sábado, 22 de dezembro de 2012

Voando em Ciclos



Não houve muito tempo pra pensar:
- “Eu decidi que serei feliz agora não importando de que forma”. Gritava para si mesmo misturando lágrimas de um choro desses de babar com espasmos de sorrisos desconexos.
Quem conhece pelo menos uma partícula sentimental de Adan jamais conceberia a ideia de que ele finalmente estivesse se dispondo ao mundo de possibilidades que um fim poderia trazer.
Era dezembro do meio pro fim e próximo de seu aniversário. Era tudo tão incerto, tão efêmero, e a felicidade daqueles dias vinha em doses diárias de sonhos cada vez maiores e isentos de matéria palpável. Mas que se dane, viver é experimentar o sabor de terra que cada tombo proporciona. É com a lembrança desse gosto horrível na boca que os próximos passos serão dados com maior cautela, e também indicará que é preciso mudar de rumo. Às vezes quando a terra não é suficientemente ruim para saborear, tende-se a dar com a cara em algum asfalto, ou paralelepípedo, ou alguma pedra no caminho que além do tropeço, acerta um dos lábios.
A hora era a de recomeço diante do fim do ano, do fim do mundo, do fim de um amor e principalmente do fim dos seus 25 anos. Adan estava decidido a fechar de maneira adulta cada um desses ciclos, e iniciar novos e maiores, onde a volta pudesse ser completada após um percurso demorado e cheio de grandes imprevistos. Nada de bom em ser racional e previsível, o bom mesmo está na surpresa que o amanhã sempre traz.
- “Chega de ciclos iniciados com ansiedade adolescente, que apenas me deixam mais tonto e me derrubam como se estivesse rodopiando numa brincadeira de girar até não aguentar”.
Ali ele entendeu sua própria necessidade de voar e de enfim abrir essas asas que há muito estavam paradas, atrofiando. Um retorno aos primórdios da sua formação de personalidade e construção de valores o empurrava a retirar a máscara que o emprestaram para interpretar uma vida e um papel que nunca foram dele. Chega de uma autodepreciação imposta e absorvida como se a felicidade estivesse em ser outro. É o fim para o recomeço!
Recomeçar requer força de vontade, força bruta, forçar a alma a mudar de casa. Recomeçar requer abandonar certas palavras – amigos, hábitos, gostos, certezas – e abraçar novas – incerteza, dúvida, medo, esperança. É reciclar algumas palavras descartadas e relocar palavras por ordem de prioridade.
Recomeçar é estender a própria mão a si mesmo e dizer “apenas vem”. Não importa se esse “ir” está assim tão distante.
Vá Adan, voe sem olhar para trás. Conquiste o mundo que sempre foi seu nos mais tórridos sonhos naquele pequeno quarto. Abra de novo as asas da imaginação e explore esse mundo com um céu que foi feito para voar alto. Tão alto quanto se possa transformar o mais alto prédio em uma formiga pequenininha. E volte quando sentir que já foi longe demais. Há sempre o ninho que acolhe seu medo de terras distantes.
E não se preocupe em saber o caminho de volta, há sempre ventos que sopram para os quatro cantos da terra sussurrando a direção da felicidade.

domingo, 14 de outubro de 2012

Lobos de Chocolate



Não sou chefe de cozinha, ainda. Mas acredito que toda receita que se preze deve sempre partir de sua mais profunda raiz. Toda raiz contem os nutrientes necessários para fazer a receita crescer e se tornar o que tem de se tornar: algo apreciável aos olhos, ao paladar, às narinas e claro, ao tato. E também aos ouvidos, porque não?
Quando se fala em crescimento e associa-se à culinária, automaticamente lembra-se de bolo, sim, essa palavra com tantas variações e acompanhamentos, seguida ou não de “s”, capaz de despertar o lobo faminto que existe dentro de cada um.
Ainda não conheci quem não gostasse dessa receita tão “feijão com arroz”. Tem quem faça, tem quem compre, quem só coma, quem só confeite e principalmente quem só dê o bolo, sempre.
Todo bom bolo deve partir da sua receita básica: trigo, ovos, manteiga, leite, fermento, etc. Criaram variações substituindo leite por água, outra não contém ovos, outras não levam manteiga, mas o bolo “bolo” que crescemos comendo tem que ser feito com a receita completa.
Uma receita para ser completa deve seguir à risca tudo que é pedido, sem concessões ou trocas, pois mesmo assim a maior variação de todas acontece na decisão do preparo: de quem foi a ideia de fazer o bolo – pessoa envolvida. Eu jamais me esquecerei das inúmeras vezes que vi minha avó fazendo toda aquela “bolança” no forno à lenha da fazenda, nas férias. Porém havia uma receita específica que passávamos meses ansiando comer. Foi uma receita passada pela avó dela para a mãe, e da mãe pra ela, e que infelizmente as filhas não perpetuaram, e que será pra sempre preparada na memória, pelo menos.
É o tal “Bolo de Arroz”, que de tão especial, só é feito uma vez por ano, com arroz “novo” colhido na hora, a primeira remessa de toda a colheita. Essa é a diferença primordial para o sabor tão específico. Assim que o arroz é colhido, leva-se ao pilão para socar e fazer aquele “trigo de arroz” e vai-se acrescentando mais ingredientes peculiares: abóbora cozida, rapadura, leite, queijo, etc. Descrevendo assim, parece meio salgado, mas não é. E é um bolo tão interessante que se leva dois dias no preparo. Sim, pra quem esperou um ano inteiro, dois dias a mais serão de pura expectativa e de observação do comportamento de cada etapa enquanto “descansa” lentamente a tal da massa amarelinha tingida pela abóbora.
Dois dias depois, assar em altas temperaturas e deixar o lobo comer o bolo quente, com bastante café colhido e torrado lá na fazenda mesmo, passado em coador de pano, na beira do fogão à lenha.
Até aí parece tudo normal, mas o bolo consiste no cerne de toda a vivência que acontecerá em torno de sua receita durante o tempo de preparo. Nas expectativas, nas conversas, na ajuda solicitada, no medo de não dar certo, dentre tantas situações que vão acorrendo e onde o “comer” não é o fim, mas uma parte do caminho.
Quer raiz mais profunda do que a de um bolo com ingredientes tão frescos, naturais e preparados por quem soube acolher a importância da tradição que é transmitida como um legado a ser respeitado durante toda a vida?
Que me perdoem as mais renomadas “pâtisseries” mundo afora, mas não há chocolate belga, laranja quincan em calda ou qualquer mascarpone que desperte a mesma sensação de mordiscar uma fatia de bolo como os que são feitos pelas mãos das pessoas que amamos e que nos amam.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Vapor Barato



