sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Sociedade das Imagens Meramente Ilustrativas

Texto publicado no Jornal Vale do Aço no dia 30/10/2009 no link:
“O homem é um animal que vai mudando o mundo e depois tem de ir se reciclando, para se adaptar ao mundo que fabricou” [Flávio Gikovate]
Se pensarmos em como nosso século a todo instante nos coloca diante de mudanças – numa soma de rapidez + excesso de informação + mecanização da vida – com vistas a uma geração cada vez maior de recursos financeiros para satisfazer nossos desejos que são cada vez maiores, menos alcançáveis e facilmente descartáveis, vemos que no campo dos relacionamentos isso acontece mais ou menos da mesma forma.
Se pensarmos que a palavra que determina a agilidade com que a vida deve ser conduzida é a “pré”, ou seja, onde tudo deve ser comercializado pré-preparado, pré-moldado, pré-montado, e posteriormente consumido ou descartado logo que adquirido, empurrando-nos a acreditar que toda a obsolescência programada da vida – onde nada é para sempre, tudo deve ser trocado – é natural e deve ser encarada como um curso imutável, entenderemos o porquê do campo afetivo também estar fadado ao fim com maior facilidade.
Toda essa falta de tempo faz com que a grande maioria das pessoas dedique uma pequena parte à aprendizagem nas mais diversas áreas da vida e posteriormente a uma entrega maior a aspectos menos relevantes e quase sempre inúteis.
Observando algumas redes sociais de internet, nos damos conta de que elas funcionam como uma grande vitrine na qual as pessoas se expõem mais ou menos como produtos – toda regra tem exceção – pois, em geral elas selecionam umas às outras pela imagem que é apresentada, sendo que a maioria não preenche os perfis - não descrevem como são, do que gostam, etc. - e, os que observam geralmente não se importam com isso, já que o primeiro e fundamental no caso é encher os olhos - o estereótipo físico.
Não é que a beleza não faça parte; e é exatamente isso que deve ser entendido: ela é uma parte e não o todo, e não pode ser capaz de satisfazer alguém completamente, simplesmente por ela mesma. E talvez seja exatamente por isso que os relacionamentos estejam tão fadados a um fim; pelo fato de as pessoas se prenderem unicamente à imagem, esquecendo que, assim como já aconteceu conosco alguma vez na vida, de olhar uma embalagem de algo comestível num supermercado, se sentir extremamente seduzido por ela e principalmente pela imagem estampada do que haveria no conteúdo e, ao abrir, se decepcionar com o que o havia dentro, também acontece quando nos prendemos apenas uma a “casca” esteticamente agradável sem avaliar o conteúdo.
Muitas pessoas reclamam – alguns pesquisadores até afirmam – que o fim dos relacionamentos ocorre por falta de diálogo. Por um lado, isso pode ser entendido como verdade se alguém não for aberto a conversas. Porém e mais importante que dialogar, é primeiramente “conhecer”. E aqui isso deve ser entendido como toda forma de conhecimento, pois é impossível estabelecer um diálogo com alguém que não entende absolutamente nada de qualquer assunto importante e pior, quando insiste em opinar de forma insistente, mesmo tendo consciência da própria inexperiência.
Esses diálogos não se resumem apenas a “discutir a relação”, também se aplicam a conversas rotineiras sobre qualquer coisa. Conversas banais durante uma refeição, enquanto ambos compartilham a arrumação da casa ou fazem uma boa caminhada juntos, conversas que se estabeleçam no trajeto de carro que é feito até o trabalho, ou quando chegam dele, mesmo que cansados.
São essas pequenas conversas em momentos simples da vida que vão fazendo com que enxerguemos toda agradabilidade que elas nos proporcionam e que, aos poucos vão sendo convertidas em maiores diálogos, até atingirem um nível de profunda necessidade de partilhar tudo aquilo que pode ser explicado por meio de palavras e gestos.

