segunda-feira, 31 de outubro de 2011

uma verdade inconveniente I - todos constroem castelos de areia mas nem por isso obrigam os outros a brincarem neles



PRECONCEITO: 1. Ideia ou conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério ou imparcial. 2. Opinião desfavorável que não é baseada em dados objetivos = INTOLERÂNCIA: 3. Estado de abusão, de cegueira moral. 4. Superstição. 5 Falta de tolerância. 6. Violência.
É engraçado como as pessoas têm uma mania infantil e imatura de viver, na qual desenham mundinhos próprios cheios de perfeição e regrinhas de boas maneiras, de moral e bons costumes e saem completamente da realidade do mundo palpável. Passam a vida se privando da própria vida, abdicando de ser quem são por uma infeliz escolha em agradar uma minoria, que sequer se importa com sua existência, tornando-se uma fonte inesgotável de amargura e angústia.
Imaginar alguém que viva dessa maneira pode ser inconcebível para quem compreende a grandeza da diversidade de crenças e culturas, valores, etc. e mais do que isso, aceita e acolhe de forma sábia essas diferenças, porém isso ainda ocorre e é ainda mais comum.
Uma pessoa realmente feliz é aquela que tem muito! Muito conhecimento que gera sabedoria, que gera discernimento e posteriormente entendimento. Pessoas assim lidam facilmente com todas as personalidades no dia a dia sem  vibrar em intensidades energéticas diferentes, visto que possui a incrível capacidade de se manter em equilíbrio nas situações de maior desconforto.
Uma vida equilibrada quer dizer, por exemplo, que a primeira vez que alguém estaciona de forma meio torta na vaga, ocupando uma parte da sua, você não vai sair por aí "cuspindo marimbondos", como se isso fosse o mais terrível ato de desrespeito, antes, irá procurar entender os motivos que podem ter ocasionado essa situação. Talvez alguém houvesse sofrido algum mal estar súbito, ou tem dificuldades em fazer uma baliza. A partir disso, traça-se uma série de possibilidades do que está ao seu alcance para que isso não ocorra mais: eu posso procurar pelo dono do veículo e ser solícito em ajudá-lo a estacionar quando puder e avisar de forma amigável o ocorrido. Mas ainda sim, sei que é mais fácil esbravejar o stress acumulado do que ser gentil... será?
Pessoas assim vivem felizes em seus castelos de areia, porém entendem que da mesma forma que elas ergueram alguns usando o conhecimento que possuíam, outras também ergueram da forma como conheciam, gerando um mundo de castelos de areia diversos, numa praia com espaço suficiente para todos eles.
O contrário dessas pessoas ocorre quando entende-se que sua técnica de construção de castelos de areia é a única possível e correta, impondo ao demais que abandonem a brincadeira e passem a participar da sua, com suas regras egoístas.
O egoísmo por sua vez gera a intolerância, que por sua vez leva ao preconceito, que nada mais é do que um egoísmo em assumir previamente falta de humildade em aceitar algo do qual não se tem conhecimento algum, ou seja, é um estado de burrice camuflada na qual as pessoas se colocam quando estão diante de um castelo igual ao delas, mas concebido com técnicas das quais não dominam.
A partir disso, com o ego inflado e o ódio escorrendo feito saliva, querem a todo custo derrubar esse castelo. O que elas não entenderam porém é que castelos de areia não são feitos para durar, seja qual for o método construtivo, e que enquanto derrubam o do vizinho  ao invés de reerguerem um novo -, vem a onda e derruba também o delas, deixando a praia lisa e pronta para uma nova geração de construtores de castelos de areia.