Era uma noite serena, das milhares de noites serenas que já tivera em algum momento – sem sucesso ao tentar recordar quando fora a última -, pós tantas noites de preocupação, de olhar para o escuro, perdido, sem saber se estava olhando pra fora ou pra dentro, mas fitando o que está além do que está, tentando marcar de maneira temporal, quando é que estar lá seria não estar aqui – também sem sucesso.
Eram tantos insucessos sucessivos na vida de Adan que, vez ou outra tentava voltar para dentro de si mesmo procurando aquele lugar distante de onde brota uma bica d’água de esperança, quase em vias de secar. Quisera talvez economizar um pouco, ou tentar métodos de conscientização de si mesmo, mas a esperança sempre fora eterna, mesmo que morta, ela está para além de qualquer energia que se dissipa no cair das dificuldades absortas pela tórrida e abafada realidade.
A despeito de tantos tombos, vez ou outra uma combinação $anta que mistura preto básico com vermelho em cadarços brancos, fivelas brilhantes e botões caseados por mãos anônimas mundo afora, onde talvez a etiqueta trouxesse o suor gélido e triste de quem manuseia o corpo ressequido da esperança feita de escravidão em linhas e agulhas sem fim.
Nada além do Adan em suas sempre encantadoras sobrepeles sobrepostas, bem cerzidas e alinhadas – em ricas de giz ou de gesso – e sobretudo, os sobretudos grandes, imponentes, dobrando o tamanho e o valor de uso e de venda da imagem do que não se imagina.
É essa serena compreensão trazendo a imagem de uma nova rotina, sem medo, ou com um medo que poderia ser outro sentimento que não causasse o desconforto do desconhecido, pois há um escuro fora, ou há dentro, há de se preocupar com a falta de visibilidade, mas há de se entender que enquanto há esperança, há visibilidade, mesmo meio turva.
Ao final da noite Adan desejou uma banheira quente, sem sais - não carecia tanto luxo - apenas desejava repousar as costas cansadas do peso da realidade da vida e da aspereza do piso que os pés pressionavam todos os dias com força. Pressionavam no passado, pois a realidade de agora em diante seria de um pisar amortecido por novos caminhos sinuosos, sem a pressão do desconforto de uma caminhada imposta e pouco tranquila.
É o ritual da água que lava o que fica de pegajoso e indesejado. Água que benze, que tinge, que límpida, torna-se suja ao lavar, mas não fica, vai embora e renova-se, como se renovam as doses de automedicação, agora controlada.
Nunca será fácil para Adan, nem pra ninguém que anda como anda Adan: sempre tateando a falta de clareza que se impõe sobre si mesmo, e sem compreender que é ele mesmo que o faz. Poderia afirmar que Adan em certos momentos entende que ser humano é ser isso que foi dito aí em cima. Porém se fosse fácil definir, automaticamente, compreender-se-ia esse mistério que é viver.
Viver o hoje-agora seria estar deitado no insípido quente e com vapor no espelho onde se escreve qualquer coisa e se ri da letra feia que ficou e logo é apagada. É mergulhar sozinho no fundo do inodoro e esperar que o corpo dê sinais de fraqueza para emergir desejando a realidade palpável. É deixar-se misturar e tornar-se parte do incolor que mesmo amorfo, e com um aspecto instável, consegue transformar com toda fluidez, a sólida pedra que no caminho, quis bloquear o curso natural da vida insuficiente.

domingo, 20 de maio de 2012

Sobretons



Aqui estamos, sentados frente a frente, enquanto você saboreia delicadamente o seu cigarro importado. Há uma luz baixa que bem devagar vai contando-nos o que acontecerá em seguida, o que não queremos admitir.
Naquele toca discos que eu trouxe da minha última viagem à Lituânia, tem uma música melancólica de Ane Brun que debocha do nosso silêncio adolescente e imaturo;
“Você se foi Alfonsina com sua solidão, que poemas novos você foi buscar? Uma voz antiga de vento e sal te sacode a alma e a está levando. E assim você vai como aos sonhos: adormecida, Alfosina, vestida de mar.”
-Não me recordava desse seu casaco conhaque-amnésia. Quando foi que o comprou?
-Na semana passada, na loja do Sebastian.
-E há quanto tempo vocês estão se vendo?
-Nos vendo?
-Sim, quero saber desde quando vocês estão saindo!
-Por acaso esse seu sapato azul-abstração é novo?
-Não, mas há algum tempo ele estava esquecido. A gente esquece algumas coisas importantes e se distrai com outras quaisquer. Outro dia me peguei procurando por aquele livro de cabeceira que sempre líamos antes de dormir “Como Salvar Seu Casamento em 3 Capítulos”
-Eu o dei pra Guiná há dois dias. Ela me contou enquanto esfregava o chão da cozinha que seu marido agora deu pra cismar com o trajeto que ela faz de casa para o trabalho.
-Ah, sim! Uma pena. Faltava dois capítulos pra gente terminar, apesar de ter achado o segundo parágrafo do prefácio um tanto quanto blazé. Compro outro?
-Não. Por hora não posso me preocupar com isso. Há memórias embaçadas que deixaram um vácuo nessa casa.
-Como por exemplo o problema do aquecedor à gás que herdamos da sua família, e cujo técnico que veio olhar nos disse: “Troca. Vocês não conseguirão manter essa relação aquecida, as peças desse aparelho estão desgastadas e fora de padrão, não dá nem pra reformar”.
-Você não entende que é presente, que tem sentimento e tem história? Não dá pra jogar tudo fora, não dá pra descartar tudo aquilo que já não é suficiente. Você e sua mania de comprar.
-Tá sentindo esse cheiro? Você esqueceu o jantar no forno?
-Por que você não presta atenção em mim? Pela milésima vez o coração deverá ser bem passado, e que as batatas tem que ficar em tom de caramelo-amargo.
-A propósito, tomaremos um tinto ou um branco?
-Nenhum, continuaremos a refeição com o que já estamos tomando: água sem graça.
-Não gosto desse sofá. Não consigo me sentir confortável com essa textura de couro preto-repulsivo.
-Troca!
-O couro ou o sofá?
-Tanto faz, não sentamos nele. Talvez devêssemos deixar esse pedaço da sala sem nada.
-Vazio?
-Porque não? Há momentos em que não precisamos preencher os espaços só pra que não existam espaços.
-Você também acha que precisamos de espaço?
-Sempre soube disso. Nunca entendi a sua insistência em ter tudo no lugar e tão perfeito. Por mais que pintemos esse apartamento, sempre haverá por trás das camadas de tinta uma parede rebocada e cheia de fios imundos que precisam de manutenção, pois estão fadados ao desgaste.
-Ponho a mesa?
-Seguindo a ordem da esquerda para a direita: taça de água, de vinho tinto, champanhe e taça de vinho branco.
-Me deixa terminar primeiro o cigarro. Quando foi a última vez que nos sentamos à mesa?
- Não me lembro. Te sirvo e você me serve?
-Melhor ligar pra algum delivery e pedir sobremesa.
-Pede torta, combina mais com a noite.
-Troco pra quanto?
-Vou pagar no cartão...

