domingo, 20 de fevereiro de 2011

Maquilagens Para Realidades Tristes da Contém 1 Drama

Outro dia comecei a vender maquilagem. É uma linha super contemporânea de produtos para quem não tem tempo de parar para sofrer. Que em meio à correria do dia a dia precisa colocar uma bola de papel toalha na boca e chorar silenciosamente no banheiro do local de trabalho, ansioso e tenso com medo de que alguém escute – esperando que alguém escute.
A linha é recém-chegada ao mercado de cosméticos de auto-ajuda, mas o tema da coleção permanente existe desde a criação da humanidade.  Não importa a ocasião, há sempre o ressurgir de alguma coisa capaz de tornar uma realidade tranqüila e serena em um copo d’água tempestuoso. E é exatamente nesses momentos que você precisa pegar o seu “couer nécessaire” abrir e se preparar para o que vem por aí. Tente não se ater à dor de quando for manuseá-lo, ele é frágil, mas não se preocupe, nossa linha de maquilagem dispõe de produtos variados, como alicates de aço cirúrgico que efetuam incisões perfeitas. Esqueça os bifes que os alicates tradicionais tiravam, o da Contém 1 Drama tira pedaços enormes de carne morta e sentimentos decadentes.
Trabalhando com tecnologia de ponta e investimento em pesquisas para atender aos anseios depressivos à que a humanidade tem caminhado, a Contém 1 Drama preparou uma cartela de cores que contrasta de forma ímpar com a pele do rosto inchado de tanto chorar, tornando mais aparente todo o sofrimento que a gente habitualmente tenta maquiar com um sorriso morto.
Sabe aquele dia nublado, triste e onde tudo da errado? Apresentamos uma linha de sombras com tonalidades que vão do Cinza Chuvoso ao Cinza Nórdico Deprê. Vem em um estojo de camadas de pele, onde à medida que aprofunda, a tonalidade se intensifica, tornando a dor mais aguda.
Se você é aquele tipo de ser humano que realça o olhar se debulhando em choro, oferecemos o Delineador de Lágrimas. Ele é transparente, mas alonga e dá volume às gotículas que saem dos olhos.
Para as pessoas que adoram cor, a coleção de blush te deixará em estado de choque. Você poderá deixar a sua face mais corada com cores que passam pelo Sorriso Amarelado, Vemelho de Vergonha, Rosa apático. Em edição ilimitada especial de lançamento, trouxemos uma tendência do mundo da moda, apresentado por Milão, Paris, Nova Iorque e claro, Rio e Sampa. É o blush em tom de Branco Pálido, para quem não tem conseguido comer, tamanha são as preocupações e ansiedades.
A linha de batons transborda sentimentos. Vermelho Sangue para toda a raiva acumulada. Verde Ganância para o consumoterapia em alívio ao stress, e o Marrom Chocolate se sua “fossa” te leva a devorar quilos de chocolate no quarto e ouvindo uma música que combina com o momento.
Lembra da arcaica máscara para cílios? Inovamos nesse item e apresentamos a mais recente criação em cosméticos, a Máscara para Sério. Você aplica para ficar sério quando não está para o mundo. A paleta traz Seriedade Extrema, Seriedade com Cristais de Angústia e Seriedade em Degradê de Raiva.
E como pensamos em tudo e sabemos que não é somente o rosto que dá sinais de fracasso, desenvolvemos uma linha de esmaltes que deixarão suas unhas com aquele aspecto de quem apertou o travesseiro contra o peito, nos tons Roxo Desespero e Lilás Dor Intensa.
Atendemos em todo o mundo, com revendedoras em cada canto do planeta. Você não precisa ligar, basta sentir e nós iremos até você. Os preços são acessíveis e parcelamos por uma vida inteira com juros e em parcelas que variam de acordo com a data, podendo ser menor ou maior. Sofrer a prestação.
Agora se você quiser tornar-se revendedor, basta entrar em contato conosco que temos ótimas ofertas para que você tenha uma carreira promissora. O diferencial está no seu potencial de sofrimento, quanto maior, mais chances você tem de se tornar um Top Drama.

