sábado, 22 de maio de 2010

Manual Sobre Como Negar a Cidade

Passo 1: Reclusão Domiciliar

Esse é fácil, sedutor e quase todo mundo adere. Você pode fazer supermercado, farmácia ou qualquer outro tipo de compra sem sair de casa. Visita o mundo que quer negar, conversa com as pessoas que nega nas raras vezes que as encontra, num relação de intimidade tal que chega a quase substituir as relações de “pele”. Dedique-se à internet.

Passo 2: Condomínios fechados

Morar no seu próprio mundo é fundamental quando o assunto é negar a cidade. Academia, salão disso, pista daquilo, área verde, ofurô. São tantas as comodidades para te prender ao máximo nessas prisões adaptadas que acho até possível - para evitar que os moradores saiam para o mundo exterior e aproveitando a soma com a internet – que eles se tornem os próprios profissionais responsáveis pela manutenção/funcionamento das prisões: faxineiros, jardineiros, seguranças, vigias.

Passo 3: Se for para sair da sua prisão-dormitório, que seja para uma prisão-lazer

Se o condomínio nega a cidade, o shopping nega a vida ao ar livre. Não existe temporalidade, a vida ali dentro está inerte para quem trabalha, para as plantas, para as relações humanas. Muda-se a decoração raras as vezes e, em intervalos irregulares, mudam-se as vitrines. Recomenda-se ao sair, fechar os vidros do carro e descer apenas quando já estiver no estacionamento de casa.

Passo 4: Todo ser humano é substituível por um telefone móvel

Sim, já reparou que sem exceções, todo mundo corta qualquer conversa para atender um “móbile”?

O que parece é que qualquer pessoa que está à distância é sempre mais importante do que a que está do seu lado ou das que estão do seu lado, ou mesmo da situação que está vivenciando: aula, amigos, familiares. Um minuto, tem alguém me ligando aqui...

Passo 5: Em caso de necessidade em sair explorando a selva de pedra, tenha sempre os equipamentos necessários em sua mochila

GPS – Vá direto ao destino desejado, não se perca e nem se deixe envolver pelas descobertas que um “engano” possa te proporcionar. É melhor ir sempre naquele lugar que está acostumado, pois não dá para gostar do que nunca soube que existia.

JORNAIS: se o percurso está cansativo, melhor se informar sobre o que acontece além de você, pois o que está ao redor não exerce qualquer reação.

FONES: Indispensáveis quando a questão é negar além do espaço urbano, os sons que ele produz. Nada de sons da metrópole.

Nesse caso, além dos sons você nega ao máximo as relações com o outro. Se torna incapaz de estabelecer novas relações sociais, fornecer alguma informação ou ser solícito à alguém que precise.

Eu só me pergunto o porque das pessoas se surpreenderem com a frieza, distanciamento e medo umas das outras, já que somos coniventes com um sistema que nos condiciona a viver sem o outro, ou numa vivência à distância, nessa total destruição do calor humano.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Toda Mente é Fértil, Mas a Maioria Não Planta Nada de Bom

Certa vez alguém disse essa frase tão citada por muitos, principalmente quando vemos alguém que nunca foi um ser humano bom, passando por uma situação ruim: “Você colhe aquilo que você planta”; nada mais óbvio não é? É fato afirmar que, quem planta repolho jamais colherá alcachofra. Como é fato afirmar também que planta mulher melancia jamais colherá Clarice Lispector, Freud, Beethoven, etc.

E observando os agricultores da nossa enorme fazenda Terra, nos deparamos com três tipos distintos de profissionais desse agronegócio da vida: os da Colheita Feliz, os Orgânicos e os Tecnológicos – estes subdividindo-se em Tecno-Capitalistas e Tecno-Pensadores.

A Colheita Feliz é aquela forma de vida à qual, bilhões de pessoas vivem: um jogo bobo, cujas estratégias já foram estabelecidas e não permitem modificações subjetivas. Você planta o que é mais barato e fácil, e rouba aquilo que é mais caro e difícil: conhecimento, direitos autorais, idéias, etc. tudo em função de um único objetivo – tornar-se o maior e mais rico fazendeiro, e que isso não dependa muito do seu esforço e trabalho, mas usando de esperteza e meios escusos, você vai construindo um império de “nada”, pois quando desliga o computador descobre que é tudo virtual. Tsc Tsc.

Os orgânicos são os que utilizam os velhos métodos de cultivo de conhecimento, sem agrotóxicos ou bio- tecnologias de modificações genéticas. Gostam de adubar sua mente com fertilizantes naturais, utilizando a boa literatura, boa música e artes de vanguarda para ao longo da vida obter uma colheita saudável. Recusam-se a enveredar-se pelos métodos contemporâneos de tecnologias para plantio como Rem Koolhaas ou Jenny Holzer – Do subgrupo dos Tecno-Pensadores -, mas conseguem direcionar a originalidade de seus métodos de vida férteis, baseados nesse modo tradicional de cultivo, porém obtendo os frutos de uma vida totalmente diferente da Colheita Feliz.

Já os Tecno-Capitalistas, esses são muito parecidos com o grupinho da Colheita Feliz em seus objetivos – dominar o mundo do agronegócio, obtendo o maior lucro possível. Porém trabalham com pesquisas científicas e utilizam a tecnologia a favor do desenvolvimento de plantas com grande capacidade de crescimento em um curto espaço de tempo. Geralmente replicam as coisas infinitamente para que alcance a o maior número de pessoas – não que isso seja bondade – pois na verdade estão pensando nos lucros de uma mega venda e não nos problemas acarretados pelas modificações genéticas de idéias de outros.

Por último, os Tecno-Pensadores, trabalham com a tecnologia a favor de suas plantações, gerando plantas resistentes a pragas e às intempéries, e buscando cruzamentos que permitam que em um pé de repolho, por exemplo, nasça uma alcachofra com gosto de sushi. Eles, como todos os humanos, dependem do dinheiro par a continuar suas pesquisas, porém não fazem dele o foco de suas vidas e por isso conseguem trabalhar um método de vida diferente. E é claro, dedicam grande parte do tempo nessas experimentações de espécies.

Cada um é livre para escolher o que plantar ao longo de toda sua vida, porém, certas escolhas sem o rodízio de culturas, acarreta em um curto período de tempo num desgaste e empobrecimento do solo, tornando-o infértil e morto.

Saibamos respeitar nossas próprias terras e cuidemos para que não tenhamos uma safra de joio e não de trigo. E que esse trigo seja distribuído e não permaneça ensacado em galpões eternos.