sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O Tempo de Cada Um

Não acho muita graça no meio termo ou no ponto intermediário, denominador comum, centro, em cima do muro, nem pra lá nem pra cá.
Sou adepto das definições – não do 8 ou 80 -, mas dos 9 até 79 – saltando o 36 que é o meio dessa história -, onde você transita de um estado ao outro, tornado perceptível ao olhar alheio, em qual estado de espírito você se encontra.
E não vem com essa de nublado, porque nuvens encobrindo aquilo que vem por aí só tendem a piorar as coisas e não ajuda a perceber se seu eu está pra conversa ou pra matança. É claro que nem sempre um estado surge de repente; às vezes acontece dele ir se modificando aos poucos, aí passa pelo nublado até chover ou do nublado até o sol reaparecer – e por favor não interpretem que chuva é raiva e sol é alegria, ok?.
É bom quando chove, tanto quanto é bom quando faz sol. Assim como é bom fazer muito frio ou muito calor. Pelo menos isso ajuda você a se posicionar durante o dia de forma a permanecer na sua zona de conforto pessoal: se tira o casaco de lã mofado, se coloca o guarda-chuva na mochila, se bebe uma coca-cola com gelo ou se usa aquele sapato mais aberto. Tanto faz, a questão é saber como agir em relação ao outro.
Suas vestimentas são definidas dessa forma. As coleções são feitas dessa maneira e não existe coleção “Entre Primavera e Verão ano tal”. Até mesmo o dia é composto de manhã, tarde e noite, passando do entardecer ao anoitecer e novamente ao amanhecer, ou seja, não há um pré-entardecer, ou uma pós-manhã, elas existem definidas e apenas acontecem naturalmente, assim como nosso estado de espírito.
Ser claro é isso: é saber se mostrar ao mundo de forma que as pessoas entendam esse estado natural que vai de um lado ao outro - não em extremos, porque a extremidade é muito longe e subjetiva - mas nas suas linhas tortas do seu jeito torto, sem que pra isso você tenha que ficar justificando a sua raiva ou a sua alegria.
É como se as pessoas mais próximas pudessem entender de forma clara aquilo que você sente – sem que você precise falar -, e além de entender, absorver em silêncio e sem demonstrar algum egoísmo na forma de manifestar-se, apenas deixando cada um ao seu tempo – nublado, encoberto, chuvoso, nevando, ensolarado.
Todo tempo passa, o do relógio, o divino, o tempo de estudar, de trabalhar, de ser imaturo, de morar com os pais, inclusive o tempo de cada um, mas no relógio subjetivo de cada um. Parafraseando Tati Bernardi “não há tempo mais longo que o tempo do outro”.
Não temos poder sobre o tempo, principalmente esse que é alheio a nós, o desse outro. Logo, não há como influenciá-lo por fatores externos – como querer que alguém seja de tal forma ou caminhe de acordo com o nosso tempo. A única possibilidade é a da espera. E já que quem espera sempre alcança, e esse alcançar não sinaliza positividades ou negatividades, podemos alcançar o que queremos ou o que não queremos, mas alcançaremos se esperarmos.
Então, deixe seu estado de espírito livre pra escolher se definir, ou permanecer no limbo, que não é um meio termo, não é o equilíbrio, mas é um estado onde nada acontece, porque em alguns momentos não é pra acontecer nada. E se os outros não concordam com o clima ao seu redor, então que procurem em “outro” lugar aquela sensação térmica confortável à subjetividade, pois na sua atmosfera, o clima se define de acordo com a rotação do seu mundo.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Relacionamentos São Como Aquelas Tão Sonhadas Férias