“Contém 1 Drama, Acredite Na Tristeza”


Obrigado à Carol pela ajuda na construção do texto em postagens soltas no Facebook.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Sem Título

Hoje não quero falar de felicidade. Não quero falar de amor nem de saudade. Não quero discutir as problemáticas do mundo contemporâneo nem os relacionamentos falidos.
Hoje eu não estou com vontade de sentir os cheiros da cidade, que volta e meia me aguçam o desejo em reconhece-los, desfrutando de momentos em que mergulho fundo no pensamento.
Hoje não quero o sabor do café preto e que amarela minha arcada dentária, mas mesmo assim eu amo. Como também não quero o frio da manhã antes de lavar o rosto e me abrir aos primeiros sinais de que estou mais um dia vivo e em busca desse dia.
Hoje acordei sem querer entender meu passado, apenas empurrar um pouquinho mais pra esquerda todos os recalques e angústias que nunca me abandonaram, deixando-os quietinhos atrás do coração, volta e meia transparecendo pela diminuição do órgão, no bombardear do sangue que me irriga.
Hoje é um daqueles dias em que pouco importa se vou trabalhar muito ou pouco, já que pouco importa como será o decorrer do dia, quero apenas vive-lo sem preocupações. Hoje acordei sem elas, as tais preocupações. Decidi que não quero falar, pensar ou sequer tentar resolver qualquer coisa. Se minha conta ficar negativa, se eu tiver que consolar alguém, se precisar ir à esquina pra comprar o leite que acabou, que fiquem como estão, não vou nem quero.
Hoje não preciso ler um texto de auto-ajuda pra tentar me sentir bem e encarar que sou suscetível a erros. Nem tampouco quero jogar tarot online para buscar uma paz de espírito sobre um futuro que não depende de cartas de baralho com desenhos engraçados e com nomes negativos que simbolizam coisas boas.
Hoje não preciso da música do rádio, da previsão do tempo na TV, do desfecho da história do cara que matou a esposa no jornal impresso. Hoje não preciso dos meus fones de ouvido para ignorar o mundo ao meu redor, ou experimentar esse mundo com uma trilha sonora.
Hoje não busco o significado de nenhuma palavra no Google. Nem vou responder a ninguém que me enviou mensagem, ligou ou deixou algum post no Facebook. Mesmo que de uma forma estranha, tais redes sociais me mantenham iludido em achar que estou cercado pelas pessoas que gosto.
Hoje não li o que meu signo diz sobre mim. Aliás, tenho sido mais as características do meu signo por achar que preciso me encaixar com o que o alinhamento dos planetas disse que eu seria quando nasci. Mas hoje não preciso desse símbolo nem desses significados.
Hoje quero não precisar de precisar. Quero não depender de dependências. Quero não ter mania de nada. Hoje eu não quero a rotina, como não quero sentir qualquer coisa a respeito da rotina, portanto, que a rotina se exploda, mas hoje eu não quero pensar nela.
Hoje não quero programar o final de semana, nem quero me arrepender por passar a maior parte dele dormindo de ressaca por noitadas de bebedeira e conversa fiada. Não que isso me cause arrependimento, mas hoje isso nada me causa, e quero que não me cause, porque hoje é o dia do hoje.
Hoje é o dia, não tem porque nem pra quê, é apenas um dia. Não quero colocar uma definição, quero ele seja como for, mas sem expressar opinião ou juízo de valor.
Hoje eu tenho o ar e água e os alimentos que não queria precisar. Não queria a obrigação de comer ou beber, queria apenas viver livre.
Queria mesmo não querer nada, porque estou transformando meu “apenas dia” no desejo de um dia de apenas. Mesmo abdicando de desejos, estou desejando abdicar deles.
Alguém por favor me desliga sem que eu precise pedir, quero apenas flutuar alheio a tudo, pelo menos por hoje.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Quem Eu Nunca Fui Gosta Mais do Que Nunca Vivi

