sexta-feira, 30 de março de 2012

Ai, tempo!



Ai, tempo!
Você que passa, mas é eterno.
Que vem no ritmo das nuvens carregadas do cinza-angústia com lágrimas que derramarão na próxima tempestade.
Que abrirá um sorriso amarelo que despontará numa gargalhada de um laranja abafado e ansioso.
Que às vezes sopra com raiva, puxando os cabelos com força tentando sacudir essa cabeça dura.
Que está em todo lugar, mas está mesmo entupindo meus relógios analógicos e digitais, e com sua arrogância altera meu relógio biológico, causando insônias.
Que testa minha paciência. Sabendo que eu não a tenho, e por isso você me testa cada vez mais e me deixa cada vez menos em vias de alcançar o que quero.
Que deixa essas feridas abertas doendo pra caramba, enquanto segue seu curso como se não tivesse o poder de acelerar essa cicatrização.
Que me faz matutar sobre cada situação que não teve um fim, e nas que foram finalizadas, tentando redesenhar um final que não termine.
Que me enche de dúvidas, das mais inquietantes às mais estúpidas, e isso é o suficiente para um martírio diário.
Que se renova a cada estação enquanto eu permaneço inerte à sua mudança, ainda sem entender se a minha deveria acontecer no seu ritmo.
Que cai despretensioso com a chuva fina de fim de tarde nos prados e campinas, orvalhando a grama e as plantas que crescem aparentemente alheias a ti.
Que cai pesado e cheio de angústias, mudando o tempo, tornando-se fechado, hostil e destruindo a esperança de um tempo melhor do que esse da chuva tempestuosa.
Que está em todo lugar, em todas as dimensões e nas mais variadas formas de vida, porém para cada um você se apresenta de uma maneira, ou cada um o vê da maneira que entende.
Que promete a cura de todas as lembranças ruins, e todos os sentimentos decadentes, mas essa promessa não consola nem momentaneamente, antes, causa desespero por não entender o ritmo da vida.
Que brinca com a nossa noção de tempo, passando rápido demais quando é bom demais, e devagar demais quando é chato demais.
Que eterniza a si mesmo em memórias desgastadas por uma arqueologia da saudade, que insistem em escavar cada canto da área das lembranças, descobrindo em meio à poeira, toda uma história de um tempo que não volta mais.
Que me deixa quando eu quero muito ir junto com você. E que, teimoso, me leva quando eu quero muito ficar.
Que discorda de mim em quase tudo. Que não respeita minha opinião e tem sempre a última palavra: calma!
Que me faz perder tempo pensando no tempo.
Ai, tempo!
Ai, tempo!
Ai de mim que mesmo te tendo, não te entendo. Talvez não estivesse atento, mas ainda desejo um momento de menos tormento!