Relacionamentos são como aquelas tão sonhadas férias. Você passa o ano inteiro trabalhando (na solteirice) se divertindo com os amigos, colegas e sendo  você mesmo o dono do seu nariz, mas ainda sim insatisfeito porque não tem alguém ali pra te tirar parte dessa responsabilidade sobre seu eu.
Apesar de toda a chatice da rotina ou da árdua tarefa de descascar imensos abacaxis e entregar o suco pronto pro seu chefe tomar e ainda ouvir que está com pouco açúcar, entre um copo de cerveja para esquecer os problemas e um brinde com um bom espumante para celebrar a solteirice ao mundo e chorar a mesma no seu mundo, lá se vai mais uma semana, e o fim dela e o começo de uma nova.
Permitam-me usar essa pergunta na primeira pessoa do singular, mas eu realmente não entendo que medo é esse que faz com que as pessoas travem a boca, trancando os lábios, pensando alguns segundos a mais na resposta antes de anunciá-la quase sussurrando, que já faz um bom tempo que estão solteiras.
Besteira cultural essa coisa de achar que todo mundo tem obrigação de carregar alguém pra sua vida, como se a felicidade só habitasse um apartamento aconchegante e uma vida financeira estável se elas foram adquiridas com duplo esforço.
E maior besteira ainda essa “solterofobia coletiva” que assola o mundo desde tempos imemoriais tal qual uma doença epidêmica e incurável, como se ficar consigo mesmo fosse insuportável ao ponto do outro ser muito melhor que sua própria companhia.
E ainda mais gigante e preocupante é o orgulho que as pessoas em um relacionamento sentem ao abrir a boca num dilatação da mandíbula duas vezes maior que o normal, em vias de deslocar o próprio queixo e quase cuspindo letra por letra como dardos em direção a um alvo -  sinalizando com marcador de texto - o quanto são felizes por ter alguém “que se preocupa com você”, que te ama de verdade bláh, bláh, bláh.
Não estou dizendo que todas as pessoas são assim, porque toda regra é claro tem exceções, mas poderia ser cômico - se não fosse trágico – o tom de deboche misturado com alfinetadas que educadamente dizem: “EU TENHO UM RELACIONAMENTO E ISSO SIGNIFICA QUE SOU DESEJADO, GOSTOSO E ALGUÉM ME AMA E VOCÊ É FEIO E ESTÁ LARGADO AO VENTO!”, ou seja, tenho alguém e sou feliz, você não tem e não o é. Mais ou menos uma hierarquização, se assim posso dizer.
As pessoas mudaram leis, mudaram dogmas religiosos. A todo momento desenvolvem-se novas tecnologias que melhoram e pioram a vida das pessoas, inventa-se a cura e criam novas doenças, muda o jeito de se vestir, aquilo que se ouve, come-se de modo a passar menos tempo no preparo para não perder tempo de trabalho. Ou seja, o homem está aí, fazendo gato e sapato do mundo e da sociedade, instituindo o que o ego de quem é mais ousado deseja que seja feito, e continuamos a nos deparar com os fantasmas dos relacionamentos, onde a forminha do casamento, forjada a ferro fundido a um bom tempo atrás, ainda é usada, mesmo que de alumínio ou de silicone, na mesma forma final dos nossos tatatatatatatataravós.
Ainda desejamos os cinco passos que levam ao objetivo familiar: conhecer, ficar, namorar, noivar, casar – ainda que os mais impacientes queimem a maioria deles -, e não nos perguntamos o porque de aceitar de mão beijada todo esse roteiro pré-escrito ao invés de fazermos nossa própria história.
E antes que alguém levante a mão pra defender o casamento, namoro e tal, não estou aqui levantando a bandeirinha contra ou a favor de nada, estou apenas me questionando sobre quantos anos mais levaremos pra entender que se tudo muda pra se adequar ao pensamento daquele tempo, acho que está mais do que no momento de fazermos o mesmo com os relacionamentos, já que no fundo, algumas pessoas se relacionam muito bem consigo mesmas, e nem por isso deixa de ser um relacionamento.
E as férias, ah, nem sempre os sonhos são realidade e às vezes o planejamento é sempre melhor que o resultado final.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Não Conjugue Três Verbos na Mesma Frase

Não há nada tão frustrante quanto se preparar para ir ao cinema ver um filme e quando o mesmo acaba você simplesmente tem vontade de socar o criador do trailer e da sinopse – que aparentemente foram os mais bem pagos da equipe e os únicos que conseguiram tornar aquele monte de imagens em movimento misturadas com palavras em algo atraente.
Porque se fosse pra ficar entediado, a casa da gente num domingo à tarde é sempre uma boa pedida, e se fosse pra jogar dinheiro fora, melhor teria sido com aquela camisa ou calça que NUNCA caberão em você, mas que são lindas o suficiente pra ficarem penduradas no guarda-roupas, onde todo dia de manhã você possa acordar contemplá-las e ter um excelente dia.
Mas a questão maior é que tudo na vida sinaliza ou prenuncia o que te reserva para o futuro, tal qual o filme. Ele começou sem graça, depois ficou chato e tudo isso nos dez primeiros minutos, ou seja, você teve mais do que um sinal divino – sua mente crítica – para que ou cochilasse ou levantasse gentilmente do lugar, procurasse a saída mais próxima e fosse chorar seus reais gastos na entrada com um delicioso e gordo lanche ou alguma coisa nova da qual você não precisa.
Porém, contudo e no entanto, sua mente é muito mais teimosa ou cega – e a minha chega a um ponto tal da teimosia que insiste pra que eu digite que ela além de tudo isso também é burra – fazendo com que você se deixe enganar por uma falsa vontade de que no fim tudo muda ou melhora.
Besteira, filmes ruins durante 119 minutos e com um minuto final de surpresa não existem. E se existem, existem apenas no seu mundinho ou no da sua mente nada crítica que consegue criar expectativas em um longa que começou tosco, terminou sem graça e provavelmente será esquecido por você pouco tempo depois que sair do cinema.
Mas não se preocupe, já dizia a célebre frase motivacional “nada é tão ruim que não possa piorar”, posto isso, constata-se que o filme ser ruim ainda não é o fim, pois se nele existem pessoas que comentam e expressam suas emoções teatrais para chamar mais atenção que o próprio, traga isso pra sua vida e pense em como seu filme sofre incisivas tentativas de mudança, por parte de milhares de diretores metidos a hollywoodianos famosos e que insistem em te tirar do papel principal para que possam se vangloriar de seu roteiro barato.
Penso que uma das grandes verdades nisso tudo é que temos nossa mania de contos de fadas, começando na infância com filmes da Disney – para os não tão antigos – e agora da Pixar e etc. para os mais novos um pouco, que insistem em um final feliz, como se o final fizesse toda a desgraça anterior ter valido a pena.
Que a vida é permeada por todos os gêneros, isso é fato, seja terror, comédia, romance, ação, drama, etc. mas daí achar que todo final será sempre feliz não importa o que aconteça, aí já é um caso clínico de fixação com a ficção.
Uma coisa é viver achando que vou esbarrar com o amor da minha vida dentro de um escritório enquanto nossos papéis voam, nos abaixamos pra pegar e trocamos olhares amorosos, sabendo que trabalho num consultório odontológico – meio ilógico querer isso, mas ainda vale.
Outra completamente diferente é esperar que depois de passar a maior parte do tempo frustrado com relacionamentos, decido sair por aí tentando viver por mim mesmo, experimentar o mundo inteiro lá fora, ou pelo menos em partes, e depois de uma grande experiência eu me volto pra dentro de mim e constato que a vida se resume àquilo que mais me ferrou, ou seja, relacionamentos?  No meu caderninho negro entram três verbos que juntos me deixam em pânico: Comer, Rezar, Amar.
Esse texto era pra ser um curta e foi um longa, então só posso dizer “The End”.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Agastamento em que Entra Repulsão e Censura