sábado, 22 de outubro de 2011

sessão de contos: No Ponto



Não se sabe quando começou, mas começou em algum momento, pois ele não nasceu assim. Sem maiores explicações ele contou sobre isso, de forma natural, como se tratasse o tempo como um aliado, ou se o mesmo fosse seu subordinado e não o contrário.
Escrevendo assim até parece se tratar de algo anormal ou maligno, ou completamente estranho. Mas o que Adan ouviu naquela noite depois de uma dose de francês, italiano e inglês com acompanhamento de coca-cola foi um pouco assustador do seu ponto de vista.
-“Não sei qual o horário do ônibus”. Não ligo pra isso, sento no ponto e espero que ele passe.
-“Como assim não sabe o horário?
-“Não gosto de saber os horários de volta, apenas os de ida, para que a ou as pessoas que marcaram um compromisso comigo não fiquem me esperando. Se tomo conhecimento dos horários de volta do ônibus, me prendo a eles e fico me policiando, matando momentos que deveriam ser ótimos em função de uma preocupação com horários.”
Silêncio (mental é claro). Adan não soube mais o que pensar e se calou em si mesmo. aliás ele não se calou por mais que 30 segundos; inacreditável alguém não se preocupar em saber horário de retorno pra casa em função do transporte público. Isso é muita pretensão quanto o tempo. Não entendia como alguém conseguiria ficar por tempo indeterminado, durante a noite, sozinho, esperando e apenas esperando.
Pode ser que fique por lá 1 minuto, ou até tenha que correr para alcançar o seu ônibus habitual, pode ser que precise esperar horas, talvez pedir informação sobre uma linha diferente que passe próximo à sua rua. São várias as possibilidades de se sair dali.
Em último caso, gastar um bom trocado com um táxi (geralmente fora de cogitação), esticar um pouco as pernas (impossível devido ao local onde mora), pedir carona.
Talvez sua jaqueta jeans não seja tão confortável com um frio mais intenso, talvez tenha que tira-la por um calor mais insuportável. Pode ser que precise se esquivar de “possíveis ameaças” de crime. Talvez sinta fome, sede, medo, ansiedade, etc.
Então porque ficar ali no ponto esperando e esperando?
No “paradoxo da espera no ponto de ônibus” quanto mais se espera, mais próximo o ônibus está, porque o tempo de espera é proporcional ao trajeto, logo, quanto mais próximo ele está, menos tempo se espera. E se já se esperou muito, significa que falta pouco pra ele chegar.”
Mas não é essa a questão, ele não está interessado em pular a parte do intervalo. Ele não se importa que haja um intervalo “nulo” entre um acontecimento e outro. Até porque nada é estático em momento algum da vida, tudo está em movimento o tempo inteiro, mesmo uma pedra está em movimento, no sentido dos ritmos da natureza das pedras.
Adan não consegue lidar com os intervalos. Não aprendeu a encarar o espaços que ocorrem entre uma atividade e outra, ele está sempre ligado em 220w e pratica ações constantes.
Jamais conseguiria não se programar, não calcular os horários e trajetos com precisão tal que, quando quiser voltar para casa, saberá o caminho e não terá interrupções ou surpresas desagradáveis que atrasem sua próxima atividade.
Adan não desperdiçaria o tempo. Não entende como alguém consegue gasta-lo indiscriminadamente. Ele o preserva como se fosse esgotável, economizando cada segundo.
Até porque o fim do tempo é indiscutível, pelo menos numa escala individual no qual se vive determinado período sem data determinada para essa vivência, ou seja, como gastar algo que acabará mais cedo ou mais tarde? Talvez por uma questão de controle de tudo, de não entender as múltiplas maneiras de se aproveitar os espaços vazios, as reticências da falta de uma resposta-ação.
Tudo está em movimento o tempo inteiro, até os intervalos se movem para a próxima cena. Apenas espero que Adan espere um pouco mais de vez em quando.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