quarta-feira, 21 de março de 2012

Insolito



Você chegou sem convite, e se convidou a ficar. Era noite fresca de verão de sábado e junto com a brisa tranquila vinha seu perfume de “fiori bianchi” em fim de tarde.
E tão italiana! Falando com voz maior que a estatura. Mas era voz que falava com vontade de palavra, com força em cada letra, tentando joga-las no mundo, gritar cada sentimento que explodia e vinha de um coração empoeirado, mas bem vivo.
Mais vivo ainda eram seus olhos graúdos, de um preto em tom espontâneo e com brilho clichê de quem vê um jardim orvalhado, com gosto de manhã, ensolarado.
E você com seu vestido branco florido que implorava por um rodopio que o inflasse em braços abertos, numa dança ritmada pelo embalo daquela brisa noturna tão familiar e do barulho que o amor faz quando tenta entrar sem muito estardalhaço, mas vez ou outra derrubando algumas caixas fechadas no coração ainda bagunçado da última mudança.
Eu com minha calça de linho preto e camisa amarelo-desgastado, boina cinza e pés descalços, um tanto cansados de andar na rotina, mas com cheiro de vinho em barril de carvalho, fermentando litros de sentimentos tintos, em um vermelho suado com gosto de lágrima recente.
Você com a cabeça pendendo pro lado, olhos fechados e sorriso rasgando os lábios “rossos” com desejo de um beijo de príncipe que desce do cavalo e estende a capa para que a “bella ragazza” não molhe os pés na poça. Girando, solta.
Eu com minha rispidez corriqueira, atento a cada movimento seu. Meio espantado com sua maneira de brindar “la vita” mesmo depois de tantos arranhões do tamanho dos joelhos, ainda com força para “ballare” com medo da queda, mas sem se ater a ela.
“Insolito” era a palavra que definia aquele encontro de dois mundos: o do amor em fase de maturação e o do “amore in fermentazione“.
Sofía que significando Sábia, também poderia ser Sofria ou Sorria, era uma “miscela” liquidificada com um gosto no final da garganta de inocente tentativa de redesenhar o mundo em traços e contornos sutis e bem desenhados.
Adan que nada significava, trazia em seu DNA inglês o que todos chamam de frieza e ele define como “medida”. Saber dosar a maneira como se apresenta sentimentalmente aos outros, já que nem todos estão preparados para sentimentos externos.
Mas foi de súbito que tudo aconteceu, como de súbito se morre, mas também se vive. Ela entrou para ficar, para sempre, mesmo que um dia distante, se houver distância, já que não há lei do amanhã. Sofía entrou meio desastrada, esbarrando nas quinas pontiagudas de um coração desconfiado, mas solta, livre, com medo, sem medo, doce, amarga, “imbarazzata”, mas pisando firme como quem deixa passos a serem seguidos.
-“Ciao”, calminha. Seca suas lágrimas, pequena. As coisas boas não são eternas, muito menos as ruins. Dizia Adan com convicção e sobrancelha erguida, ao que ela respondia:
-“Eu sou assim, você sabe! Tem coisa que não se explica”.
-“Cazzo”! Eu também sou o que sou.
-Então deita aqui do meu lado, encosta a cabeça no meu colo macio e fecha esses olhos castanhos. Vou acariciar seus cabelos lisos com as pontas dos meus dedos e cantarolar algumas canções da “nostalgia”.
- Cante seus segredos, cante suas dores, seus amores, seus passos, suas perguntas. Cante para que meus ouvidos encontrem a nota que falta para que eu cante também para você. Vim aqui para te encontrar, ninguém disse que seria fácil, nem que seria tão difícil, mas vamos.
-Você não sabe o quão amável você é! Queria dizer que preciso de você, e dizer que escolhi você para leva-lo pela única estrada que conheço e quero que me leve pela sua.
-Ei, psiu! Fala baixo pequena. Deixa que o amor sabe o caminho. Ele nos trouxe, e agora nos levará adiante, porque o amor não se classifica, ele é amor não importando entre quem, mas a maneira com que ele acontece. Então continue soprando no meu ouvido, quero dormir ouvindo “la dolce voce della vita”.
-Dorme com Deus.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Pourquoi



Porque eu te amo, não é segredo.
Porque eu não sei o que é o amor, e você sabe das minhas dúvidas.
Porque amor não se explica, e estou tentando explicar a mim mesmo.
Porque estou acordado 00:49 com insônia, não de sofrimento, mas de martírio.
Porque não há uma noite que eu não pense em você.
Porque eu me acho o mais idiota por fazer isso.
Porque eu me acho ainda mais idiota por não me permitir ser idiota.
Porque eu queria te incriminar para ter um motivo forte para um adeus sem lágrimas.
Porque mesmo distante você me faz bem. Mas eu não queria seu descaso em função da distância.
Porque um “eu te amo” às 23:56 me deixa sem lugar.
Porque um “eu te amo” às 23:56 não me deixa em lugar, me faz sumir, porque sem lugar eu já estou.
Porque a cama é grande demais todo dia.
Porque o cheiro da cama é o mesmo todo dia.
Porque os lençóis amassados tem um embaraço das minhas mãos e só.
Porque o despertador me acorda, mas a sua falta me adormece.
Porque eu sou insano, não sou?
Porque sou insano e você também.
Porque eu odeio-te por duvidar de mim.
Porque eu duvido de mim quando digo que te odeio.
Porque eu não sou romântico e estou forçando.
Porque posso ter a força que eu quiser.
Porque você não detém a verdade.
Porque eu não detenho a sua verdade.
Porque eu não vou ceder em muita coisa.
Porque você não vai mudar o que te torna você.
Porque as pessoas tem opinião para tudo.
Porque eu acho a opinião das pessoas um cu.
Porque ninguém sabe o que só eu sei.
Porque você não sabe o que eu sei sobre nós, pois você se negou a nós e se perdeu no seu eu.
Porque no meio do texto eu já encontrei motivos para te odiar para sempre.
Porque eu sou assim.
Porque você é assim.
Porque somos pra sempre assim.
Porque não precisamos de porque tanto quanto você os quer.
Porque passaremos para sempre com interrogações, mas o que muda é a quantidade delas que queremos responder, ou se vamos nos ater a elas quando não houver resposta.
Porque não há o que fazer, às vezes.
Porque não há mágica, mesmo desejando que ela existisse.
Porque poderia, sempre poderia, mas nunca é de verdade.
Porque o que é, era pra ser suficiente.
Porque o que é suficiente não serve pra ser.
Porque não queremos o suficiente.
Porque queremos cada vez mais.
Porque sempre haverão porquês.
Porque seu sei que você se esforçará para entender....
Pourquoi!