Um eu que existe mais do que apenas na imaginação. Meu eu que eu não sou habita as lembranças do que nunca vivi. Percorre por espaço/tempos, gozando de flashes de acontecimentos que sequer imaginei que pudessem ocorrer, mas que em algum lugar na escala de um tempo incompreensível, materializou-se de alguma forma, mesmo que nessas lembranças soltas.
É como se “deja vus” acontecessem, só que dessa vez de forma a não gerar um espanto de “já vi essa cena antes”, mas sentimentos de surpresa, desejo e saudade de situações experienciadas, mas alheias às lembranças de uma mente desgastada por rotinas e clichês, porém fortes numa escala que as coloca numa outra área da mente, que não as do pensamento comum.
É como se a alma estivesse te enviando um sinal sobre um mundo que foi experimentado outrora, numa não experimentação real, mas cujos efeitos das vivências emitem ondas que ao se chocar contra você, geram um som estrondoso que grita: “olha seu não-eu no seu não-passado, percorrendo uma parte da sua história que não existiu e que foi muito melhor do que essa ou qualquer outra que você venha escrever no livro da vida”. E completa: “E cuja experiência jamais você terá, pois seu eu nunca será o eu que você não foi”.
Então como tornar o meu eu melhor do que o meu não-eu, se eu não alcançarei em hipótese alguma o que eu não fui? Ou como lidar com vivências de um eu que anseia por não-vivências de um não-eu, ou seja, experimentar as mais saborosas lembranças capazes de me colocar num estado de frustração por não sê-las?
Uma música! Aquela música, naquele dia em que você estava exatamente onde deveria estar, falando com pessoas que realmente deveriam estar ali, vivendo aquele momento com você. Não poderiam ser outras, tal qual o assunto não poderia ser diferente.
Suas roupas não se parecem com as suas de agora. Você talvez nunca tenha pensado em usar aquelas, mas nesse momento elas casam perfeitamente com você. Tudo isso é quase um filme que passa em segundos, ajudando você a submergir ainda mais nessa atmosfera bucólica de não-experiências.
São muitos os sentimentos que atravessam o corpo, é vasta e detalhada essa lembrança, contudo, passando em segundos. Segundos que deixam horas de saudade apertada, de tentativas frustradas em completar essa cena, ou dar continuidade a esse pensamento, voltando a música que acabou de tocar para tentar reviver o que nunca viveu por pelo menos os minutos da melodia.
Porque o meu não-eu se apresenta muito mais eu do que o meu eu verdadeiro? Porque me entregar a essa aflição pós pensamento, que gera ansiedade em imaginar que talvez não esteja realmente vivendo o que deveria, ou experimentando um eu que eu não sou porque simplesmente ainda não tinha dado conta da possibilidade de que existisse?
Minha mente racional insiste em dizer que eu não conseguiria ser outro, enquanto minha mente do meu eu real diz que minha realidade é apenas uma realidade dada e nunca questionada com força, mas apenas recebida e vivida. Enquanto isso, meu não-eu, não existirá, e mesmo que queira, jamais será, talvez porque ele exista apenas não-existindo, talvez porque simplesmente o fato de me tornar meu não-eu, torne meu eu em um não-eu. E tal qual as encontrei em pensamento, sem viver as experiências desse eu que nunca fui, talvez eu perca as lembranças de um eu que fui e que agora não sou mais. Aí quem sabe eu deseje novamente me tornar essas lembranças do que vivi, mas esqueci.
Mas como é essa lembrança cênica de uma não-vivência que movimenta uma confusão dou sou feliz ou não, acho mais palpável entender que estamos fadados a um eterno desejo de um eu que nunca seremos e que gosta mais do que nunca vivemos.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Colecionando "Perdras"