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Feira da Laranja


Hoje eu acordei sentimento. Com a cor de um sorriso largo, pintei um bom dia com uma tinta tão fluida que escorreu pelas bordas da manhã nublada; inundei todo meu quarto e de imediato, escorrendo escada abaixo, pingou na cabeça de quem saia apressado pra trabalhar. Imaginei-me então andando pelas ruas, tomando o ônibus e entrando no edifício de escritórios onde trabalho, com os pés alaranjados manchando com pegadas fluorescentes o chão por onde passo.
Todo mundo me olhando com aquelas galochas pretas imundas, denunciando meu trajeto rotineiro, interrompido pelo momento em que sou levado numa única rua.
Minha alegria tem uma cor quente, e fugas, ela é grande, ocupa espaço; por isso vem ao mundo quase num parto normal: faço força, respiro fundo, tento esquecer a dor e ela nasce resmungando no início. Mas nasce sadia e escandalosa, num choro de vida.
Hoje eu desejei que no meu caminho houvesse flores espontâneas. Flores que não tivessem sido plantadas por um desejo de aprisionar sua beleza em um jardim intacto. Queria aquele jardim que a natureza cria, onde as flores e a grama crescem lado a lado, se tocando delicadamente, respeitosamente e sem o toque humano. Eu desejei por todo o trajeto ser tomado da beleza natural da vida que cresce ciclo perfeito. E quis que um perfume nunca sentido antes inebriasse o vento de fim de outono, cujas folhas enquanto caíssem cantassem histórias em notas de “dó” a “si”.
Hoje eu desejei fechar os olhos, e deixar que a única maneira de ver a beleza do mundo fosse visitando minha caixa particular de memórias boas. E todas elas com um sabor diferente, com um aroma diferente e uma textura única. Algumas me fazendo espirrar com o pó acumulado e, confesso, me surpreendendo quando percebo que não vivia a nostalgia desse pedaço de tempo a quanto tempo mesmo? Nem sei! Faz um bocado de tempo que me esqueci de ser feliz assim tão grandão.
Hoje eu desejei que pudesse ter força de vontade para manter o pensamento sem me importar com o que poderia me importunar. E para isso eu me entregaria a uma sinestesia possível apenas nesse estado de anestesia sentimental. A felicidade atacando cada músculo do corpo, cada vértebra, e sentindo que a qualquer momento posso gozar explosivamente, no mais literal interpretar do termo. Hoje eu desejei que pudesse ser assim.
Hoje eu desejei que minha felicidade pudesse ser clara, pudesse ser bem facinha, e pudesse ser dia. Que ela viesse como num nascer do sol onde eu sentiria cada fresta do meu coração sendo rasgada pela luz, abrindo caminho em meio à escuridão das angústias. E que quando ela fosse embora, fosse como o pôr do sol, que inicia a escuridão deixando uma imagem de que amanhã isso será possível novamente, pois tudo sempre vai, mas tudo sempre vem. Nada só vai, e nada só vem.
Hoje eu desejei que a felicidade fosse assim, de um jeito que quem já viveu conseguirá entender. Que mesmo passado um dia inteiro de situações pesadas, ela foi maior, uma felicidade grandona para dividir com meio mundo de gente. E a outra metade receberá felicidade da metade que eu distribuí. Vem cá todo mundo! Corre que hoje tem feira de coisas que dinheiro não compra. E imagina se cada um no seu dia feliz for distribuir a própria felicidade nas esquinas das calçadas cheias?
Hoje eu desejei que fosse agora para sempre. Porque para sempre será agora, mas o agora que para sempre será, não é o agora que agora é. E que todos os agora que virão, sejam para sempre como o agora que se vai, ao longe...e vem, perto! Hoje é o que eu desejo.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Quando me Cansei de Verdade, Amei-me


E chega uma hora que você cansa e o cansaço te amadurece. Você passa a ser mais seletivo com tudo na vida e percebe que não tem que despender grades esforços para conseguir aquilo que deseja. Você percebe que toda energia que gasta eventualmente resolvendo problemas, na verdade deveria estar sendo gasta prevenindo os mesmos, pois toda dor de cabeça começa quando você passa a esperar demais que as coisas se resolvam de alguma forma. Porém só há uma forma das coisas se resolverem: não tendo coisas a resolver.
E o cansaço é bom por isso, porque você passa a selecionar melhor quem ficará ao seu redor e exclui gente que da “pitaco” demais em sua vida. Você cansa das pessoas que estão sempre nas beiradas do seu caminho apontando como ele deveria ser percorrido.
Você exclui gente negativa e que só vê o lado ruim de tudo, ou que acha que tudo que você tem é mais que suficiente pra você, e que ainda falam “você já tem tudo, não precisa de mais nada”.
E quão nada difícil é eliminar gente que acha que o crescimento é insuficiente para todos, e para tal quer que somente haja crescimento em si mesmo. São pessoas tão inseguras e tão vazias de si, que para não ser engolido, você precisa se afastar.
 E como é bom quando você passa a rir de todo esse bando de santos do pau oco que se acham os donos da palavra Divina. E o melhor é que você ri e Deus ri junto, pois não há piada mais cômica do que a máscara religiosa.
E como é bom eliminar sonhos intransponíveis, que consomem horas de martírio sobre como alcançá-los. E consomem horas de sono em intermináveis insônias causadas por cobranças temporais sobre como chegar lá.
Você aprende com o cansaço que não precisa ir pra lá, porque o lá estará sempre depois, mas aqui, está sempre agora. E viver o presente é realmente como um presente: nem sempre é tão emocionante, nem sempre supera as expectativas, às vezes decepciona, pois você ganha o que não queria.
E que alegria é tirar de você o fardo de ser isso ou ser aquilo, porque esperam comportamentos configurados com um desejo alheio. É de uma satisfação sem tamanho poder olhar para frente, para sua frente no espelho, mirar nos próprios olhos e dizer de boca cheia: “você é incrível”.
Cansar faz você se amar.
E quanto maior o cansaço, menor a vontade de depender de coisas e pessoas que dão trabalho demais, que são cheias demais de “não-me-toque”, que exigem pisar sempre sobre ovos. É bom ligar o foda-se e fazer aquilo que você quer, sem precisar ficar balizando se o outro está satisfeito com suas escolhas. Sabe gente calculista demais, que pensa demais no que dizer, em como dizer, tira da sua vida, procure gente simples, maleável, que fala o que pensa e deixa tudo claro.
Cansar faz você namorar consigo mesmo. Faz você se levar para passear, para ler novos livros, ouvir músicas inusitadas e conhecer gente comum como a gente, que cansou e aprendeu o que agora você está aprendendo.
Cansar faz você precisar de apenas uma mão, a sua mão, para contar nos dedos dela as pessoas que realmente valem a pena deixarem habitar seu coração apaixonado. Porque amor próprio quando se aprende, não se esquece.
Não há como não amar a sinceridade, e o amor próprio só nasce quando você é sincero sobre você mesmo.

domingo, 8 de abril de 2012

{Paz}coa



Houve um dia uma infância! Nela o mundo era menos áspero e rolar no chão não causava nada além de feridas temporárias nos joelhos e cotovelos e um medo imensurável na hora de passar mertiolate.
Foi um tempo onde os sabores eram sempre interessantes demais, onde tudo que era novo era uma novidade sem tamanho, de encher os olhos e de aumentar a crença no desconhecido, no mistério, na fantasia.
Houve um tempo de mágica em todo lugar. Tínhamos todos superpoderes e capas voadoras de toalha de banho ou de mesa, espadas de cabo de alguma coisa e castelos imensos habitados por reis malvados e dragões de duas cabeças cuspindo fogo.
Nossos cobertores eram muito mais resistentes que armaduras de cavaleiros ou esses coletes chinfrins de policiais de hoje em dia. Os cantos da cama eram perigosos para dormir perto e não se ousava deixar alguma parte do corpo para fora dessa proteção para que nenhuma mão de monstro tocasse você.
Houve milhares de natais onde o Papai Noel era só uma lembrança não vivida, cravada no coração por histórias contadas por toda a família durante a ceia. E foram incontáveis vezes em que a ansiedade em ficar acordado esperando pra ver o tal velhinho era tanta que o sono chegava dando uma rasteira e que a primeira coisa que vinha ao acordar no dia seguinte era um sentimento de perda, de mais um ano sem conseguir pegá-lo no flagra, na árvore, depositando os presentes. Só queria dar um abraço macio e dizer: obrigado por estar aqui todo ano.
Mas vinha depois a páscoa com seu bando de coelhos botando ovos de chocolate, confeitados, embalados e escondidos nos jardins da casa da fazenda. Espertinhos! Mas esse era só um detalhe. Tinha também a missa do domingo, a cestinha da coleta que era uma honra segurar, e um dia quem sabe, maior, entrar na igreja segurando o vinho e a água, ou o pão enorme e com os galhinhos de trigo. Todos olhando pra você, vergonha! E depois era o almoço, e o fuzuê de família grande. Ainda não havia as divisões religiosas que romperam com essas dias harmoniosos.
Porque as abstrações da realidade, os dogmas e as tradições mantinham o verdadeiro espírito familiar que essas datas traziam: reunião, partilha, troca.
Quanta expectativa no preparo desses momentos. Foram datas criadas por nossos ancestrais e vieram carregadas de histórias, lapidadas com o respeito por aqueles que se foram, mas continuaram vivos nesses ensinamentos que chegaram até minha geração e pararam por aí.
O Deus da minha época de infância entendia essa “mentira” de forma tolerante, inocente e congregava com ela, pois meus familiares quando contavam essas histórias para mim não o faziam com intuito de prejudicar-me ou enganar; eles contavam como uma maneira intrínseca de dizer que o amor estava em todo lugar e era capaz de tudo, inclusive de transformar dentes debaixo do travesseiro em moedas de ouro, bastava acreditar.
E nós éramos crianças felizes de verdade. Acreditávamos nessa felicidade que só um lar carregado de encontros calorosos, de abraços cheios de saudades e pedaços de bolo com sabor de fogão a lenha, nada artificiais, feitos por mãos habilidosas e enrugadas de uma vovó que soube a receita da família verdadeira.
E hoje, aqui, sozinho, num mundo hostil e sem fé em nada, de crianças de shopping center com decoração de árvores falantes e coelhos rosados, me pego agradecendo ao Deus daquela época, antes de se subverter em preconceito e intolerância religiosa. Antes de se tornar um Deus fútil e heterogênio, que só se revela por meio de atitudes excludentes, e que acredita que a felicidade de nossos pequenos está nessa verdade incontestável de esfregar um mundo sem mágica na infância deles.
Eu acreditei um dia que o Senhor era mais do que isso que é hoje: mais do que dízimo de domingo e pregações gritadas, mais do que a literalidade da palavra que pregam dizendo que é revelação sua. Que decepção vê-lo falar a tanta gente incapaz de sequer entender a verdadeira essência da sua palavra.
Deus, na minha infância o Senhor era mais onipresente, onipotente, onisciente. E se hoje ainda creio em Ti, é porque creio no que me foi ensinado lá atrás, pois foram ensinamentos com objetivos de conhecimento.
O mundo perdeu toda sua magia, todo seu encanto, e o Senhor se transformou num reles e bobo juiz de almas.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