sábado, 17 de março de 2012

A Cidade-Fruta e o Sentimento-Fresco



Era, uma vez! Sim, era; ou não, não era, foi, a algum tempo atrás, um tempo tão distante que talvez as gerações mais antigas da sua família não guardem relatos de gerações anteriores a eles que viveram nesse lugar. No tempo de Roma. Sim, Roma, a cidade do sentimento verdadeiro, hoje conhecido como amor.
Pois é, ainda é uma história meio empoeirada e poucos relatos e documentos comprovam que a Roma que conhecemos foi apenas um desvio ortográfico e deveria mesmo se chamar Romã. Chegaram a essa conclusão depois de entender que o borrão de tinta sobre o “a” na verdade era o “til” que dava a entonação da palavra. E com a tão alardeada história da Roma que conhecemos, todos se esqueceram rapidamente da Roma verdadeira.
 A Roma perdida na memória era uma cidade ao contrário das cidades que conhecemos hoje, pode-se afirmar com convicção, que Roma era de trás pra frente.
Tente imaginar uma cidade cujo centro, o coração desse organismo, pulsando livre, sem muros, sem armas apontadas para fora do corpo. Nada de exércitos preparados para a guerra. Imagine que apenas existia o sentimento na forma mais pura, mais inocente, mais sincera.
Assim era Roma, totalmente diferente da Roma de hoje, que, além de estar ao contrário, perdeu toda a essência de lugar do outro.
A cidade perdida na memória se configurava e se desenvolvia na medida das experiências dos seus habitantes. Eram as pessoas que diariamente se entregavam à Roma em busca de erguer pilares que sustentassem os sonhos mais íntimos, capazes de transformar qualquer rotina chata em um dia-a-dia surpreendente. Mas o sonho, que hoje é individual e exige esforços conjuntos para a satisfação de um, quando em Roma, era feito por dois, para dois, compartilhado e vivido para satisfação mútua.
“Todos os caminhos conduzem a Roma”, porém as pessoas se perdem na solidão do medo e na mudez que impede a conversa sincera para que se chegue àquele lugar - ainda hoje. Sim, Roma existe, ao longe, quase perdida como uma Atlântida, mas dá para se chegar lá. Nunca conheci quem voltou para contar como é, porque é sempre assim com Roma, quem vai nunca volta, voltar é sempre um retrocesso quando o assunto é a Roma verdadeira.
E “quem tem boca vaia Roma”, deturpa sua verdadeira essência, pregando uma história inversa ao que o lugar realmente foi. E a mesma boca que vaia, é a que faz esse marketing enganoso de que Roma é isso ou aquilo, Roma é dessa ou daquela maneira.
Não se discute Roma, não se discute a história que ergueu a cidade e revolucionou a maneira de se relacionar com os outros. O lugar não está relatado em manuscritos, e não se sabe se houve algum dia uma forma de comunicação em linguagem oral, já que não encontraram quaisquer vestígios de um idioma próprio, desenhos ou maneiras racionais de documentar a existência de Roma a não ser por uma vaga lembrança de que a cidade era possível.
Imagine então que sem confirmação científica Roma parece distante, parece ficção, e fazer as pessoas acreditarem novamente na existência da cidade é quase uma tarefa de um deus, tipo Afrodite, quando por meio de um anjo com arco e flecha, solicitou que fosse construída uma fonte inesgotável bem no coração da cidade. Uma fonte que jorrasse em Roma para sempre.
Mas infelizmente o uso indiscriminado do precioso líquido, fez com que mesmo uma criação divina fosse transformada em ruínas, e o tempo, cobrindo de areia e história até não ser mais possível chegar nela para saciar a sede.
E hoje, vai mesmo a Roma que não tem boca seca, quem é mudo, quem tem apenas a linguagem dos sinais, dos gestos, das atitudes reais contra a palavra-mentira. Quem deseja saciar-se do que Roma tem a oferecer, e não do Pão e Circo que a Roma atual oferece para distrair seus habitantes sedentos pelo sofrimento alheio em prol do divertimento pessoal.
Mas acredite quando eu digo que Roma existe, assim como Deus existe, não da forma que conhecemos, mas de uma forma que ainda não experimentamos.
...Assim é Roma, o contrário do que lemos!