Indignação: agastamento em que entra repulsão e censura; causar indignação a, irar-se, revoltar-se, dedignar-se.

Você passa a vida sendo você mesmo, mesmo que esse você seja uma cópia de outro, mesmo que sua originalidade esteja baseada numa cópia daquilo que já existe. E daí? Existem pessoas que são ótimas em fotocopiar outras e nem por isso merecem menos crédito. Pensa que é fácil interpretar? Você é você mesmo até quando você está tentando ser você mesmo, pois o tentar é uma característica subjetiva de um eu subjetivo.

Da mesma forma, você passa vida mostrando ao mundo aquilo do seu eu que você quer expor, e não digo que essa exposição de algo que você não é seja uma mentira, porque se num primeiro momento você interpreta uma imagem daquilo que você gostaria de ser, no momento em que essa imagem foi interpretada, ela existiu de uma forma ou de outra, então, você é aquilo que você passa pro mundo, mesmo sendo um teatro de alguém que você talvez desejasse ser – e o é. Complexo? Talvez, mas essa é a imagem que meu eu quer passar daquilo que sou, ou seja, complicado na maneira de redigir meus pensamentos.

Mas o mais chato de tudo isso é o fato de você passar uma imagem ao mundo mesmo não querendo passá-la. Por exemplo, se você não for muito aberto em falar com as pessoas, a imagem que elas terão de ti será exatamente o de uma pessoa que não é tão sociável.

Quer dizer que você é o tempo inteiro, até quando não quer ser. E além de ser o tempo inteiro, você é de forma involuntária, porque o fato de não ser aberto ao contato alheio, não denota uma falta de capacidade de se socializar, mas talvez seja um momento da vida em que você simplesmente não está para o mundo. Só que como “impressões” não trazem consigo explicações – e ainda bem que não, porque o mundo que se exploda, ninguém tem que se desculpar a ninguém por existir em sua subjetividade -, você acaba sendo vitima das ciladas do destino – esse danadinho que vive com a única e exclusiva finalidade de pregar peças em nós, só pelo prazer de nos ver trocar os pés pelas mãos.

Tais ciladas trazem consigo um desgaste mental em tentar mostrar ao “mundo” que existem indagações a seu respeito, ou mesmo que andam concluindo assuntos sobre você, que não condizem com sua subjetividade, ou melhor dizendo, com aquilo que você é. São interpretações recalcadas que não trazem fundamento palpável ou que justifique uma cobrança sobre acontecimentos não previstos, dos quais você não tem a menor capacidade de manipular ou controlar.

É mais ou menos como se de repente algumas pessoa ao seu redor começassem a te questionar – com um ar de “estou apontando o dedo na sua cara e exijo uma explicação” – sobre porque choveu no dia de hoje e você não fez nada a respeito para impedir a chuva de cair.

Parece muito isso? Que nada, aplique no seu dia a dia em situações do tipo: um computador que pifa, uma cantada de alguém de fora quando você tem compromisso, o picolé que derrete mais rápido do que você consegue chupá-lo, manchando o carpete claro. É claro que em todas as situações descritas há uma saída: não ligue nunca mais o PC, não saia de casa e por último, não chupe picolé.

O que acontece em tudo isso é que enquanto situações alheias a você forem motivos suficientes para que tenha que ficar moendo e remoendo explicações às pessoas que te cercam, é porque muito mais do que uma gratuidade no que elas sentem por você, existe uma inconformidade delas no que tange uma aceitação do mundo em que vivemos tal qual é e uma interpretação daquilo que elas quiseram absorver.