E é somente quando entendemos todo o poder que as palavras possuem e toda a magia que uma boa conversa desperta dentro de nós e a mudança que gera num relacionamento quando duas pessoas se reconhecem pela forma – distinta e inteligente – de pensar, é que seremos capazes de avaliá-las pela essência que possuem, nos libertando dessa sociedade de “imagens meramente ilustrativas”.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Em Tempos de Crise Interior a Faca e o Queijo são só Detalhes

Texto publicado no Jornal Vale do Aço em 23/10/2009

http://www.jvaflash.com/jornal/Flash/20091023/carrega_pag12.htm

Problemas, decisões, escolhas, opções, ações, iniciativas, abdicações, aceitações...
Passamos e passaremos a vida divididos por escolhas e decisões. Somos condicionados a procurar sempre o melhor caminho, focando o lado bom e nos preparando para a vitória, ou seja, estamos tão focados nos lucros que esperamos que a vida nos proporcione, que na maior parte do tempo em que nos deparamos com fracassos ou prejuízos, não sabemos como lidar com eles e posteriormente entramos numa espécie de “crise interior”.
Essa falta de “maturidade” para resolver as problemáticas do dia-a-dia nos torna cada vez menos seguros com nós mesmos e com nossa capacidade de avaliar a situação à qual estamos passando – ou passaremos – impedindo-nos de pensar em maneiras menos complexas ou dolorosas de resolver tudo.
Nesses momentos de desespero, tendemos a piorar – e muito – nossa capacidade de ação. Em geral nós atrofiamos nosso tempo, agindo sempre impacientemente, sem pensar, de forma imediatista, avaliando apenas as conseqüências em curto prazo. Isso implica em uma soma dos problemas no futuro: o atual, que estamos resolvendo, e outro que surgirá após a má resolução do primeiro.
Durante esses períodos de crise e desespero sempre aparecem os “gourmets da vida” - um parente distante, um vizinho que nunca convivemos muito ou um amigo não tão íntimo. Esses gourmets são as pessoas que menos convivem conosco, e se acham capazes de resolver todos os problemas da humanidade, se apenas seguirmos suas “receitas”. Geralmente elas impõem suas opiniões e conselhos – convictos de sua experiência no problema -, e ainda com a ousadia de dizer que acham um absurdo que não tenhamos resolvido tal problema, que fazemos muito drama à toa, já que “estamos com a faca e o queijo na mão”!
Mas e aí...? Se fosse tão simples apenas ter uma faca e um queijo, qualquer pessoa passaria por uma crise fácil, fácil. E sabe por que não passamos? Porque é preciso avaliar o problema por ângulos diferentes, ou seja, precisamos primeiro descobrir o tipo do queijo e de faca com o qual estamos lidando, para então entender as possibilidades que ambos nos permitem.
Por exemplo, não adianta termos um pote de catupiry e uma faca de açougueiro – daquelas de desenho animado – que a faca não caberá no pote; se for cheddar fatiado em uma bandeja de isopor, não terá utilidade nenhuma se a faca for elétrica; e menos ainda se for uma peça de parmesão e uma faca de mesa.
Entendido o que são, é preciso ainda saber o que fazer com eles: cortar, passar, grelhar, assar, misturar, tostar, enfim, entender qual o próximo passo para que a decisão que tomamos não nos cause indigestão. Mesmo que o sabor do queijo que temos em mãos e o tipo da faca que usaremos não sejam familiares ou agradáveis ao paladar, é exatamente nesse momento que temos a chance de usar a criatividade e aprimorar nossos gostos e capacidade de ação em situações complexas.
Agora, se realmente não estivermos preparados para manipular nossos queijos sozinhos, o melhor a fazer é chamar amigos e conhecidos que também estejam segurando seus queijos e facas –sem saber o que fazer com eles – reunir na varanda do apartamento ou casa, numa noite quente dessas de primavera, cada um trazendo ainda uma boa garrafa de vinho, um violão, bom humor e disposição para passar a madrugada tocando e trocando os sabores dessas novas experiências de vida.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Manual de Instruções Humanas