Nunca aprendemos muito bem a nos relacionar com a vida, somos extremamente insatisfeitos com tudo, às vezes nos alegramos com as coisas mais bobas, mas sem deixar de exigir de si mesmo o que ela tem de melhor a oferecer – apesar dela nunca ter oferecido só o melhor, mas sem definições, ela oferece-nos muito.
E muito mais do que oferecer, devemos antes de tudo estar aptos a receber tais ofertas, visto que algumas delas só vem com essa aceitação e outras, no entanto, vem por livre e espontânea pressão. Isso então leva-nos a pensar sobre nossa capacidade e flexibilidade em se moldar – não apenas aceitar – ao que a vida impõe, tentando tirar daquilo o maior proveito possível.
Sei que é isso é chato e não passa na maior parte dos casos, de uma teoria quase impossível de ser praticada: falar em aceitar a dor, ou a perda, ou a derrota é muito mais tranqüilo – principalmente se o assunto for da vida alheia -, do que praticar essa aceitação.
E como já dizia a frase: “tristeza não tem fim, felicidade sim”, seguimos hora por um caminho, hora por um deserto sem trilha, vez ou outra com um oásis, onde matada a sede, continua-se a caminhada. O lugar torna-se uma lembrança e depois num próximo oásis ou na sede extrema, esquecimento.
A isso chamamos “colecionar perdas/pedras ou perdras”. É muito mais fácil lembrar da dor de uma situação do que as alegrias de outras, porque alegrias não existem, mas apenas são momentos de euforia que proporcionam uma maior produção química no corpo e que aumenta a sensação de bem estar. Felicidade mesmo é outra coisa.
Se realmente fôssemos felizes, colecionaríamos alegrias, e o máximo que temos colecionado que se aproxima dessa palavra seriam “alergias”, do bolor que se forma nos recalques guardados no canto fundo do peito.
Você pode tentar se observar para entender o fato de na maior parte do tempo, abrir sua caixa de madeira com tampa de vidro – que você sempre carrega consigo -, e mostrar para as pessoas sua coleção de “perdras” de tamanhos variados, datas variadas e situações de todos os tipos, que levaram-no a coloca-las aí, etiquetadas e ordenadas de forma ímpar, numa organização que deixaria qualquer arquivista no chinelo.
Quando vai falar do vestibular, você até falará de como passou, mas falará antes do árduo e penoso cursinho, das muitas vezes que quase passou, do quanto ficou triste, pensou em desistir, sempre reforçando de forma dramática sua situação, até que chegará na parte em que foi vitorioso, porém de forma rápida, como se fosse deixar o ouvinte entediado com essa sua alegria.
Ou mesmo se for falar de uma viagem, contará antes do trajeto, do pneu que furou, do celular que pifou, do hotel que era um lixo, da falta de educação dos comerciantes, aí sim, falará do pouco que aproveitou.
As “perdras” estão sempre bem guardadas, limpas e polidas, para que sejam entendidas de forma clara por todos. Já as alegrias que lhe causam alergia, são jogadas ao vento com uma flanela úmida como que espanadas num dia de limpeza.
E continuamos nossa grande coleção, infinita coleção, catando nos mais variados intervalos de tempo os mais variados tipos de “perdras”. Cata-se uma, cria-se uma alergia a uma alegria. É um círculo vicioso de substituição; falar da perda, pois é mais fácil comover do que fazer rir.
Talvez queiramos dar a nós mesmos uma prova que justifique as insatisfações e frustrações, tentando mostrar o porquê da infelicidade. Talvez queiramos um apoio de alguém que diga: -“quanto sofrimento, essa pessoa merece ser muito feliz”. Aí sim, estaremos com um dedo a mais para apontar na cara da vida e dizer:
-“Ouviu isso? É graças a você que minha coleção de ‘perdras’ seja tão grande. É somente você a responsável por me curar dessa alergia. Ficarei aqui, sentado, até que coloque tudo em seus devidos lugares (atchim...). aproveita e me traz um antialérgico porque da última vez que não tomei, fui parar numa clínica e esperei mais de uma hora para ser atendido e bláh, bláh, bláh...”