Como a própria palavra “interpretar” denota representar um papel, toda atuação só dura enquanto há show. Ou seja, cedo ou tarde é preciso tirar a máscara e voltar pra realidade, enxergando que definitivamente o mundo não está em suas mãos.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Do Hospital à Ilha de Caras

Imagine uma doença cujo diagnóstico leva tempo para ser concluído. Os médicos fazem exames, passam medicamentos, recomendam internações e mais exames. É claro que o fato de ir ao hospital por algum mal estar por si só já é um saco e, diga-se de passagem, aterrorizante.

Além daquele corredor branco volta e meia interrompido por portas “Titanic”, hora por bebedouros plásticos, hora por enormes cilindros vermelhos dos extintores de incêndio, você ainda tem que passar pela prova do “adivinhe o que este funcionário está querendo dizer a você ou ao mundo”: a recepcionista com cara de “se for caso de vida ou morte, que morra antes de alcançar o balcão”, um enfermeiro apressado cuja testa estampa “trabalho mais que a porra do médico e ganho menos que ele”, a faxineira que calmamente, mas muito calmamente, do tipo “levarei seis anos para terminar de passar pano nesse inferno” e por último e não menos importante, o médico que com o olhar diz “falta meia hora para o fim do plantão”.

Até aí tudo bem, porque no final das contas você está cercado e amparado por toda uma equipe “simpática” que fará com que você dê mais valor à sua vida, já que após sair de lá, você tomará o máximo de cuidado com sua saúde para nunca mais voltar.

O problema maior é quando você tem uma doença cujo diagnóstico pode levar a sua vida inteira ou jamais ser descoberto. E quando falo de uma doença dessa proporção, falo de uma doença da alma ou da mente.

É como você acordar de manhã angustiado, triste, com nós na garganta, mas tudo bem, você já está acostumado com esse sofrimento diário. Geralmente você sabe, bem lá no fundo, a razão pelo qual seu coração chora.

Pior é quando você acorda no limbo e durante a sua manhã o vento vem soprando toda uma brisa de coisas ruins. Um ventinho que inicialmente te deixa com os pulmões gelados, mas que à medida que o dia passa vai diminuindo a temperatura até fazer com que seu coração pare de bater – teoricamente.

E quando digo do quanto esse vento de tristeza é ruim, eu falo da questão de que ele trás de muito longe ou muito tempo atrás, todo um início de mal estar que você ignorou, e como uma bola de neve vem crescendo e provavelmente acabará numa avalanche.

Ainda que o hospital seja ruim, há de se concordar que pelo menos durante a espera pela consulta, às vezes folheando as páginas das revistas do ano passado – não há no mundo uma sala de espera cujas revistas sejam atualizadas segundo o lançamento -, você pode por acaso descobrir uma matéria que mudará sua vida para sempre, como por exemplo, os dez mandamentos para uma entrevista de emprego bem sucedida, ou mesmo matérias que te fazem esquecer o mundo hospitalar e te levar para um mundo da fantasia das celebridades sem recalques, como quem fez o que na Ilha de Caras.

Mas o mais importante não são as lições que você tira desses lugares – e não estou falando da Ilha de Caras -, nem que é preciso adoecer para dar valor à vida e bláh bláh bláh. Estou falando que é preciso enxergar outras realidades, de um ângulo menos seu, tentando dissecar a vida de algumas pessoas, e então entender a forma como elas lidam consigo mesmas em cada situação.

E quanto à sua doença, seja física ou espiritual, ela pode até te impedir de sorrir, de movimentar um braço, ou comer adequadamente, mas ela não poderá te impedir de pensar, e não há nada que ajude mais a superar algumas coisas na vida do que boas idéias. E para se ter boas idéias, basta que proporcionemos ao cérebro espaço suficiente para desenhar suas maluquices.

domingo, 28 de novembro de 2010

Limbo

Já reparou que as pessoas tendem sempre a fazer perguntas repetidas do tipo: “Você é feliz?” ou “Você está feliz?” ou ainda, “Sobre sua vida do jeito que está agora, você é feliz?”

Perguntinha chocha, afinal, é preciso realmente ter uma resposta negativa ou positiva o tempo inteiro? Eu tenho que sentir frio quando não estou sentido calor, ou será que eu posso simplesmente estar na temperatura ambiente?

Sinto que feliz e infeliz esteja relacionado a isso. Nem sempre você está infeliz ou feliz, às vezes você está ausente desses sentimentos. Ou talvez eles estejam misturados de tal forma que uma terceira opção ainda não tenha sido classificada.

Em minha autoridade humana e visando concorrer a um “Prêmio Nobel de Auto-Ajuda “, vou chamar isso que ainda não defini se é uma mistura de feliz e infeliz ou uma ausência dos dois como “limbo”, ou seja , um estado vago do pensamento, no caso desse texto, de sentimento.

Então, fazendo uma retrospectiva de suas vivências diárias você perceberá uma constante presença de limbo muito mais forte do que felicidade ou infelicidade.