Texto publicado no Jornal Vale do Aço em 16/10/2009

http://www.jvaflash.com/jornal/Flash/20091016/carrega_pag12.htm


O século em que estamos nos coloca de frente com mudanças tecnológicas radicais em diversas áreas da ciência, como biotecnologias, nanotecnologias, entre outras. Tecnologias que de um lado ajudam no combate a doenças, no uso consciente dos recursos naturais, etc., e do outro, nos ilude e induz ao que não precisamos e ao que não somos.
Todos os dias recebemos vários spams em nossos e-mails, lemos em outdoors ou em folders de lojas de departamento sobre todo tipo de lançamento em tecnologias que “facilitam a vida”. Várias delas capazes de nos impulsionar a uma necessidade tão latente em possuí-la que, uma vez adquirida, torna-se quase uma “extensão de nós mesmos”, ao ponto de não conseguirmos mais imaginar nossa vida sem ela.
Paralelo a isso vemos uma tecnologia que distancia pessoas próximas e “aproxima” pessoas distantes, ou seja, destrói as relações e casualidades reais, na medida em que nos empurra para uma “casualidade virtual programada”. Por exemplo, todo mundo que utiliza o popular “MSN” provavelmente já passou horas teclando com um amigo e, ao encontrá-lo na rua, simplesmente viu o assunto sumir e se abreviar como num texto digitado na “janelinha” desse programa:
-Oi sumido (a), blz?
-Oi, blz, sumi nd, vc q sumiu.
-Pois eh, dexa eu ir q tô atrasadu... abçs
-Outro... =D
Isso se ambos estiverem dispostos a retirar dos ouvidos os fones de seus MP3, MP4, MP5, MP6, MP...n para então “cuspirem” sua web-linguagem, já que esses aparelhinhos - apesar de nos distrair em uma viagem longa - simplesmente isolam-nos do espaço urbano, ou seja, tornam-nos imunes a todos os tipos de sons e interações com a cidade e as pessoas ao redor.
Todo esse isolamento frente ao às relações sociais é mais tarde refletido num estado profundo de tristeza onde achamos que estamos sós no mundo, que ninguém é confiável, que nunca teremos um relacionamento, que as pessoas são muito complicadas, que tudo deveria ser mais simples ou vir com um manual e blá, blá, blá...
O que muitos não entenderam, é que todos nós nascemos sim, com um manual. Esse manual que só pode ser lido por nós mesmos e cuja única recomendação antes do uso diz: “Que conheçamos a nós mesmos, ‘fuçando-nos’, pois somente quando tivermos uma noção significativa do que realmente somos, saberemos nos apresentar aos outros sem que eles precisem se perder em pensamentos e dúvidas, tentando compreender porque somos como somos”.
E tal qual aprenderemos a nos conhecer, deveremos ensinar aos outros que também se conheçam, para que não fiquem insistindo que os compreendamos, quando na verdade, nem eles mesmos se compreendem.
Todos somos pré-programados, mais ou menos como um robô.
Pré-programados para amar, para perdoar, para ajudar, etc., porém, livres para potencializar essas “funções básicas”, expandi-las cada vez mais, tomando cuidado para não ser consumido por vírus e falhas do sistema – ódio, orgulho, rancor, etc. -, já que somos suscetíveis a isso como uma máquina, e também possuímos um prazo de “vida-útil”.
Porém, diferentes de um robô, não estamos fadados à obsolescência se entendermos que somos capazes de nos “atualizar” sempre, aprendendo com as interfaces desse programa maior chamado vida.
E como toda tecnologia de ponta, chega um momento em que precisaremos realmente ler nossos manuais - para aprender a utilizar perfeitamente nossas diversas funções - como o fantástico – e quase esquecido - sistema de interações afetivas via “bluetooth”: um olhar que envia ao e recebe do outro, imagens, sons, desejos, anseios e vontades.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Receita da Vida