sessão de contos: Vício em Virgula



Ele adora começar os textos pelos títulos. Não se sabe ao certo, mas os títulos são resumos ou grifos direcionadores do desenrolar do que será escrito. Se pudesse nem escreveria textos nem nada, apenas títulos. Adora imaginar que tudo que ele pensa poderia ser explicado por títulos, como se fossem esses nomes de esmalte, tipo Tule, Bianco Puríssimo, Rebu, Toque de Ira .
Isso não é rótulo, são títulos. Os esmaltes são tão bem explicados por títulos. É quase palpável se você fechar os olhos e pedir que alguém diga o nome de um esmalte que você não conheça e você tentar imaginar a cor. É isso. Não que ele entenda de esmaltes, mas é gostoso ler os nomes. Mas isso não acontece com tudo que tem nome.
Tem também mania de vírgula! É quase um vício – viciados geralmente não assumem que são viciados. É só um risco entre as letras, mas é um vício colocar essa tal vírgula. Adan imagina que a vírgula é a respiração do texto e que ela acompanha sua própria respiração (vírgula) e prepara a ele mesmo para as próximas palavras que virão. Vírgula é vida, ela vem assim que você entende ou pré-entende uma frase, e então te descansa para a próxima leva de letras somadas que formam sílabas e que juntas viram palavras, que próximas soam textos.
Imagina colocar uma vírgula em certos momentos do seu dia, se o ponto final não fosse uma opção também, é claro. Senão juntaria três e deixaria a continuação para um outro dia. Mas a vírgula seria ideal para aquele parágrafo do dia onde não há respiro.
Adan não gosta que escreva meia página. Ele gosta de títulos auto-explicativos, mas se é para escrever, que seja uma página cheia, ou pelo menos mais que isso. Assunto sempre tem, mesmo que ele mude ou direcione para uma infinidade de outros assuntos; por isso ele relê cada parágrafo, mesmo com preguiça, e vai mudando o que é preciso. Ele se preocupa com o português correto, mas odeia todas as regras e não suporta ouvir “coordenada aditiva sindética”.
Essas regras gramaticais servem para que você entenda que jamais falará corretamente, pois ser correto depende de entender bem as regras e tentar torna-las uma prática. Não deseja praticar nada que se refira a “transitivo direto ou indireto”. Mas gosta da grafia correta.
É uma regra justificar. E se tornou um vício também: escreve-se um parágrafo, justifica-o; escreve outro, justifica também este. Está se forçando a tentar deixar alinhado a direita ou à esquerda. Centralizado nunca! Nem mesmo os títulos dos textos, que aliás nem escreve, apenas como nome do documento ao salva-lo. Então esse justificacionismo das frases, cria uma borda imaginária que a impressora não transporá. Porém ficarão espaços, pois nem toda frase justificada se alinha em ambas as laterais, a não ser que você force a justificação. Mas se forçar perde a força. Ficaria uma palavra no início umas duas no meio e outra no fim parecendo que alguém não as queria e amarrou uma corda e puxou-as com força tentando tira-las para fora do texto.
Nem todos os dias ele quer justificar, mas como tomou isso como regra, ele justifica para padronizar a escrita, sabe-se lá porque, visto que ele não escreve nada padronizado. Adan se pergunta agora porque justifica seus textos por obrigação, se não é por obrigação que os escreve.
Vai saber! Melhor não tentar entender porque estaria justificando pra si mesmo os motivos que o levam a justificá-los. E se justificar para si mesmo, estará mais uma vez levando-se a seguir suas próprias regras, que não foram feitas para serem seguidas. Elas foram feitas para... ah, Adan quase justificou sobre o porque de suas regras não serem leis. Melhor parar por aqui (vírgula) e colocar um ponto final, salvar e tentar finalizar esses desenhos em reticências desde ontem.
Não gostei desse fim, voltei a escrever porque queria finalizar com uma vírgula e não com ponto, então, 