Imagine-se levantando de manhã e mexendo no seu computador. Logo que você acorda, nem sempre você acorda com um sorriso estampado no rosto e pensando: Sou a pessoa mais feliz do mundo! Como também não acorda todo dia pensando: Quanta desgraça pra uma só vida, não é possível, joguei pedra na cruz.

Tente reparar que você se sentará na frente do computador, começará a abrir e-mails, visualizar páginas, mas antes de ter reações de compaixão, tristeza, alegria, etc., você não se lembra do que estava sentindo enquanto esperava o PC ligar. Ou mesmo enquanto você escovava os dentes, o fato de escová-los não provocava nenhuma reação de felicidade ou infelicidade.

Você pode pensar sobre isso enquanto está comendo; nem todos os dias os alimentos são escandalosamente bons, nem terrivelmente ruins, há dias em que você simplesmente come sem que seu cérebro tenha alguma reação abrupta de prazer ou desprazer. Limbo é isso, é essa ausência dos dois extremos que classificam alguém como feliz ou infeliz.

Não há obrigação em responder sempre se você é portador de felicidade ou infelicidade, você é livre pra deixar que um vácuo que não é preenchido por nenhum dos dois se instale – às vezes involuntariamente – dentro de você

Quando você está lendo um livro, distraído, submerso em suas páginas, é natural que algumas delas causem reações diversas, mas existem páginas que não causam absolutamente nada, você as está lendo, seus olhos correm linha por linha pelas páginas branco-encardidas e, distraído, não esboça reação nessas partes da história, apenas lê.

Não há como querer se apossar de um dos lados da moeda e esperar que seja sempre cara ou coroa, porque existem além delas, as notas que apesar de não deixarem margem pra escolha de um lado, possuem um valor ainda maior que os dois lados da moeda juntos.

Entender o limbo é entender que não há necessidade/obrigação de se definir em um extremo sempre que alguém quiser essa definição seja por curiosidade ou o que for, e nem pra que você quebre a cabeça colocando numa balança dourada de um lado tudo o que é bom, do outro tudo o que é ruim, e esquecer que existe toda uma parafernália que não é classificada nem lá nem cá e fica acumulada como um entulho. É mais ou menos aquelas coisas que você guarda mas não sabe pra que serve, e nunca se desfaz porque apesar de não achar função, acredita que um dia poderá classificar para alguma utilidade.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Esperando a Coragem Para Viver o Mundo ao Ar Livre

É como olhar de dentro de um ônibus enquanto chove: você passa a mão diversas vezes na janela para tentar desembaçar e ver o que acontece ao seu redor. Mesmo no rápido intervalo entre a condensação da água e o deslizar dos dedos que puxam as gotículas, não é suficiente nem a visão rápida o bastante para vencer o líquido incolor que desce do céu e escorre, distorcendo insistentemente tudo que está fora de voc.

E não há maior precipitação do que aquela provocada pela ansiedade de sua cegueira temporária. Mesmo entendendo que lá fora nada mudou, apenas está tudo molhado e um pouco obscuro – isso não é um problema, pois nuvens escuras e tempestades sempre lhe atingiram – o ato de arriscar um desbravar ou enfrentar cara a cara o temporal, sempre precede uma série de dúvidas que transitam entre o prazer que proporciona um banho de chuva e o medo de pegar um resfriado e perder uma parte dos dias acamado.

E essas escolhas às vezes, e quase sempre, vão pra além da decisão de sair de casa ou não. Englobam uma dedicação em observar a cor do céu e os movimentos das nuvens e então decidir se usar-se-á uma capa, um guarda-chuva ou ainda se o tempo está feio a ponto de a melhor decisão ser ficar em casa debaixo do edredom e deixar o mundo cair.

É complicado e audacioso querer cálculos certeiros sobre os resultados das escolhas, mas é certo que é preciso escolher sempre, com ou sem chuva. Porém se é pra se molhar e isso converter-se em gripe, por mais chato, cansativo e tedioso que seja ficar o dia todo à mercê de chás e analgésicos, podemos concluir que tudo não passará de um período de criação de anticorpos.

Não há gripe que dure para sempre, nem remédio que não faça o mínimo efeito. Mesmo que a coragem nem sempre seja uma companhia presente, em algum momento do dia enquanto olha pra parede escurecida pelo mau tempo, ouvindo ao longe uma TV chiando qualquer coisa, você será interrompido pelo vibrar do celular enquanto do outro lado da linha alguém te convence a cair no mundo ao ar livre sem se preocupar com a previsão do tempo para os próximos dias.

Por acaso alguém é feito de açúcar? E se for, por mais que água te derreta, ela não continuará límpida, insípida e incolor, mas carregará em sua fórmula a composição aquilo em que você se converteu- uma água doce. Assim que o sol sair você se seca, solidifica e torna-se um bom torrão para um café quente contra resfriado.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Disparidades Cronológicas Geram Pressões Psicológicas

Me pego pensando em como há muitas coisas com as quais não sabemos lidar. Tudo bem que com vinte e poucos anos é natural que isso seja um big problem. Mas sinto que pelo menos as que acontecem habitualmente deveriam vir precedidas de um “modelo” de como se comportar/pensar/agir.