"Cartaomante"



Listando possíveis coisas que irão acontecer para que talvez assim eu reconheça que sou um ser humano clichê saindo de uma relação clichê.
Porque já é previsível que vou fuçar todos os lugares virtuais por onde você tem andado, na tentativa de conseguir algum indício, prova ou argumento que justifique para mim mesmo a merda que você é por deixar alguém como eu. São nesses momentos que preciso massagear meu ego, levantar minha autoestima e reconhecer que sou foda, por isso cuidado com o que posta, diz ou pensa, pois com toda certeza vou usar tudo contra você. E pelo resto da vida porque sou amargo e guardo rancor... e amor!
Também já sei décor que você sabe que eu vou agir assim e como consequência bolará situações para gerar sentimentos de ciúmes, raivas, e provocações que hipertrofiem seu ego atrofiado. Mas como já sei disso, dessa vez vai ser diferente, vou assistir a tudo e ignorar, porque mudei. Mudei enquanto quiser estar mudado, porque dependendo do que fizer, eu me “desmudo” num instante.
E também vou fingir para sempre que você não existe mais ou nunca existiu. E toda essa tentativa de te apagar da face da terra resultará na ocupação de cada canto dela por uma lembrança sua. Mas minha mente é dessas, ela inventa as coisas para me testar de vez em quando.
Então, sobrevivendo até aqui depois de passar por isso, vou sair à noite pro melhor restaurante, com minha melhor roupa, meu perfume mais cheiroso e desfrutando dos melhores drinques, dos sabores mais requintados e caros, esbanjando poder e evolução na arte de escolher o que a vida tem de melhor, pois você é passado, é da época em que eu me contentava com pouca coisa e achava que essa simplicidade era o segredo da felicidade.
Mas como diz Seu Jorge e Ana Carolina “é isso aí, como a gente achou que ia ser: a vida tão simples é boa, QUASE sempre”.
Você vai perguntar para todo mundo por onde ando, o que tenho feito, com quem saio. Já adianto que estarei mais onipresente do que nunca. Ocupando cada possível lugar público, me cercando de amigos e gente nova que preencha esse buraco de rato que ficou quando você saiu.
Me pego pensando agora, porque não chamei a detetização para eliminá-lo quando tive chance; mas ainda dá tempo de colocar pelo menos uma ratoeira perto de onde você mora.
E vai... vai que a terra é redonda! Hoje você está lá na frente, cabeça erguida, peito estufado e com ar de quem soube bem o que fez; mas amanhã, quando tiver quase completado sua volta da vitória, descobrirá que nessa iminência de alcançar o fim, me verá ao longe à sua frente, cabeça erguida, peito estufado e pleno de que o universo conspirou ao meu favor quando permitiu que você esquecesse da circunferência da vida e acabasse esbarrando atrás de quem você jurou estar à frente.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Ai, tempo!



Ai, tempo!
Você que passa, mas é eterno.
Que vem no ritmo das nuvens carregadas do cinza-angústia com lágrimas que derramarão na próxima tempestade.
Que abrirá um sorriso amarelo que despontará numa gargalhada de um laranja abafado e ansioso.
Que às vezes sopra com raiva, puxando os cabelos com força tentando sacudir essa cabeça dura.
Que está em todo lugar, mas está mesmo entupindo meus relógios analógicos e digitais, e com sua arrogância altera meu relógio biológico, causando insônias.
Que testa minha paciência. Sabendo que eu não a tenho, e por isso você me testa cada vez mais e me deixa cada vez menos em vias de alcançar o que quero.
Que deixa essas feridas abertas doendo pra caramba, enquanto segue seu curso como se não tivesse o poder de acelerar essa cicatrização.
Que me faz matutar sobre cada situação que não teve um fim, e nas que foram finalizadas, tentando redesenhar um final que não termine.
Que me enche de dúvidas, das mais inquietantes às mais estúpidas, e isso é o suficiente para um martírio diário.
Que se renova a cada estação enquanto eu permaneço inerte à sua mudança, ainda sem entender se a minha deveria acontecer no seu ritmo.
Que cai despretensioso com a chuva fina de fim de tarde nos prados e campinas, orvalhando a grama e as plantas que crescem aparentemente alheias a ti.
Que cai pesado e cheio de angústias, mudando o tempo, tornando-se fechado, hostil e destruindo a esperança de um tempo melhor do que esse da chuva tempestuosa.
Que está em todo lugar, em todas as dimensões e nas mais variadas formas de vida, porém para cada um você se apresenta de uma maneira, ou cada um o vê da maneira que entende.
Que promete a cura de todas as lembranças ruins, e todos os sentimentos decadentes, mas essa promessa não consola nem momentaneamente, antes, causa desespero por não entender o ritmo da vida.
Que brinca com a nossa noção de tempo, passando rápido demais quando é bom demais, e devagar demais quando é chato demais.
Que eterniza a si mesmo em memórias desgastadas por uma arqueologia da saudade, que insistem em escavar cada canto da área das lembranças, descobrindo em meio à poeira, toda uma história de um tempo que não volta mais.
Que me deixa quando eu quero muito ir junto com você. E que, teimoso, me leva quando eu quero muito ficar.
Que discorda de mim em quase tudo. Que não respeita minha opinião e tem sempre a última palavra: calma!
Que me faz perder tempo pensando no tempo.
Ai, tempo!
Ai, tempo!
Ai de mim que mesmo te tendo, não te entendo. Talvez não estivesse atento, mas ainda desejo um momento de menos tormento!

