Ancorei em
algum ponto daquela costa rochosa. Não deu pra deixar o barco tão próximo da
margem e foi preciso entrar no mar e me molhar até a altura dos joelhos. A água
estava numa temperatura pouco agradável. Não me lembro bem se era fim de tarde
nublada, ou se era manhã fria de pouco sol, mas era tudo em tons de pedra, as
mesmas que cercavam aquela ilha inabitada.
Minha blusa
de lã era suficiente para proteger-me da brisa que insistia em jogar o líquido
contra o sólido. E por um momento eu vi minha vida da mesma forma: como se
todos os erros e quedas incidissem contra mim afim de tentar abrir brechas ou
dar uma nova forma ao meu aspecto inanimado.
Com a corda
nas mãos e os pés em terra (firme?), prendi o barco para que não fosse levado
sem rumo, como eu fui, até chegar aqui. Não queria ficar preso, náufrago das
desgraças e alimentando-me das minhas próprias dores.
Aportar no
desconhecido que me habita não necessariamente significa me perder do que eu
sou, ao contrário, era o encontro com aquilo que foi levado e que flutuou até
ser jogado contra a ilha – que agora tenho a oportunidade de explorar.
Foram dez
minutos de caminhada em subida leve, pisando sobre uma vegetação rasteira. Pequenas
e minuciosas flores brancas arriscavam nascer e ser peculiares nesse ambiente
hostil e pincelado com sobretons de cores agonizando.
O mar ficara
para trás, mas sua presença era constante, inclusive no gosto forte que deixava
no ar, que nessa altura se autodenominava vento. Ao longe era possível ver uma
espécie de habitáculo feito com materiais locais. Mas quem habitaria o
inóspito, o inócuo, o nada?
Não que ali
não houvesse algo para oferecer, mas parecia limitado demais pra causar algum
desejo de permanência eterna.
À medida que
caminhava, o habitáculo parecia se tornar morada, e em determinado momento
ficou de tamanho suficiente para acomodar confortavelmente um único morador.
Um pequeno
muro de pedras serpenteava - ainda que com muitas interrupções - do entorno da
casa até uns quinze metros em minha direção. Morria assim, sem muitas
explicações, assim como mantinha uma altura que dava margem para questionamentos
que iam da real necessidade de tanto trabalho para não obter a proteção
necessária, ou se ele foi sendo desfeito na medida em que seu morador entendeu
que não tinha do que se defender ali.
Do fim do
muro até a entrada da casa a vegetação cedeu à insistência de pés que
provavelmente pisavam-na diariamente, deixando à mostra uma camada de terra de
um tom calcário. O caminho que resultava desse percurso, pedia gentilmente que
eu tirasse aqueles sapatos molhados e dobrasse a barra da calça de uma maneira
que não encostasse no chão.
Senti um
pouco de calafrio, mas logo uma paz tomou conta de mim. Caminhei devagar,
porque uma voz sussurrava para não correr, e de quando em quando, fechava os
olhos do corpo para ver pela janela da alma.
Raios de sol
frágeis transbordaram sobre as nuvens e derramaram gentis sobre aquela ilha. A
incidência da luz tornou clara a visão do entorno, e o que parecia impossível
ser visto, mostrou-se fácil e palpável.
Na porta da
casa notei que era preciso entrar com cuidado, atento ao que me esperava, pois
aquilo que fui buscar ali só deveria ser achado por mim. Ninguém jamais poderia
ser meu porto seguro, a não ser eu mesmo!
Dei o
primeiro passo e entrei! Quando estava dentro, a porta se fechou – mas eu tenho
a chave - e poderei sair sempre que me sentir cansado e reprimido, afinal,
espaço tem para que eu ande longe, mas sempre às margens de mim mesmo.