Não é que espero um modelo onde todos hajam robotizados e pré programados, mas pelo menos umas dicas estilo - e no pior deles - as dicas do Orkut. Cada dia em que você acorda, uma nova dica surge em sua mente. Não precisa ser nada motivacional, mas um conteúdo que vai do tempo certo para obter um ovo cozido com a gema mole, até coisas do tipo: em caso de pressão psicológica, um dos caminhos pode ser blah blah blah.

Talvez o maior problema da falta de manejo em certos casos seja a de não saber lidar com o tempo. As pessoas dizem: - O tempo de Deus não é o nosso! Não, não é mesmo e nem o meu tempo é o seu. E é essa disparidade da cronologia subjetiva onde uns estão muitos minutos à frente ou atrás, quando não em fusos horários completamente diferentes é que fazem com que toda a pressão de altos e baixos pareça incrivelmente muito maior do que na verdade é.

Pode até ser que seja mesmo e muito grande, porém, dicas facilitariam isso, provavelmente.

Sem falar que não sei por que cargas d’água Deus resolver diminuir as horas ou acelerar o relógio universal onde 24 horas não é nada perto de tudo aquilo que precisamos resolver nessas duas voltas dos ponteiros.

Repare como antes ver um filme ocupava pouquíssimo tempo de um domingo chato e tedioso, e agora o domingo continua chato, mas ver um filme ocupa toda a parte da tarde e não sobra tempo nem pra reclamar dele. Aí você reclama que ele acabou sem você vivenciá-lo.

Uma coisa é uma pressão no trabalho, você tem um tempo pra desenvolver uma idéia, um projeto, uma função que determina os rumos daquele dia e do local de trabalho em si. Outra completamente diferente é você sofrer pressões sentimentais, sejam eles vinda de amigos, amores ou família. Não há como calcular o tempo certo de se absorver situações, e o mais fundamental de tudo, não há como cronometrar a maneira de lidar com o que se passa dentro de você.

Bem, e se há lições pra aprender em tudo isso, espero que seja a de ter uma parede com um relógio pra cara amigo, amor, amante, familiar, colega de trabalho, entre outros que conhecemos pelo caminho, para que possamos entender como funciona a contagem temporal de todos e nos adeqüemos um pouquinho e eles um pouquinho na hora de resolver questões complexas.

Dica do dia: “sempre ande com um bom estoque de relógios com a SUA hora certa, analógicos, digitais ou solares – o estilo fica à gosto – para presentear logo após o aperto de mão que precede o sorriso que significa “muito prazer, esse é o meu ritmo”.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Relapsos em Catarses

Todo aquele excesso oleoso confuso, de tudo aquilo não solucionado e toda a poeira escura das torturas mentais, alojada entre a derme e a epiderme, e crescendo por entre as células mortas, produzem um muco que, ao sair da pele causa uma sensação pegajosa.

Quer-se um banho de solidão e profundo retorno a si mesmo. Sem objetivo aparente. Um retorno para um reencontro com aquilo que se perdeu durante a camuflagem e a fantasia que vestimos na realidade subjetiva.

Não procura-se nada, não quer ser procurado, apenas ficar ali no cantinho, entre a greta que sobra no quase encontro do sofá com a parede.

Tentar reescrever um novo dicionário excluindo palavras e expressões, abreviações e siglas que entopem as veias mentais, provocando espasmos e catarses cada vez mais freqüentes e relapsos de desejos que saem da borda da pictórica vida exposta para ser contemplada e analisada por aqueles que fazem cara de blasé enquanto você faz de paisagem.

Quer-se assumir um novo eu, com outra pele, outros cabelos, outras anatomias, enquanto que o velho eu, não se adequando ao processo evolutivo, cair-se-á por sobre suas próprias deformações sentimentais.

Toda a casca física, hora cheia de ossos e vértebras, hora cheia da necessidade de esvaziar-se, contorcendo sobre suas próprias inconformidades – hora genéticas, hora mentais -, conforma-se segundo os fúteis anseios ou a realidade dada, dobrando-se passiva sobre seus joelhos e aceitando deixar-se empurrar sobre as superfícies variadas, como uma esponja absorve a sujeira líquida de toda a louça do jantar.

E pelo ralo, escorrem água “límpida” e própria ao consumo depois de longos processos de purificação por meio de soluções pesadas e mistura química junto com os restos do que foi um momento de prazer, porém, agora convertido em algo fétido cujo único destino será – ao que não permaneceu sólido – o emaranhado hidráulico subterrâneo.

Talvez também se escorresse pelos encanamentos se pensarmos nos 70% de água e 30% de materiais tóxicos ou o próprio desejo de fusão. Descendo até ser despejado em um pequeno esgoto a céu aberto, que diminui à medida em que essa mistura vai penetrando a terra.