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Entre a Vida e a Morte



Foi então que um carro parou. Não há uma lembrança precisa da hora em que isso acontecera, mas a memória aponta uma vaga hipótese de algo entre 23:00 ou 00:00hs. Nesse horário o frio estava intenso e a brisa perdido a briga para um vento mal educado que chega abrindo caminho, trombando em tudo. Era um cruzamento! Uma rua morro acima, a outra na perpendicular reta. Uma penumbra meio enevoada, cuja iluminação pública inutilmente tentava romper com uma esmaecida projeção.
Folhas embalavam uma melodia noturna, vez ou outra requebrando com maior intensidade.  Em meio a tudo isso lá estava ele, Adan, parado na esquina sem saber porque, sua casa era do mesmo lado que se encontrava, não precisaria atravessar. Mas parado estava, parado permaneceu. O silencia gritava forte, impunha uma série de pensamentos que talvez pudessem explicar o real significado do movimento que nunca acontecera.
Jeans, pólo, all star claro, jaqueta de nylon. Os bolsos, vazios como sempre, a mente, cheia como sempre. Na rua inabitada apenas uma certeza: liberdade em solidão, a cidade só para ele. “A noite fala de uma forma muito peculiar, é fácil entender quando ela quer avisar ou sinalizar algo bom ou ruim. O cheiro de perigo que o ar dispersa, o sabor de sexo proibido que a escuridão procura camuflar nas quinas da cidade, a curiosidade que o desconhecido  desperta no que pode estar atrás da próxima reentrância de prédios mais generosamente afastados da calçada.
Adan conversa com a noite sempre que pode. Caminhadas noturnas para espairecer e fazer os pensamentos fluírem sempre. A noite é traiçoeira, mas também é amiga quando se sabe lidar com ela. Ela é representação do que cada um é: uma escuridão com certos períodos de claridade, mas ainda não totalmente revelada pela luz pois mesmo a terra recebendo a luz do sol, apenas a metade está visível.
Ao longe, na rua que sobe, um carro desce meio apressado. Um farol azul oscila em conformidade com os níveis diferentes do calçamento. São grandes olhos azuis de um brilho quase hipnótico.
Quando percebe o carro atravessa o cruzamento e para bem em frente a ele. A névoa calma fica meio enlouquecida, pairando de um lado pra outro sem saber pra onde ir. Adan continua imóvel, estático, com um pequeno formigamento na nuca. Devagar um vidro se abre, ainda sem ver nada ele arrisca inclinar-se um pouco meio curioso meio assustado com sua falta de medo. Uma iluminação laranja desenha alguns botões no painel do carro, enquanto um lounge toca no player. A música não é identificada, mas é convidativa, chama a dançar sem muito o que pensar sobre os próprios movimentos do corpo. Os ouvidos parecem agradecer a generosidade sonora. A mente entregou-se ao embalo e por um momento efêmero tudo estava ausente ou não mais existia. Era o movimento das notas num compasso e ritmo harmoniosos.
A harmonia necessária a um ser: várias notas diferentes, cada uma em um lugar, sendo apresentadas a seu tempo e que só fazem sentido em conjunto.
-Quer uma carona?
-Carona, para onde você tá indo?
-Para a vida. Disse com sorriso na voz.
-Vida? Perguntou com ar de desconfiança. –Nunca ouvi falar nesse lugar.
-Eu sei (risos), foi por isso que fiz o convite, entre no carro. Vamos sair e andar para a vida, largando tudo pra trás, sem medo de ser feliz. Completou com uma voz de proposta irrecusável.
Adan abriu a porta, sentou-se no banco da frente, olhou para o condutor e disse: -O convite à vida é tentador, porém receio ter que recusar, não confio em quem não conheço e em lugares que nunca vi no Google Maps!
Foi assim, com essa frase que ele calmamente saiu do carro, subiu as escadas do prédio e morreu naquela cama de lençóis vermelhos.
O alarme do celular soou, era hora de acordar e trabalhar, ainda era sexta e a rotina uma verdade inconveniente.