quarta-feira, 21 de março de 2012

Insolito



Você chegou sem convite, e se convidou a ficar. Era noite fresca de verão de sábado e junto com a brisa tranquila vinha seu perfume de “fiori bianchi” em fim de tarde.
E tão italiana! Falando com voz maior que a estatura. Mas era voz que falava com vontade de palavra, com força em cada letra, tentando joga-las no mundo, gritar cada sentimento que explodia e vinha de um coração empoeirado, mas bem vivo.
Mais vivo ainda eram seus olhos graúdos, de um preto em tom espontâneo e com brilho clichê de quem vê um jardim orvalhado, com gosto de manhã, ensolarado.
E você com seu vestido branco florido que implorava por um rodopio que o inflasse em braços abertos, numa dança ritmada pelo embalo daquela brisa noturna tão familiar e do barulho que o amor faz quando tenta entrar sem muito estardalhaço, mas vez ou outra derrubando algumas caixas fechadas no coração ainda bagunçado da última mudança.
Eu com minha calça de linho preto e camisa amarelo-desgastado, boina cinza e pés descalços, um tanto cansados de andar na rotina, mas com cheiro de vinho em barril de carvalho, fermentando litros de sentimentos tintos, em um vermelho suado com gosto de lágrima recente.
Você com a cabeça pendendo pro lado, olhos fechados e sorriso rasgando os lábios “rossos” com desejo de um beijo de príncipe que desce do cavalo e estende a capa para que a “bella ragazza” não molhe os pés na poça. Girando, solta.
Eu com minha rispidez corriqueira, atento a cada movimento seu. Meio espantado com sua maneira de brindar “la vita” mesmo depois de tantos arranhões do tamanho dos joelhos, ainda com força para “ballare” com medo da queda, mas sem se ater a ela.
“Insolito” era a palavra que definia aquele encontro de dois mundos: o do amor em fase de maturação e o do “amore in fermentazione“.
Sofía que significando Sábia, também poderia ser Sofria ou Sorria, era uma “miscela” liquidificada com um gosto no final da garganta de inocente tentativa de redesenhar o mundo em traços e contornos sutis e bem desenhados.
Adan que nada significava, trazia em seu DNA inglês o que todos chamam de frieza e ele define como “medida”. Saber dosar a maneira como se apresenta sentimentalmente aos outros, já que nem todos estão preparados para sentimentos externos.
Mas foi de súbito que tudo aconteceu, como de súbito se morre, mas também se vive. Ela entrou para ficar, para sempre, mesmo que um dia distante, se houver distância, já que não há lei do amanhã. Sofía entrou meio desastrada, esbarrando nas quinas pontiagudas de um coração desconfiado, mas solta, livre, com medo, sem medo, doce, amarga, “imbarazzata”, mas pisando firme como quem deixa passos a serem seguidos.
-“Ciao”, calminha. Seca suas lágrimas, pequena. As coisas boas não são eternas, muito menos as ruins. Dizia Adan com convicção e sobrancelha erguida, ao que ela respondia:
-“Eu sou assim, você sabe! Tem coisa que não se explica”.
-“Cazzo”! Eu também sou o que sou.
-Então deita aqui do meu lado, encosta a cabeça no meu colo macio e fecha esses olhos castanhos. Vou acariciar seus cabelos lisos com as pontas dos meus dedos e cantarolar algumas canções da “nostalgia”.
- Cante seus segredos, cante suas dores, seus amores, seus passos, suas perguntas. Cante para que meus ouvidos encontrem a nota que falta para que eu cante também para você. Vim aqui para te encontrar, ninguém disse que seria fácil, nem que seria tão difícil, mas vamos.
-Você não sabe o quão amável você é! Queria dizer que preciso de você, e dizer que escolhi você para leva-lo pela única estrada que conheço e quero que me leve pela sua.
-Ei, psiu! Fala baixo pequena. Deixa que o amor sabe o caminho. Ele nos trouxe, e agora nos levará adiante, porque o amor não se classifica, ele é amor não importando entre quem, mas a maneira com que ele acontece. Então continue soprando no meu ouvido, quero dormir ouvindo “la dolce voce della vita”.
-Dorme com Deus.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Pourquoi



Porque eu te amo, não é segredo.
Porque eu não sei o que é o amor, e você sabe das minhas dúvidas.
Porque amor não se explica, e estou tentando explicar a mim mesmo.
Porque estou acordado 00:49 com insônia, não de sofrimento, mas de martírio.
Porque não há uma noite que eu não pense em você.
Porque eu me acho o mais idiota por fazer isso.
Porque eu me acho ainda mais idiota por não me permitir ser idiota.
Porque eu queria te incriminar para ter um motivo forte para um adeus sem lágrimas.
Porque mesmo distante você me faz bem. Mas eu não queria seu descaso em função da distância.
Porque um “eu te amo” às 23:56 me deixa sem lugar.
Porque um “eu te amo” às 23:56 não me deixa em lugar, me faz sumir, porque sem lugar eu já estou.
Porque a cama é grande demais todo dia.
Porque o cheiro da cama é o mesmo todo dia.
Porque os lençóis amassados tem um embaraço das minhas mãos e só.
Porque o despertador me acorda, mas a sua falta me adormece.
Porque eu sou insano, não sou?
Porque sou insano e você também.
Porque eu odeio-te por duvidar de mim.
Porque eu duvido de mim quando digo que te odeio.
Porque eu não sou romântico e estou forçando.
Porque posso ter a força que eu quiser.
Porque você não detém a verdade.
Porque eu não detenho a sua verdade.
Porque eu não vou ceder em muita coisa.
Porque você não vai mudar o que te torna você.
Porque as pessoas tem opinião para tudo.
Porque eu acho a opinião das pessoas um cu.
Porque ninguém sabe o que só eu sei.
Porque você não sabe o que eu sei sobre nós, pois você se negou a nós e se perdeu no seu eu.
Porque no meio do texto eu já encontrei motivos para te odiar para sempre.
Porque eu sou assim.
Porque você é assim.
Porque somos pra sempre assim.
Porque não precisamos de porque tanto quanto você os quer.
Porque passaremos para sempre com interrogações, mas o que muda é a quantidade delas que queremos responder, ou se vamos nos ater a elas quando não houver resposta.
Porque não há o que fazer, às vezes.
Porque não há mágica, mesmo desejando que ela existisse.
Porque poderia, sempre poderia, mas nunca é de verdade.
Porque o que é, era pra ser suficiente.
Porque o que é suficiente não serve pra ser.
Porque não queremos o suficiente.
Porque queremos cada vez mais.
Porque sempre haverão porquês.
Porque seu sei que você se esforçará para entender....
Pourquoi!