Texto publicado no Jornal Vale do Aço no dia 09/10/2009 no link:

http://www.jvaflash.com/jornal/Flash/20091009/carrega_pag12.htm

Todo mundo que já fez – ou pelo menos tentou – fazer um bolo alguma vez na vida, sempre obteve os seguintes resultados antes de conseguir fazer a receita exata, ou desistir no meio do processo: ou queimou, ou solou, ou não cresceu, ou faltou sabor, ou ficou demasiado doce. Os motivos são vários e nunca a culpa é do cozinheiro, ou seja, nós somos sempre “experts” no assunto e o problema está em algum ingrediente colocado na medida errada, nos utensílios que não eram os ideais, na cozinha, etc.
Isso quando não resolvemos “quebrar” a receita e fazer somente a metade achando que facilitará o processo, economizará nos ingredientes e renderá uma porção menor, porém suficiente para satisfazer a fome naquele momento.
Na pior das hipóteses começamos as substituições por conta própria: se são dois copos de leite e só temos um e meio, adicionamos meio de água para não precisar sair para comprar outra caixinha; se são quatro ovos e só temos três, colocamos uma ou duas colheres a mais de manteiga, e por aí vai.
Durante o processo, se na receita pedem uma forma de 8cm, eu ignoro e pego a que for mais fácil de ser retirada da pilha de vasilhas no armário. Se é pra assar a 180º eu coloco 300º para agilizar o processo. Se o tempo de cozimento é 35 minutos, eu abro o forno de 5 em 5 minutos para olhar se já está pronto.
No final desse processo culinário, o que era para ser um momento de prazer, de relaxamento, de incentivo à criatividade na cozinha, tornou-se uma estressante e chata materialização de uma simples receita/desejo - que deveria ser compartilhada com outras pessoas no momento da degustação – agora inidentificável como algo saboroso, até mesmo comestível.
Não tão diferente do processo de preparação de um bolo, a vida também segue uma receita base. É essa base que faz com que todos tenham a mesma chance de ser feliz durante sua vivência terrena, ou seja, existem ingredientes que são fundamentais para que ela cresça, e outros que dão um toque diferenciado a cada receita, tornando-a melhor ou pior, dependendo da medida adicionada. Por exemplo, o dinheiro; toda receita de bolo da vida pede uma quantidade “x” dele – para alguns é preciso maior quantidade para dar um sabor único, para outros é menor, pois aprenderam a temperar com outros ingredientes. Você pode ter uma grande quantidade dele estocada no armário, porém para ajudá-lo a acrescentá-lo na medida certa, você deve ter uma boa quantidade de humildade, caridade, amor, etc. A ausência dele também torna a receita pouco apetitosa.
Quebrar a receita da vida - dividindo os ingredientes para economizar - também não vão torná-la mais simples de viver e mais fácil de ser saboreada. Nada substitui uma vida completa, com cada produto adicionado na medida certa.
As substituições dos ingredientes ou a realização da receita sem alguns deles devem ser feitas seguindo as dicas de alguém que aprendeu a receita antes de você, ou seja, alguém que sabe fazer um bolo sem ovos, sem leite ou que conhece alguns truques fundamentais para obter o resultado desejado.
Todo esse processo culinário – tanto do bolo quanto da vida ou do bolo da vida – requer paciência e dedicação, mas principalmente entendimento do que você está fazendo para o resultado que deseja obter, ou seja, não é tornar esse momento uma obrigação sem sal e irritante, porque o resultado será sempre o mesmo, mas tornar o processo de vivência da vida uma eterna receita de bolo à qual a todo momento estamos aprendendo com os erros, enquanto mordiscamos alguma fatia deliciosa - principalmente aquelas com muito recheio – junto com as pessoas que mais amamos - como num eterno café da tarde de domingo, na cozinha do sítio.
O bolo representa o resultado de toda uma receita, regada de movimentos, cálculos, criatividade, alegrias, tristezas, etc., no entanto a felicidade não pode ficar restrita somente a ele, mas a toda lembrança desse processo/vivência de materializar desejos.