sábado, 8 de outubro de 2011

Tocando Lágrimas em "Dór" Maior



Era como se de repente ele olhasse em volta cego e surdo, submerso em um entorpecimento interno de dúvidas, incertezas e angústias recalcadas, feito concreto de fundação, no qual a penumbra do ambiente contribuía para que a falta de clareza e nitidez das pessoas e objetos, e do próprio ambiente em si, simbolizasse o ambiente interno no qual sua vida estava presa.
Como um copo de cerveja em vias de acabar, cujo resto da bebida que sobrou está quente, naquele momento em que o garçom ainda não percebeu que a garrafa está vazia; você olha sem se decidir se bebe ou espera pela próxima para resfriar essa. E com o copo rodando entre os dedos, vez ou outra colocado sobre a mesa velha de madeira, cujos mesmos dedos também circulam a borda do copo quando sobre ela, perdido nesses gestos livres de qualquer função, senão delinear livremente um estado de dúvida banal frente a algo interno.
Tem um olhar nisso tudo que nada vê, senão para dentro de si mesmo, tentando buscar algum sinal que o coloque nos eixos novamente, no foco, ou pelo menos traga uma quantidade satisfatória de ânimo, visto que em sua última mudança, resolveu tirar tudo o que restava, e para além do tapete, usando um pano umedecido, limpou cada canto, sem deixar sequer uma poeira de esperança, abrindo um grande espaço vazio e sem programa definido.
É esse espaço isolado, trancado dentro de um sorriso encenado de opiniões a respeito de acontecimentos do mundo, que permite mesmo em público, que ele grite como se estivesse em um ataque de histeria incontrolável, enquanto paralelamente se recompõe para si mesmo tentando se enganar com algo do tipo: "mantenha a calma, volte ao mundo real e retome a discussão sobre...".
Ele sabe realmente o que acontecesse depois disso! Sabe que os olhos vêem mais do que conseguimos de fato enxergar tal qual os ouvidos ouvem uma voz que cada um tem a sua.
E nesse momento seus olhos se voltam para seu mundinho egoísta e inatingível por outros. Voltam-se para tentar captar esse agudo às vezes grave, quando uma força maior e alheia a ele, faz com que as notas oscilem de forma a causar um fio de dor.
É a música do sofrimento abafado que a alma agora toca para a platéia dos olhos e ouvidos que outrora se encontravam perdidos em sons e cores do mundo físico. Uma melodia em notas de "dór maior", "ré calque", mi, "fa lta",
"sol idão", "lá grimas", si, embalando uma letra que ele já sabe de cor, num refrão que diz "felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor, brilha tranqüila, depois de leve oscila e cai como uma lágrima de amor". [Tom Jobim e Vinicius de Morais]
Volta e meia esse refrão é ouvido, por vezes sentido de uma maneira mais ou menos intensa. Em momentos como esse, de imersão em uma névoa de questões atemporais, ouve-se a canção completa, marcada pela intro "tristeza não tem fim, felicidade sim...", seguida dos versos "a felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar, voa tão leve, mas tem a vida breve, precisa que haja vento sem parar".
Misturando a canção com o cansaço das mesmices insolúveis, como que batidas no liquidificador, tem-se um momento de delírio de trazer o grito do espaço isolado para o espaço habitado, como que saindo do estômago feito uma bola espessa de ar e líquido estomacal prestes a jorrar pela boca, deixando um gosto amargo e a sensação de ânsia.
De repente a música é interrompida, a mistura é empurrada aparelho digestivo abaixo, e têm-se um despertar, como se voltasse de uma hipnose após o estalar dos dedos. Com a audição aguçada, chamando os olhos a abrir-se para fora novamente e sentir o mundo com novo ânimo em algumas dedilhadas de notas de confiança em si menor, depois de lembrada a frase que inspirava uma canção de entendimento, formando o prelúdio "para cada coisa há um tempo e para cada tempo há uma coisa", ouviu-se a conclusão de alguém que dizia "...devagar e com respeito".  