sábado, 17 de março de 2012

A Cidade-Fruta e o Sentimento-Fresco



Era, uma vez! Sim, era; ou não, não era, foi, a algum tempo atrás, um tempo tão distante que talvez as gerações mais antigas da sua família não guardem relatos de gerações anteriores a eles que viveram nesse lugar. No tempo de Roma. Sim, Roma, a cidade do sentimento verdadeiro, hoje conhecido como amor.
Pois é, ainda é uma história meio empoeirada e poucos relatos e documentos comprovam que a Roma que conhecemos foi apenas um desvio ortográfico e deveria mesmo se chamar Romã. Chegaram a essa conclusão depois de entender que o borrão de tinta sobre o “a” na verdade era o “til” que dava a entonação da palavra. E com a tão alardeada história da Roma que conhecemos, todos se esqueceram rapidamente da Roma verdadeira.
 A Roma perdida na memória era uma cidade ao contrário das cidades que conhecemos hoje, pode-se afirmar com convicção, que Roma era de trás pra frente.
Tente imaginar uma cidade cujo centro, o coração desse organismo, pulsando livre, sem muros, sem armas apontadas para fora do corpo. Nada de exércitos preparados para a guerra. Imagine que apenas existia o sentimento na forma mais pura, mais inocente, mais sincera.
Assim era Roma, totalmente diferente da Roma de hoje, que, além de estar ao contrário, perdeu toda a essência de lugar do outro.
A cidade perdida na memória se configurava e se desenvolvia na medida das experiências dos seus habitantes. Eram as pessoas que diariamente se entregavam à Roma em busca de erguer pilares que sustentassem os sonhos mais íntimos, capazes de transformar qualquer rotina chata em um dia-a-dia surpreendente. Mas o sonho, que hoje é individual e exige esforços conjuntos para a satisfação de um, quando em Roma, era feito por dois, para dois, compartilhado e vivido para satisfação mútua.
“Todos os caminhos conduzem a Roma”, porém as pessoas se perdem na solidão do medo e na mudez que impede a conversa sincera para que se chegue àquele lugar - ainda hoje. Sim, Roma existe, ao longe, quase perdida como uma Atlântida, mas dá para se chegar lá. Nunca conheci quem voltou para contar como é, porque é sempre assim com Roma, quem vai nunca volta, voltar é sempre um retrocesso quando o assunto é a Roma verdadeira.
E “quem tem boca vaia Roma”, deturpa sua verdadeira essência, pregando uma história inversa ao que o lugar realmente foi. E a mesma boca que vaia, é a que faz esse marketing enganoso de que Roma é isso ou aquilo, Roma é dessa ou daquela maneira.
Não se discute Roma, não se discute a história que ergueu a cidade e revolucionou a maneira de se relacionar com os outros. O lugar não está relatado em manuscritos, e não se sabe se houve algum dia uma forma de comunicação em linguagem oral, já que não encontraram quaisquer vestígios de um idioma próprio, desenhos ou maneiras racionais de documentar a existência de Roma a não ser por uma vaga lembrança de que a cidade era possível.
Imagine então que sem confirmação científica Roma parece distante, parece ficção, e fazer as pessoas acreditarem novamente na existência da cidade é quase uma tarefa de um deus, tipo Afrodite, quando por meio de um anjo com arco e flecha, solicitou que fosse construída uma fonte inesgotável bem no coração da cidade. Uma fonte que jorrasse em Roma para sempre.
Mas infelizmente o uso indiscriminado do precioso líquido, fez com que mesmo uma criação divina fosse transformada em ruínas, e o tempo, cobrindo de areia e história até não ser mais possível chegar nela para saciar a sede.
E hoje, vai mesmo a Roma que não tem boca seca, quem é mudo, quem tem apenas a linguagem dos sinais, dos gestos, das atitudes reais contra a palavra-mentira. Quem deseja saciar-se do que Roma tem a oferecer, e não do Pão e Circo que a Roma atual oferece para distrair seus habitantes sedentos pelo sofrimento alheio em prol do divertimento pessoal.
Mas acredite quando eu digo que Roma existe, assim como Deus existe, não da forma que conhecemos, mas de uma forma que ainda não experimentamos.
...Assim é Roma, o contrário do que lemos!

terça-feira, 13 de março de 2012

Não se Cozinha a Felicidade na Panela de Pressão



A felicidade em sua mais pura forma estava ali, acontecendo entre tomates vermelhos picados na tábua branca sobre a pia da cozinha, misturada ao cheiro de páprica doce e o barulho da panela de pressão que chiava alto.
Adan não sabia ao certo sobre o que vinha depois dessa cena, mas o que se seguiu durante seu acontecimento beirava o orgasmo, onde o corpo parecia tremer por dentro num estado de graça, como se fizessem cócegas nos órgãos mais sensíveis.
Não havia nada ali, a não ser uma pilha de louças para serem lavadas, milhares de ingredientes que juntos formariam pratos diversos em sabores experimentados na prática e com a falta de prática; mas também havia tudo, ou apenas essa sensação interna viciante, meio alucinógena, que não necessariamente o tirara da realidade, mas o deixara com a convicção de que era aquele o estado de consciência, de espírito, ou qualquer nome que se queira dar, que Adan queria permanecer pra sempre.
Era o alcance de uma busca desde que nasceu, de infame crença na possibilidade de ter-se descoberto o sentido da vida. Mas descobrindo ao acaso, sem forçar a barra, sem procurar, ele apenas veio no momento em que vivenciava uma de suas habilidades: a culinária.
O cansaço de um dia de trabalho típico de segunda-feira não foi o suficiente para aquietar as substâncias e energias que provocavam essa graça. Nem a cebola cortada causando um choro atípico. Nem todas as preocupações do mundo que ele carrega sobre si.
Mas tão logo percebeu o que acontecia, logo as cócegas cessaram, a sensação trêmula da falta de controle no bom sentido, já não era sentida e o que ficava além da lembrança das sensações provocadas, das partes atingidas por ume êxtase desconhecido era uma onda de bem-estar incalculável, mas não definida no momento como um estado de bem-estar, apenas vivido.
Os temperos se acomodavam perfeitamente no sabor do molho que cozinhava, liberando os odores de uma mistura que deu certo. A fome vinha sem ter como ser saciada pois já estava satisfeita, mas não causava mal, causava uma vontade de tudo, de que além do que se pode, se pode ir além. É um além que se configura como necessidade e não como excesso. Como uma receita que se cria a partir do desejo em usar ingredientes que vão das preferências às vontades de experimentar o novo.
A panela de pressão, agora calma, descansava da gritaria que fizera minutos antes. Já beirava a meia noite e o sono, que deveria ser o próximo da fila, não tinha dado nem as caras. A noite era de brisa fina com gosto de chuva de meio de março.
Sozinho ali naquele lugar que alugou para chamar de seu, Adan dividia o resultado de tudo isso em potes plásticos transparentes de tampa vermelha. Um a um os empilhava no freezer com cuidado para não derramá-los, espalhando por todo o refrigerador, comprometendo uma semana inteira de pequenas porções diárias de saborosas recordações.
Congelando-os, sabe Adan que não terão mais a consistência e o sabor do que é degustado fresco. Mas há uma maneira de se reviver os sabores mais marcantes, mesmo que se perca uma parte de suas características originais. Mesmo que a maioria delas se encontre congelada na memória.
Mas é possível matar a fome com sabores similares, até que se encontre novamente ao acaso, a combinação perfeita da receita da felicidade.


quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Dois ou Um



E de agora em diante vai ser assim durante um tempo que não consegui medir, nem prever, nem sequer calcular mesmo colocando todas as probabilidades de coisas que a vida poderia fazer e o universo conspirar para que esse período tivesse data marcada.
Mas não tem, que saco (pra não dizer porra ou puta que pariu). Não tem um mísero manual de comportamento sobre como lidar com os “entre momentos”, a não ser o do amigo que tenta ofegante, em 12 voltas na praça à noite, mostrar que há sempre dois caminhos e que um não necessariamente extingue o outro, apenas vão a direções opostas, até em determinado momento se cruzar novamente para o entroncamento ou a confluência rápida.
Então dona vida, já está escrito que muita coisa acontecerá. Coisas que talvez não quisesse imaginar, mas que consigo fingir não existir nos momentos em que estarei em público ou publicando. Não preciso demonstrar a fragilidade que todos nós temos e que vem no DNA humano. Todos já sabem, para quê deixar explícito?
Comecei a notar que o relógio e todos os do mundo se uniram para passar devagar. Desconfio que o Sr. Tempo, não sei porquê cargas d’água, não vai com a minha cara solitária, ou ele é do tipo que só marca as horas no ritmo do compasso do coração que bate coreografado. E o meu agora bate, ou pelo menos eu acho que ainda bate. Se bem que não o ouço faz um tempo e parece que agora então ele nem está aqui dentro... enfim, se ele bate, agora bate em novos passos que são inventados em tempo real (vez ou outra em conflito com os passos do desespero angustiante em 1, 2, medo, 3, 4, medo e gira para a esquerda). É a dança da vida que acontece sem nenhum ensaio e por isso, tantos tropeços, tornozelos torcidos, joelhos ralados e dores de cabeça em viradas sucessivas.
Dois pra lá, dois pra cá, dois pra lá, dois pra cá, até o cansaço tomar conta e alguém decidir parar de dançar. Apertaram o “stop” do som que outrora trouxe a emoção do encontro e da condução dos corpos soltos no palco do amor. Nem na ponta dos pés mais para tentar o equilíbrio, fica apenas o barulho dos passos que ao longe ainda marcam a caminhada em direções opostas e os suspiros da fadiga, da exaustação e perda de fôlego por tanta dedicação na tentativa de jamais errar.
Sem ritmo, sem tempo marcado, sem contagem de passos, lá vamos nós dançando com a vida, entregue às suas loucas coreografias desajeitadas, meio lerdos sem entender muito bem se é para conduzirmos ou apenas tentar imitar os passos que ela vai desenhando à frente.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Meu Big Bang Nas Palavras de Lora C.