Ao final, é somente um retorno ao lugar de onde veio, nas mesmas condições pútridas do estado sólido em que seria colocado lá e sem aquele sentimento de procura ou de ser procurado, apenas o de retorno, retorno a si mesmo.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Semi-Transparente

Chega um momento em que você começa a observar a chuva cair, olhando através do embaçado vidro e cheio de marcas de dedos e você pensa: -“merda, eu limpei tudo outro dia, não é possível que as coisas se mantenham limpas por tão pouco tempo”. E fica ali sentando matutando com um pouco de cólera na alma e desgosto na ponta da língua, por jogar tempo e energia em algo que simplesmente não durou.

Até parar pra observar a maldita chuva que cai, você não havia dado conta de que a porra das marcas de dedo estavam ali. E poxa, cada vez que você olha você nota quão nítidas elas são. Algumas possuem impressão digital tão perfeita que dá vontade de chamar um detetive e descobrir quem foi o responsável, inconseqüente e sem noção que tocou os vidros da porta. Não é possível que esse ser asqueroso não tenha percebido todo o trabalho que uma porta de vidro exige para manter-se limpa e transparente.

Mas o pior nem é isso. –“Meu Deus”. Você pensa! -“E se as pessoas de “fora” viram isso? No mínimo vão me achar desleixado, nojento ou sei lá o que”. E começa uma análise criteriosa de possibilidades que vão de comportamento subjetivo a pensamentos coletivos daquilo que é um óbvio proibitivo do tipo “Não toca-se jamais em um vidro que não seja feito para tocar”. E a porta, principalmente a sua porta definitivamente não foi feita pra isso.

Porém ela está ali, semi-transparente por causa da sujeira. E como conseqüência, o mundo lá fora encontra-se semi-desfocado, semi-encardido, semi-repugnante.

E ainda não foi encontrado o culpado de tudo isso; poderia ser eu, mas eu jamais tocaria no vidro que eu mesmo limpei, eu não posso ser considerado o responsável por algo que jamais faria, isso não faz o menor sentido, ninguém limpa e suja o que limpou e blah blah blah; ou poderia ser outro.

Eu posso até me sentir um pouco culpado de não selecionar bem as pessoas que entram e saem pela porta de vidro. Talvez deixei-me iludir pela simpatia inicial e não notei as mãos sujas que deslizavam pelo vidro. Ou talvez eu soubesse da sujeira desde o início e sempre que pensava em limpar, eu talvez apenas pensasse. Mas é quase uma certeza que havia limpado e talvez tenha feito mesmo.

Agora fico imaginando se é melhor pegar a flanela e o limpa vidros e desperdiçar mais uma boa parte do meu tempo limpando essas marcas ou se ignoro e tento aprender a viver olhando através de um vidro embaçado. O problema da segunda opção é você acostumar-se a isso, pois leva tempo, mas em algum momento cansa. O problema da primeira é que as faxinas são sempre efêmeras, limpa-se hoje, limpar-se-á amanhã.

Ou posso trocar a porta, tirar o vidro, quebrar as paredes, escolher um outro material e modelo de maçaneta, cores, design.

Enfim, ainda chove lá fora, eu continuo sentado aqui escrevendo e observando o mundo encardido que se projeta para além da minha horrível porta de vidro.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A Mágica de Dividir ao Meio

Imagina-se que isso comece na infância, essa coisa toda de acreditar no sobrenatural. Geralmente o primeiro contato acontece diante de uma televisão, naquela tarde de domingo em que você assiste junto de seus pais algum programa de entretenimento, com aqueles quadros do tipo novos talentos – que de novos não tem nada, em geral as pessoas vão lá e sempre fazem as mesmas coisas bobas: dançam,cantam, equilibram algum utensílio de cozinha em alguma parte do corpo, etc. – mas enquanto criança, você, incapaz de sentir atração pelas danças ou os calouros, fica ali no chão com seu carrinho ou boneca, sem prestar muita atenção.

Nem mesmo alguém pedalando numa roda sobre uma corda ou aquele acrobata que se enrola e desenrola num tecido que pende do teto exibem qualquer dom capaz de fazer você abandonar seu mundo imaginário – que além de não haver fronteiras, nele, tudo é possível.

É então que o apresentador anuncia que o próximo talento fará um show de mágica. Puff! Como que hipnotizado você rapidamente esquece a brincadeira e sem piscar, firma seu olhar na TV, ansioso.

Coelhos saem de cartolas, cartas voam das mangas do casaco preto, tecidos desaparecem na palma da mão e em seguida viram uma pomba. É tanta emoção em algo que é impossível, mas um impossível que é, e simplesmente é, e está ao alcance e ao mesmo tempo além de qualquer possibilidade. Isso é a mágica.

Durante boa parte da vida a gente não dá conta, mas a maior mágica que acontece é exatamente essa de viver - depois desse instante em contato com o ilusionismo - como um ser humano que enxerga a mágica em momentos, pessoas, lugares e coisas. E como no significado literal da palavra em questão, iremos pela vida por um caminho formado de paralelepípedos do verbo iludir.

