, você, antes de pedir para subir, ouve a sugestão do seu pai: - “vamos para a rua dar uma volta? Prometo que não vou soltar até você se sentir seguro”.

E animado com a idéia, você segura o presente, seus pais atrás, observando sua felicidade em empurrá-la quintal afora, até o portão que dá para a rua. Outras crianças vêem o que se passa e aos poucos vão se aproximando para também contemplar o objeto novinho em folha.

Toda essa platéia faz com que sua insegurança em andar seja ainda maior, mas com um pouco mais de insistência do seu velho você sobe.

E todo torto, pendendo de um lado para o outro você vai... e vai... e vai... e consegue sentir que está seguro pelos braços dele, mas ainda tem muito medo. E de repente, sem que você fosse avisado, as mãos que te amparavam somem. Elas te soltam e você em segundos percebe a leveza do objeto, ou seja, está livre para seguir, mas não está pronto para isso. E cai!

Você encontra o chão, mas é como se não o tivesse. O desejo se vai, a confiança se esfola junto com seu corpo, a dor derrama junto com as lágrimas e o que sobra são as lembranças de falsas promessas de novas possibilidades.

Não que o mundo seja o culpado e ruim por tudo isso que aconteceu, mas a falta de conhecimento sobre suas próprias limitações e a vontade de transpor a si mesmo fez com que você se deixasse levar por um momento de euforia e esquecesse quem realmente você é.

domingo, 27 de junho de 2010

Todo Café Quente Geralmente Queima Uma Língua

Um dia frio é sempre bom. E é melhor ainda quando você faz aquele cafezinho mineiro com fumacinha saindo da xícara, sentado na frente do PC se divertindo à beça enquanto navega na web, sentindo o cheiro gostoso de um bolo que está quase assado ali no forno. Da janela aberta você contempla um céu azul amarelado de fim de tarde e ventos de inverno, enquanto uma boa música faz trilha sonora dessa cena de filme americano.

Servido o café, e com a água na boca, você toma o primeiro gole: -puta que pariu, tava quente demais, queimei a língua...!

Os próximos estágios desse ato são: -não tomar o restante do café, -perder a vontade de comer o bolo, -sentir por um bom tempo o calor na língua, -sentir umas bolinhas se formando, -sentir uma leve dormência na ponta da língua, -perder completamente a graça e não conseguir enxergar mais o céu nem ouvir a música que toca. Apenas fica com a língua pra fora tentando fazer com que ela tome um ar frio.

Café: o desejo pelo qual você despendeu todo o seu tempo para realizá-lo. Desde o cuidadoso preparo, regado a uma ansiedade por tomá-lo à idéia de algo para acompanhá-lo, o bolo.

O dia: o fator que contribuiu para aumentar sua vontade de um desejo por algo quente e saboroso, que somasse a toda essa fantasia cinematográfica.

A web: junto com a música, embalaram em um momento de completo esquecimento do que é a realidade, inserindo a mente num processo inebriante de visualizar apenas o degustar da bebida preta.

A temperatura do café: termômetro da realidade. É o fator capaz de te trazer de volta e mostrar que toda ação tem uma reação, e que tudo que é bom precisa ser dosado para não passar por uma falsa degustação, onde o sabor em si não é sentido, mas apenas a vontade de senti-lo. O que faz com que você tome de uma vez, esquecendo do processo de aquecimento que propiciou o resultado final da bebida.

A dor: capaz de apagar qualquer bela cena, tornar qualquer dia claro, escuro como o café. Fere, e deixa marcas que algumas vezes se apagam, mas que por um tempo, curto ou longo, trarão à memória o que uma atitude impensada e regada a um momento de distração pode fazer com você.

A lição: se você voltar a tomar qualquer coisa quente nas próximas 24horas, significa que sua língua não sofreu queimaduras suficientes.

Mas uma coisa é certa, no primeiro gole de qualquer bebida aquecida, com certeza a ardência voltará à tona, aquecendo essas bolinhas dormentes na ponta da língua, que perdem a sensibilidade aos sabores da vida, e quem sabe, dessa vez, você não aprende a soprar um pouco qualquer atitude que vá tomar, antes de sair satisfazendo suas vontades como uma criança mimada.