Sou complicado!
Constatação eterna a que me nego aceitar ser verdadeira. Mas sim, sou complicado mais que todo mundo, mais que tudo no mundo, mais que tentativa de conversar com surdo-mudo sem dominar linguagem de sinais.
E não é um desabafo, é admitir o que se é, quando se sabe que se é. E claro, na minha visão da complexidade do meu próprio ser, sou o mais dos mais, o que está acima de todos, sou o pai da complicação. Por quê?
Não sei, e se soubesse não seria tão complicado quanto sou. Mas sou, e de tão complicado, não consigo explicar-me. Ou se tento, me perco na tentativa de entender onde está a ponta dessa linha embolada e cheia de nós.
E vou explodir! Sim, sou um homem-bomba prestes a algum atentado contra mim mesmo. Minha cabeça é uma bomba preta de desenho animado com um pavio longo e embolado, aceso e que irá queimar até o “boom”.
Vou explodir a qualquer momento. Corram todos para longe de mim, sou uma ameaça pra sociedade “normal” e com suas vidas “normais”. Que trabalham e que seguem sua rotina clichê. Sou a complexidade explosiva do drama em intervalos irregulares.
Sabe meu nome? Drama. Meu nome é drama. É drama sim e sou complicado por chamar drama de domingo, drama de segunda, drama do penso, logo complico. Mas meu drama não é meu, é um drama consequência da complicada maneira de existir na qual estou. Essa maneira meio homem-bomba acuado, querendo voltar atrás.
Não posso voltar porque já ascendi o pavio, risquei o fósforo com as mãos trêmulas, quase deixando a caixinha cair, no momento em que a cabeça do palito pressionava a superfície áspera da lateral da embalagem. E então ascendi, ascendi para uma escala evolutiva onde não há como voltar, estou num plano do qual preciso transpor para o próximo. E a explosão é a maneira de se chegar lá. Não há como criar um universo novo e em expansão sem uma explosão catastrófica num primeiro momento.
Não há caos sem o verbo e não há nada antes do verbo. Tudo está a partir dele, “explodir”, depois o caos, depois a expansão eterna para a evolução necessária até atingir o infinito.
E para além do infinito, quando este não for mais suficiente e não conseguir conter a eterna expansão. Então será a compressão, e também a compreensão.
Sou complicado, mas compreendo que não da para não ser assim. Contenho em mim toda complexidade universal da explosão catastrófica. Mas estou prestes a atingir o infinito, e a formar um universo próprio composto de milhares de partículas descendentes de mim.
É como se me despedaçasse para multiplicar minhas possibilidades particulares em partículas soltas que atingem distâncias cada vez maiores e jamais imaginadas.
Mas me preparo para o fim que dará início a um novo eu. Me preparo por entender que, não cabendo dentro de mim, me dispersarei para cada vez mais longe, para uma eminente força capaz de impulsionar novas ideias, novas vivências, novos caminhos.
Meus pedaços irão para novos mundos e meu pequeno caos se tornará uma força maior que o universo que hoje parece maior que eu.


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

E Foi Assim Que Eu Te Inventei



E foi assim, da maneira mais ridícula, clichê, banal e da qual sempre hostilizei qualquer outro ser humano que a praticasse, que aconteceu comigo: um amor à primeira vista!
Só de olhar eu soube que te amei, mas foi um amor só de olhar!
E foi o meu amor que eu inventei, instituí e quis que fosse, porque no meu coração eu mando. Comigo não tem essa de ser vítima das peripécias desse órgão que não se contenta em executar a única função da qual está estabelecido: bombear sangue. Nele eu reciclo os valores, os sentimentos, as carências, e uso como bem entendo. Às vezes economizando, às vezes gastando de maneira desregrada, mas amando, amando da forma que entendi que se ama.
Mas foi mesmo assim, foi bem assim que aconteceu, eu inventei esse amor por você da mesma maneira que inventei esse medo de me entregar. Sempre que posso faço dos meus sentimentos um jogo de tabuleiro: pulo algumas casas, volto outras, burlo as regras e roubo o quanto posso. Sim, eu roubo!
E minto! Minto que não consigo viver sem você, minto que posso viver sem você, minto que a vida é fácil, que sou forte e minto o contrário. É tudo mentira, até eu mesmo! Mas é mais fácil ser e não ser. É mais fácil a liberdade de ir e vir, porque eu quero ir quando quiser ir e voltar quando quiser voltar. Sem precisar só ir ou só vir.
Mas te amo banal, te amo de maneira completamente dispensável, e é na futilidade dos excessos que se configuram os sentimentos reais da mentira necessária. Mas quem senão eu mesmo, pode dizer que meu amor-mentira não vale a pena?
Quem pode dizer que estou errado, que estou sendo sacana, te usando, me usando, inventando argumentos para satisfazer meus insaciáveis desejos de você. De querer te engolir e te deixar ser devorado pelo meu suco gástrico amargo. Te deixar afogar um pouco no estômago para suprir meu desejo sádico de te ver sofrer um pouquinho. Não é maldade, mas é gostoso estar no seu controle.
Viu como eu invento meus desejos, meu amor-sofrimento. Eu invento como um artista que recria o mundo chato deixando-o divertido. Quero um amor-abstrato, pintado na fúria da discussão ciumenta, do cheiro do sexo safado, do beijo proibido na rua vazia de madrugada. Seja essa realidade blasé, eterna em sua concepção efêmera. Pense o que quiser sobre mim, mas não questione meus princípios, meus motivos, minha irrealidade peculiar em te desejar como um escravo desse querer bipolar.
Me ofenda com palavras duras, difíceis e discursos elaborados. Vou rir de você, da sua seriedade com uma coisa tão simples como nosso amor. Vai gritar que eu sou insano, sou infantil, sou irresponsável. Seu ódio vai me chamar de desgraçado, de vagabundo, de puto e me mandar pro inferno.
E que eu vá pro lugar que você me manda, mas que eu volte do inferno da paz para o inferno da sua companhia! Porque é o nosso amor-fogo, nosso amor-ódio, nosso amor-amor que movimenta essa doença chamada relacionamento.
Não me rotule de nada! Não me nomeie como amante, amigo, amado. Me diga que sou pra você, e apenas sou, não importando o que “ser” significa para nós.
Porque é para nós que toda essa história de altos e baixos se reescreve. Não é para ninguém que nos lê à distância, indignados com nossa forma de viver esse amor-bizarro. É nossa arte egoísta, pintada subliminar para que apenas nós dois entendamos.
E se você não ler tudo isso que eu inventei, é porque provavelmente você também já foi “desinventado”. Não se assuste, você não é irreal, mas é real somente para mim.
Então finja que estou certo para que eu não precise matá-lo mais vezes e renascê-lo no âmago da minha solidão, como um abajur aceso quando o escuro causa medo. 

