quarta-feira, 24 de julho de 2013

Poema de Leve




Hoje eu acordei querendo ser leve,
Leve essa tristeza e um pouco do peso nos ombros,
Pra eu ser leste e nascer com o sol todos os dias.
Mas eu sou só isso que leste

Hoje eu acordei querendo ser neve,
Que num ano cai breve, noutro demora
Se acumula em milhões de flocos
E quando já não suporta, derrete

Hoje eu acordei querendo ser transição de fase
Condensar-me e cair em gotas
E sair desse gueto que ma faz sólido
Escorrer insípido, incolor e inodoro

Hoje eu acordei querendo ser palavra que sai
E que lava a alma de quem proferiu e de quem escutou
Palavra que não feriu, curou!
Alma que voou em forma de som

Hoje eu acordei querendo ser acordo
Firmado com o meu direito de ser
E de crer nesse ser que é, que foi, que sou
Sou hoje, sou voo, sou longe


terça-feira, 23 de julho de 2013

IceScream



Acho que a vida é esse sorvete que a gente quer tomar com muito cuidado para não se lambuzar, porque é boa até certo ponto. Segurando a “casquinha” já meio mole meio crocante, enquanto o calor do dia se manifesta em sabores sólidos se liquefazendo, que escorrem pelos dedos grudando o guardanapo. Se pinga, a gente desvia o corpo, e se não pinga, a gente dança com a casquinha para lá e para cá, enquanto as gotículas se formam, causando aquele desespero materializado em sensação de “pele doce” desconfortável.
É o desejo interno do sabor do sorvete versus o medo de experimentar no externo a sensação que o mesmo causa. É tentar experienciar a vida com apenas um dos sentidos, ou ignorar as contradições que fazem parte da mesma, mergulhando no idealismo do sorvete que não derrete e pode ser delicadamente e demoradamente saboreado.
E o que é o sorvete senão a crença na possibilidade de tentar alterar a temperatura ou o estado do corpo? Refrescar-se por inteiro por meio do paladar! Lamber planos e desejos e, às vezes, ver sonhos derreterem sob um dia escaldante. Se fartar de colheradas de possibilidades com caldas de êxtase que alteram um pouco o sabor do dia, melhorando-o. É jogar confeitos que acrescentem cor à textura escura do sabor de chocolate meio amargo.
Mas a verdade é que o sorvete talvez seja uma das sobremesas refrescantes mais banalizadas, assim como a vida. Todo mundo que eu conheço ama ou odeia, dificilmente há um meio termo. Com ou sem casquinha, quem gosta, gosta, quem não gosta não se arrisca.
E pra ser sorvete, tem que ser sólido-cremoso. Ninguém gosta de sorvete derretido, pra ser líquido deve ser misturado com outros ingredientes e virar Milk Shake – que é a vida pra ser ingerida pelo canudo.
E como o sorvete, há quem reinvente os sabores e receitas, métodos de preparo e de servir, na tentativa de agregar valor e despertar desejo pela vida. Como também há tentativas de abolir a simplicidade da bola no copinho e pazinha com gosto de madeira, por louças com design e ingredientes caros.
A vida sólida vai sendo modelada em um boleador que a faz girar até encontrar seu ponto de início: um ciclo se fecha! E vai se acumulando em bolas sobrepostas de sabores bons e ruins, conhecidos e novos, pressionadas para não desmoronar.
Servida, deve ser degustada em determinado tempo, senão o que a sustenta deve no mínimo ser capaz de reter sua mudança de estado.

Mas ainda sobre sorvetes e vida, para ser bom mesmo, de verdade, vai lambendo sem medo e deixa escorrer! Porque quando acabar o sabor, é só lavar as mãos e experimentar uma combinação nova.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Porto seguro