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Hoje o Pequeno Príncipe tentou ser Deus



De repente o pequeno príncipe voltou num cometa Harley para seu pequenino planeta solitário, sem a rosa com a qual compartilha e cuida, mas da qual arrancou por querer ficar consigo mesmo e só. Ele agora cuida apenas do próprio coração nada nobre. O pequeno príncipe tem um coração tão humano, mas tão humano que se deu conta de que agiu por ele não pela própria razão. E inconformado com sua medíocre maneira de agir, resistiu ao choro e o ignorou. Pensou sobre si mesmo e no momento em que não se deu conta de que estava a transformar-se num mero mortal que disse “eu te amo”, que apaixonou e acreditou e quis casar e se entregar a uma vida a dois. A dois, soa quase como a “dor”, mas não parou pra pensar e voou para fora, para o mundo dos terráqueos com seus conflitos existenciais. Decepção é a palavra que ele carregará para sempre em seu sobrenome.
Antes, pouco tempo antes, começou com uma dor da garganta para a cabeça, acumulando nos olhos até materializar-se em lágrimas densas e pesadas face abaixo. Não caem uma a uma, mas empurram-se sem a menor educação, influenciadas pela lei da gravidade que as joga contra o queixo e o peito.
A boca abre para deixar sair um grito, mas ao invés de libertá-lo, acaba engolindo mais dor; a dor da dúvida, do peso das escolhas, da incerteza nessa aposta de 50% em tudo.
Antes, pouco tempo antes, decidiu assumir um papel divino: usando todo seu poder celestial, resolver apagar da face da terra e da face do próprio mundo e da própria esfera cerebral e da órbita do coração, uma existência humana.
Mas como todo bom Deus iniciante, faz-se primeiro as tarefas pequenas e depois passa às grandes, quando já aprendeu a controlar os próprios poderes. E usando o que havia em mãos, apagou do celular quaisquer vestígios dessa existência.
Subiu o elevador da eternidade, determinado, e apagou as lembranças na memória do computador-extensão da própria memória. Usando toda a força acumulada, e sua divina capacidade, apagou fotos e fatos, apagou palavras e músicas, e tudo o que denotasse que algum dia houve uma vida além da própria, ocupando o mesmo lugar nos espaços do seu espaço.
Antes, pouco tempo antes, os passos eram acelerados e duros. O mundo ao redor parecia ignorar a presença ali transitando freneticamente sobre as listras brancas e sob a luz verde nos intervalos dos motores. Sentia que poderia cair a qualquer minuto, mas sabia que isso não aconteceria porque não se entregaria tão fácil para o mundo dos mortais. As pessoas ao redor pareciam não ter rosto, ou talvez as lágrimas comprimidas entre as pálpebras fazendo as vezes de barragem, estivessem desfocando  as feições. Pobres humanos em suas rotinas de uma vida pré-estabelecida, do nascimento até a morte, que em vão andam pós horário comercial.
Antes, pouco tempo antes, um ar gelado percorria a praça movimentada enquanto uma conversa tomava rumos sem sentido e meio desesperada em não sucumbir aos próprios argumentos. Fala-se sem entender bem o porque, sem colocar muita fé nas próprias palavras, mas sabendo que é preciso dizer, sem essa compreensão. Mas falar tudo não é o suficiente, nem tudo foi falado, e nunca terá como o falar, pois há sempre a fala como uma forma de segurar o tempo que resta antes do fim. Aquelas palavras rudes, trocadas num justificacionismo inquisidor dos atos alheios soavam ao longe enquanto faziam as vezes de mãos que seguravam desesperadamente as pernas antes de tentarem quaisquer movimentos de locomoção para fora dali.
Antes, pouco antes, o medo já era responsável pela maior parte dos pensamentos. Até então havia força acumulada de tempestades passadas das quais sobrevivera, mesmo que em copo d’água. As horas voando, tudo ao redor desabando em efeito dominó com final já conhecido. O último final de um não-começo; porque as pessoas, às vezes têm disso: alcançar o fim antes mesmo do início. E talvez seja até bom, principalmente para enganar-se a si mesmo, pois se existe o fim antes do início, quer dizer que não vamos sofrer, e tentaremos em vão esconder que o meio já era uma realidade quando o fim do início chegou. 
Antes, pouco tempo antes, ele jamais pensaria em passar por isso, mas já que passou, não abriria mão do que viveu fora do seu planeta. Mas entre viver fora dele com lembranças boas e ruins, prefere ficar quietinho dando voltas no próprio mundo, revivendo as lembranças boas do que nunca aconteceu.