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Dar Nome aos Bois III - Subjetividade x Justificacionismo



Nesse terceiro capítulo, pesquisando um pouco sobre subjetividade e experiência dentro do contexto do porque das definições e rótulos, encontrei um texto de Adolfo Beria di Argentine chamado: A Síndrome da Subjetividade, do qual transcrevo alguns trechos.
Em geral o texto abre aspas quanto à subjetividade, mas mais do que tratar dela, o texto talvez esteja focado na questão das escolhas  - que é completamente subjetiva quando feita de maneira pessoal -, em relação ao sofrimento ou da própria subjetividade enquanto justificativa de "a vida é minha e ninguém tem nada a ver com isso", ou ainda "gosto cada um tem o seu", ou "é aminha opinião".
"Ao procurar compreender as razões profundas pelas quais a sociedade atual tem tanta aversão ao sofrimento, parece-me válido afirmar que tais razões se encontram na perda da virtude da paciência: a capacidade de suportar as tensões intermediárias da vida. (...)a sociedade moderna aprisionou-se numa opção sem saídas: bem-estar pleno ou a morte. Ou, em outras palavras, já não somos suficientemente fortes para suportar as tensões intermediárias:
- Um casamento não pode ter problemas: ou é maravilhoso, ou se desfaz;
- Um trabalho não pode ter suas dificuldades: ou é gratificante, ou muda-se de emprego;
- Um amizade não pode ter momentos difíceis: ou é total, ou torna-se indiferença ou ódio;
(...)não estamos mais habituados ao esforço, ao sofrimento das tensões intermediárias, e isto porque: ou perseguimos uma plenitude inatingível ou mergulhamos na depressão e na ruína".
Observando esse trecho, deparo-me com a possibilidade de talvez estarmos preocupados com uma rotulação em demasia ou mesmo uma necessidade de definição das vivências o tempo inteiro. Não conseguimos mais apenas viver, temos que ter um adjetivo ou substantivo extremista que nos coloque face a face com uma realidade ditada, sem reticências ou interrogações sem respostas.
Porém é preciso atentar-se para o fato de que não é porque as experiências e a própria vida são subjetivas, que tudo se justificará dessa maneira, antes, devemos entender que "nem sempre a carga de subjetividade que permeia um fenômeno ou um comportamento individual pode traduzir-se num direito do indivíduo a julgar e decidir por si só com relação ao fenômeno e ao próprio comportamento".
Sendo assim, procurar entender o mundo na forma de definições e rótulos, tal qual se esbarrar também na justificativa da subjetividade como forma de impor um modo de vida ou experimentação do mundo, seria elevar as vivencias a apenas extremos, quando nossa capacidade em lidar com o intermediário pode ser trabalhada.
E não somente trabalhar o entendimento sobre até onde vai a subjetividade, como também entender que uma busca por experiências que definam padrões e parâmetros contribuirá apenas para sucumbir a verdadeira experiência que até mesmo o sofrimento possibilita.
É sair de uma esfera egoísta da qual "a alta subjetividade atual dá lugar a um justificacionismo cômodo ao mesmo tempo que dramático em sua banalidade", e cair nos caminhos do entendimento da  diferença que realmente existe entre fenômeno e direito subjetivo.
Sem banalizar as experiências, procurando rótulos quantitativos que hierarquizem sentimentos, busquemos traçar metas para desbravar o mundo ao nosso redor, tentando extrair sem precisar de símbolos e manifestações de linguagem para alardear cada momento. E no silêncio do próprio espírito, preso-livre em um corpo com data de validade, nos doemos inteiramente para o que a vida nos oferece, de forma única para cada único, seja tomando coca-cola, fotografando, amando  ou experimentando os sentimentos sem se preocupar se é amor, porque ao final, o que vale é o que o caminho até o fim nos proporcionou e não a palavra que define que ele acabou.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Dar Nome aos Bois II - fotografia amor coca-cola



Dando continuidade ao capítulo anterior no qual estamos dissertando sobre rótulos e definições, inicio esse capítulo traçando uma crítica subjetiva em relação à fotografia.
Em geral acho a fotografia algo fascinante, porém acredito que em alguns casos, alguém que se preocupe muito mais em enquadrar uma experiência da qual está passando ou passará, não consegue se aproximar das vivências de tal experiência, visto que há um querer em converter o momento sentido em uma manifestação narrada por meio de recursos visuais, do que se supõe ter sido a experiência em si.
Não que a mesma não seja interessante ou valha a pena, porém não percorre os caminhos das vivências verdadeiras, pelo simples fato de haver a necessidade em definir por foto, algo que não tem em si mesmo qualquer definição capaz de exprimir o fato.
Saindo desse mundo mais íntimo da fotografia mais técnica e entrando em algo mais amador, caímos no mundo contemporâneo onde todos são fotógrafos nas redes sociais.
Há além dos já conhecidos álbuns em cada uma delas, uma rede social específica para postagem de fotos. Em ambos os casos, acredito que haja ainda mais forte do que a não-experimentação do que estão tentando enquadrar, uma necessidade da opinião alheia sobre a pseudo-vivência, para balizar se o que está na foto é realmente legal ou não.
E esse aspecto se intensifica na medida em que no Facebook por exemplo, temos um botão para curtir a foto dos amigos, mas não temos um botão para não curtir a foto, ou seja, ou eu concordo que o enquadramento da não-experiência é definido por uma provável sensação de "bacana" - visualmente sentido -, tal qual a própria não-experiência de quem a fotografou e acredita ter vivenciado de fato.
Em um outro aspecto mais delicado entra a questão do amor. É óbvio que todo mundo tenta manifestar opinião a respeito do que é amar e ser amado, classificar o sentimento e expressar "eu te amo" na mais intensa forma. Porém, como basear se o amor é mesmo amor, quando não é possível definir o que é esse sentimento que está tão além de quaisquer definições?
Não há um padrão, não há regras, nem leis que regem uma esfera do que poderia se definir como amor. Há apenas um monte de gente falando baboseiras das quais mais um monte de gente que tem preguiça de pensar acata, e então citam que amar é isso e aquilo, é se sentir dessa ou daquela maneira, é pensar dessa ou daquela forma.
Não estou dizendo que a partir de agora as pessoas não digam mais "eu te amo", estou apenas tentando dizer que há subjetividade no que cada um sente, e que querer traçar regrinhas de como o amor se manifesta, é querer trazer para uma escala medíocre de entendimento algo que jamais será compreendido de forma medíocre.
Então você pode passar a vida dizendo eu te amo por esse ou aquele fator, dizer que o outro te causa isso e aquilo, e no final das contas cair em si de que pode ser apenas um desejo forte ou uma série de outros fatores que te levaram a tentar inclusive justificar pra você mesmo dizendo que o que sentia era amor, por falta de entendimento dos sentimentos que jamais serão explicados, tendo então que defini-los de qualquer maneira. É o mesmo que querer hierarquizar o amor e dizer: eu amo mais fulano do que ele me ama. Porra! É amor, não há como classificar quantitativamente um sentimento desses.
O que não é o caso da Coca-cola. Você pode gostar mais ou menos que outras pessoas, porque estamos falando de algo banal, superficial  - não no sentido literal -, porém numa escala que envolve uma experimentação do líquido escuro subjetivamente e totalmente sem regras impostas visto que quando da tentativa de narrar para as pessoas que nunca o tomaram  - citando maneiras de melhor saboreá-la -, às vezes nos surpreendemos com o fato de depois de provarem a bebida, não gostarem. Mesmo depois de todo um enfatizar de sensações e sabores, ainda sim, não se deixaram levar pela magia que em cada um é diferente, exatamente por isso, por ser subjetivo.
A Coca-cola está ligada a um juízo de valor: gosto ou não gosto, enquanto que a fotografia pode ser entendida se analisada com um olhar mais crítico e menos individualista, e o amor apenas sentido sem interesse em rótulos do porque pode ser ou não considerado amor.