terça-feira, 13 de março de 2012

Não se Cozinha a Felicidade na Panela de Pressão



A felicidade em sua mais pura forma estava ali, acontecendo entre tomates vermelhos picados na tábua branca sobre a pia da cozinha, misturada ao cheiro de páprica doce e o barulho da panela de pressão que chiava alto.
Adan não sabia ao certo sobre o que vinha depois dessa cena, mas o que se seguiu durante seu acontecimento beirava o orgasmo, onde o corpo parecia tremer por dentro num estado de graça, como se fizessem cócegas nos órgãos mais sensíveis.
Não havia nada ali, a não ser uma pilha de louças para serem lavadas, milhares de ingredientes que juntos formariam pratos diversos em sabores experimentados na prática e com a falta de prática; mas também havia tudo, ou apenas essa sensação interna viciante, meio alucinógena, que não necessariamente o tirara da realidade, mas o deixara com a convicção de que era aquele o estado de consciência, de espírito, ou qualquer nome que se queira dar, que Adan queria permanecer pra sempre.
Era o alcance de uma busca desde que nasceu, de infame crença na possibilidade de ter-se descoberto o sentido da vida. Mas descobrindo ao acaso, sem forçar a barra, sem procurar, ele apenas veio no momento em que vivenciava uma de suas habilidades: a culinária.
O cansaço de um dia de trabalho típico de segunda-feira não foi o suficiente para aquietar as substâncias e energias que provocavam essa graça. Nem a cebola cortada causando um choro atípico. Nem todas as preocupações do mundo que ele carrega sobre si.
Mas tão logo percebeu o que acontecia, logo as cócegas cessaram, a sensação trêmula da falta de controle no bom sentido, já não era sentida e o que ficava além da lembrança das sensações provocadas, das partes atingidas por ume êxtase desconhecido era uma onda de bem-estar incalculável, mas não definida no momento como um estado de bem-estar, apenas vivido.
Os temperos se acomodavam perfeitamente no sabor do molho que cozinhava, liberando os odores de uma mistura que deu certo. A fome vinha sem ter como ser saciada pois já estava satisfeita, mas não causava mal, causava uma vontade de tudo, de que além do que se pode, se pode ir além. É um além que se configura como necessidade e não como excesso. Como uma receita que se cria a partir do desejo em usar ingredientes que vão das preferências às vontades de experimentar o novo.
A panela de pressão, agora calma, descansava da gritaria que fizera minutos antes. Já beirava a meia noite e o sono, que deveria ser o próximo da fila, não tinha dado nem as caras. A noite era de brisa fina com gosto de chuva de meio de março.
Sozinho ali naquele lugar que alugou para chamar de seu, Adan dividia o resultado de tudo isso em potes plásticos transparentes de tampa vermelha. Um a um os empilhava no freezer com cuidado para não derramá-los, espalhando por todo o refrigerador, comprometendo uma semana inteira de pequenas porções diárias de saborosas recordações.
Congelando-os, sabe Adan que não terão mais a consistência e o sabor do que é degustado fresco. Mas há uma maneira de se reviver os sabores mais marcantes, mesmo que se perca uma parte de suas características originais. Mesmo que a maioria delas se encontre congelada na memória.
Mas é possível matar a fome com sabores similares, até que se encontre novamente ao acaso, a combinação perfeita da receita da felicidade.