Ancorei em algum ponto daquela costa rochosa. Não deu pra deixar o barco tão próximo da margem e foi preciso entrar no mar e me molhar até a altura dos joelhos. A água estava numa temperatura pouco agradável. Não me lembro bem se era fim de tarde nublada, ou se era manhã fria de pouco sol, mas era tudo em tons de pedra, as mesmas que cercavam aquela ilha inabitada.
Minha blusa de lã era suficiente para proteger-me da brisa que insistia em jogar o líquido contra o sólido. E por um momento eu vi minha vida da mesma forma: como se todos os erros e quedas incidissem contra mim afim de tentar abrir brechas ou dar uma nova forma ao meu aspecto inanimado.
Com a corda nas mãos e os pés em terra (firme?), prendi o barco para que não fosse levado sem rumo, como eu fui, até chegar aqui. Não queria ficar preso, náufrago das desgraças e alimentando-me das minhas próprias dores.
Aportar no desconhecido que me habita não necessariamente significa me perder do que eu sou, ao contrário, era o encontro com aquilo que foi levado e que flutuou até ser jogado contra a ilha – que agora tenho a oportunidade de explorar.
Foram dez minutos de caminhada em subida leve, pisando sobre uma vegetação rasteira. Pequenas e minuciosas flores brancas arriscavam nascer e ser peculiares nesse ambiente hostil e pincelado com sobretons de cores agonizando.
O mar ficara para trás, mas sua presença era constante, inclusive no gosto forte que deixava no ar, que nessa altura se autodenominava vento. Ao longe era possível ver uma espécie de habitáculo feito com materiais locais. Mas quem habitaria o inóspito, o inócuo, o nada?
Não que ali não houvesse algo para oferecer, mas parecia limitado demais pra causar algum desejo de permanência eterna.
À medida que caminhava, o habitáculo parecia se tornar morada, e em determinado momento ficou de tamanho suficiente para acomodar confortavelmente um único morador.
Um pequeno muro de pedras serpenteava - ainda que com muitas interrupções - do entorno da casa até uns quinze metros em minha direção. Morria assim, sem muitas explicações, assim como mantinha uma altura que dava margem para questionamentos que iam da real necessidade de tanto trabalho para não obter a proteção necessária, ou se ele foi sendo desfeito na medida em que seu morador entendeu que não tinha do que se defender ali.
Do fim do muro até a entrada da casa a vegetação cedeu à insistência de pés que provavelmente pisavam-na diariamente, deixando à mostra uma camada de terra de um tom calcário. O caminho que resultava desse percurso, pedia gentilmente que eu tirasse aqueles sapatos molhados e dobrasse a barra da calça de uma maneira que não encostasse no chão.
Senti um pouco de calafrio, mas logo uma paz tomou conta de mim. Caminhei devagar, porque uma voz sussurrava para não correr, e de quando em quando, fechava os olhos do corpo para ver pela janela da alma.
Raios de sol frágeis transbordaram sobre as nuvens e derramaram gentis sobre aquela ilha. A incidência da luz tornou clara a visão do entorno, e o que parecia impossível ser visto, mostrou-se fácil e palpável.
Na porta da casa notei que era preciso entrar com cuidado, atento ao que me esperava, pois aquilo que fui buscar ali só deveria ser achado por mim. Ninguém jamais poderia ser meu porto seguro, a não ser eu mesmo!

Dei o primeiro passo e entrei! Quando estava dentro, a porta se fechou – mas eu tenho a chave - e poderei sair sempre que me sentir cansado e reprimido, afinal, espaço tem para que eu ande longe, mas sempre às margens de mim mesmo.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Outonos




Sei lá, hoje eu acordei outono. Meu amor se desfolhou como árvore que se entrega às inevitáveis ações do tempo, as estações. O inverno vem ao longe ao meu encontro, e sabendo que durante um tempo aparentemente pré-determinado tudo ficará cinza e frio, meu amor verde e vivo se esgotou em folhas secas. Levadas pelo vento não se sabe até onde, deixaram para traz os galhos nus e sem vida, dos quais eu insisto em negar no espelho o reflexo dessa nova fisionomia.

Sei lá, minhas raízes são profundas e eu sei que não morrerei nas estações frias, mas o inverno da alma é sempre mais rigoroso que qualquer outro inverno, e eu sinto que a seiva que ainda corta meus veios centenários, petrifica ou escorre como lágrimas que não chegam a derramar a verdadeira dor da sua falta.

Sei lá, me veio agora a lembrança de um outro dia, que com uma faca, cortaram meu tronco ainda cheirando a madeira de lei, fizeram um coração meio torto e escreveram nele duas iniciais. A incisão mesmo, não doeu, mas doeu e dói olhar aquela cicatriz e saber que ela é uma memória exposta de dias frondosos que nunca mais vivi.

Sei La, eu sempre fui de outonos, mas nunca imaginei viver como eles, assim, me desfazendo sem rumo, levado pelos ventos que me sussurram que é preciso quase morrer para viver novamente, ainda mais forte. Que meu amor que cai próximo será adubo para meu futuro florescimento. E o que cai ao longe, adubará novas árvores.

Sei La, eu não quero mesmo ficar dando frutos, nem quero virar uma cadeira de sala de jantar. Quero apenas que me deixem crescer até o meu limite, até o limite do suportável. Talvez, como já vi tantas outras árvores por aí, ao chegar a determinado tamanho, eu não suporte o peso da minha própria existência e caia sozinho, com a sensação de dever cumprido.

Sei lá, são esses sentimentos de outono, mas agora já é inverno. Perder a noção do tempo, torna tudo um pouco mais fácil. Sou o atraso, o passado recente, a lembrança que insiste em querer voltar a ser vivência.

Sei lá!