Hoje eu acordei sentimento. Com a cor de um sorriso largo, pintei um
bom dia com uma tinta tão fluida que escorreu pelas bordas da manhã nublada;
inundei todo meu quarto e de imediato, escorrendo escada abaixo, pingou na
cabeça de quem saia apressado pra trabalhar. Imaginei-me então andando pelas
ruas, tomando o ônibus e entrando no edifício de escritórios onde trabalho, com
os pés alaranjados manchando com pegadas fluorescentes o chão por onde passo.
Todo mundo me olhando com aquelas galochas pretas imundas, denunciando
meu trajeto rotineiro, interrompido pelo momento em que sou levado numa única
rua.
Minha alegria tem uma cor quente, e fugas, ela é grande, ocupa espaço;
por isso vem ao mundo quase num parto normal: faço força, respiro fundo, tento
esquecer a dor e ela nasce resmungando no início. Mas nasce sadia e
escandalosa, num choro de vida.
Hoje eu desejei que no meu caminho houvesse flores espontâneas. Flores
que não tivessem sido plantadas por um desejo de aprisionar sua beleza em um
jardim intacto. Queria aquele jardim que a natureza cria, onde as flores e a
grama crescem lado a lado, se tocando delicadamente, respeitosamente e sem o
toque humano. Eu desejei por todo o trajeto ser tomado da beleza natural da
vida que cresce ciclo perfeito. E quis que um perfume nunca sentido antes
inebriasse o vento de fim de outono, cujas folhas enquanto caíssem cantassem
histórias em notas de “dó” a “si”.
Hoje eu desejei fechar os olhos, e deixar que a única maneira de ver a
beleza do mundo fosse visitando minha caixa particular de memórias boas. E
todas elas com um sabor diferente, com um aroma diferente e uma textura única.
Algumas me fazendo espirrar com o pó acumulado e, confesso, me surpreendendo
quando percebo que não vivia a nostalgia desse pedaço de tempo a quanto tempo
mesmo? Nem sei! Faz um bocado de tempo que me esqueci de ser feliz assim tão
grandão.
Hoje eu desejei que pudesse ter força de vontade para manter o
pensamento sem me importar com o que poderia me importunar. E para isso eu me
entregaria a uma sinestesia possível apenas nesse estado de anestesia
sentimental. A felicidade atacando cada músculo do corpo, cada vértebra, e sentindo
que a qualquer momento posso gozar explosivamente, no mais literal interpretar
do termo. Hoje eu desejei que pudesse ser assim.
Hoje eu desejei que minha felicidade pudesse ser clara, pudesse ser
bem facinha, e pudesse ser dia. Que ela viesse como num nascer do sol onde eu
sentiria cada fresta do meu coração sendo rasgada pela luz, abrindo caminho em
meio à escuridão das angústias. E que quando ela fosse embora, fosse como o pôr
do sol, que inicia a escuridão deixando uma imagem de que amanhã isso será
possível novamente, pois tudo sempre vai, mas tudo sempre vem. Nada só vai, e
nada só vem.
Hoje eu desejei que a felicidade fosse assim, de um jeito que quem já
viveu conseguirá entender. Que mesmo passado um dia inteiro de situações
pesadas, ela foi maior, uma felicidade grandona para dividir com meio mundo de
gente. E a outra metade receberá felicidade da metade que eu distribuí. Vem cá
todo mundo! Corre que hoje tem feira de coisas que dinheiro não compra. E
imagina se cada um no seu dia feliz for distribuir a própria felicidade nas
esquinas das calçadas cheias?
Hoje eu desejei que fosse agora para sempre. Porque para sempre será
agora, mas o agora que para sempre será, não é o agora que agora é. E que todos
os agora que virão, sejam para sempre como o agora que se vai, ao longe...e
vem, perto! Hoje é o que eu desejo.