domingo, 2 de outubro de 2011

Aprendendo a Aprender




E aí você aprende: aprende que pode cortar a língua quando for lamber a tampinha metálica do iogurte. Aprende que para aprender a ascender a trempe do fogão você terá que ser ágil – puxando a mão no nanosegundo entre o trepidar da chama do isqueiro e o momento em que o fogo sobe junto com o gás que sai -, para não queimar dedos e pelos.
Aprende a enfrentar uma gripe sozinho e conseqüentemente não depender dos mimos e dengos que lhe ofertam quando está acamado.
Você aprende a sentir medo, ou só sente o medo na proporção em que consegue agüentar enquanto estiver sozinho. Nossa mente tem dessas coisas, de ficar dosando tudo o que se sente, mesmo que pareça demais.
Aprende a cozinhar uma coisa ou outra e o básico. Mas aprende principalmente a driblar a própria fome, trocando uma refeição completa por um macarrão instantâneo e ainda deixando a panela, o talher e o prato na pia pra lavar depois. Barganha com as tarefas domésticas.
Logo a gente aprende que todo espaço externo não preenche o vazio interno que consome horas de martírio sobre as escolhas que em vão – quanto ao objetivo almejado - não levaram a um caminho muito longo.
Aprende que todo preenchimento interno é demais para o vazio. É muito vazio pra pouco vazio, ou pouco vazio pra muito vazio. Você aprende a sentir demais, ou menos, a querer demais ou menos, a tentar mais, ou menos. E nada, absolutamente nada nem tudo será capaz de suprir isso.
Você aprende que algumas pessoas estão dispostas a te ajudar, mas que principalmente e fundamentalmente é preciso entender que nesse caso o que vale é a intenção, e que uma ajuda não necessariamente muda os rumos da coisa, porém muda sua maneira de enxergar e distinguir quem está ao seu redor.
Dizem que é a vida que ensina, mas sei que você aprende no susto, no melhor sentido “toma que o filho é teu”, a pular no escuro e “puta que pariu”, sentir o mesmo que se sente quando num sonho estamos vivenciando uma queda no além. O frio na barriga, o calor nas mãos, o suor e muita adrenalina batida com medo, num drink de sensações.
Você aprende a pensar sobre porque arrumar sua cama todos os dias de manhã, sabendo que a desarrumará ao anoitecer, num processo repetitivo e para vida toda. E mais do que isso, aprende que no único dia em que você a deixa desarrumada para forçar uma mudança de hábito, aparece uma visita que você há muito esperava, e que te faz sentir vergonha do estado do seu quarto.
Aprende ainda que quando conhecemos verdadeiramente uma pessoa, ela provavelmente olhará para nosso estado de bagunça e tentará entender porque chegamos nesse ponto, ou em qual momento caiu a primeira meia no chão e lá ficou, abrindo caminho para as milhares de tralhas que espalharíamos quarto afora.
Você aprende que amar não é tudo, mas que tudo é amor. Respeito é amor, lealdade é amor, paciência, compaixão, paixão, caridade, afeto, carinho, sinceridade, e mais tantas outras palavras que denotam o que amar realmente significa, e que dizer “eu te amo” torna-se tão superficial quando não há prática de algumas delas. É a teoria aprendida, mas a prática não vivenciada.
Você aprende a aprender. A aprender que quanto mais se aprende, mais ainda há o que aprender. Aprender requer antes de tudo discernimento, pois num deslize ortográfico onde dobra-se a letra “e”, e junto com um pequeno desvio de caráter você deixará de aprender  e acabará por apreender sua própria vida.
No fundo, todo conhecimento aprendido deve ser passado adiante, para que não aprendamos a apreender de forma egoísta em função de um vazio que não se entende, já que a idéia de encarcerar coisas e pessoas é mais facilmente praticada do que a de libertá-las como um conhecimento que o vento dispersa aos lugares mais distantes e sempre volta quando este completa sua volta no planeta.