Vamos nos sentar na beira de algum rio ou lago com alguém, contemplar o luar e pensar: esse momento é mágico! E se não tem natureza, vamos sentar em um restaurante com luz baixa, luz de velas, e pensar o mesmo. Vamos pensar em magia quando estamos sozinhos em algum lugar que gostamos muito, cujas situações nos empurram para algo ainda melhor.

E ainda nos entupir de uma mídia que não poupa efeitos especiais para tentar fazer com que a mágica, mesmo na contemporaneidade, seja atual e impossível de extinguir.

Mas do mesmo jeito que a mágica começa, termina. Ela é simplesmente, uma ilusão daquilo que precisamos no momento: carinho, coisas, pessoas, situações. Pois enquanto seres insaciáveis, continuaremos a nos entupir de magia, em situações que não deveriam acabar jamais e blá blá blá.

Sejam Harry Potters, Crespúsculos, varinhas com estrela na ponta, capas do desaparecimento, pozinho brilhante, fumaça azul de teletransporte, lâmpadas com gênios de poder infinito mas que limita seus desejos, maçãs envenenadas que necessitam de um beijo de ressurreição, ou qualquer outra história ou método arcaico de se conseguir o impossível, seremos conduzidos a um mesmo caminho: o da pressuposição de que no final, o bem vence o mal e a mágica já não é necessária.

Nem novos truques, nem novas histórias de seres mirabolantes farão com que a magia das coisas perdure na vidinha corrida que temos. Afinal, seja com serra elétrica ou com serrote, partir alguém ao meio para impressionar funciona melhor em programas policiais onde a carnificina que é tão palpável e real, nos parece impossível quando somos expostos a uma realidade que negamos ou fingimos estar muito distante de nós.

domingo, 22 de agosto de 2010

Rot(a)(ina)

De repente a sua vida se torna uma espera por um ônibus de madrugada rumo à sua casa, ou ao que você acha que é.

Não há ninguém por perto, e se há alguém ou “alguéms”, não faz diferença, você continua sozinho, com medo e ansioso. Você viu que em algum momento existe a probabilidade de você ir embora e entrar nos eixos da rotina outra vez, porém, está à mercê de um sistema de transporte que está além das suas possibilidades de interferência – nem ligando e reclamando no sac.

E é desgastante ficar ali à noite, os segundos passando, o tédio tomando conta, você como um telespectador obrigado – pois não há outras distrações – assistindo os seres da madrugada em suas vidas noturnas, e você vivendo a noite, porém, vislumbrando o rumo, a casa, o lar.

Você canta silenciosamente, pra tentar acalmar a ansiedade. Como um tique, passa a cutucar o celular, olhar as horas, as mensagens, ligações recentes e nada. Os números travaram e o tempo congelou qualquer sinal mínimo de mudança.

Está frio, ou nem tanto, mas a solidão e a angústia ajudam a diminuir a temperatura. Ali, qualquer noção de proteção se desfaz como uma névoa. Você está no mundo, em confronto direto, sem nenhum invólucro, nem mesmo o próprio corpo. É uma nudez completa. E a não ser que os pensamentos ajudem – o que é provavelmente impossível – você permanecerá com essa sensação de filme de terror - cuja música de fundo praquela cena em que alguém vai então ser morto - toca cada vez mais alto.

Na esquina surge um ônibus, você se levanta agradecido, sentindo um alívio, prepara-se para erguer o braço e dar sinal, mas no letreiro ainda meio embaçado, lê que não é o que te levará até em casa: - merda! Você exclama.

-Tudo bem, pelo menos está passando ônibus, o que significa que o meu virá a qualquer momento, só esperar mais um pouco.

A maioria das pessoas – quando não todas – entraram nesse último que passou, e você se vê novamente na solidão total. Somente os sons noturnos fazem-lhe companhia. Ou vez ou outra, barulhos de salto-alto descompassados, e risadas sem graça indicando um estado alcoólico alterado, resultado de alguma diversão por aí, da qual você sequer faz parte ou consegue imaginar, tal o estado em que se encontra.

Tanto faz, isso só quebra um pouco da sua concentração no medo. Porém, lá se vai o tempo, ou melhor, o tempo não se vai, ele permanece com você, como companhia fiel. Você não se vai, ele também não.

Tanta espera te faz pensar em arriscar uma forma mais fácil de conduzir as coisas, pegar um táxi é uma boa pedida, se você pensar na rapidez da viagem, e não se importar com os muitos reais a mais que os do ônibus, tudo bem, você até vai. Mas quase sempre é: - não vou gastar com táxi, o ônibus tá quase passando, e pela economia, tudo bem ficar aqui mais um pouco. E fica!

Quase em fins de desistir da vida e se entregar ao táxi, apesar de já ter esperado horas, ou seja, se era pra pagar caro, fizesse isso logo no início e você já estaria em casa a anos luz dormindo, você vê apontar na esquina outro ônibus, ele se aproxima e você lê “casa”. Ufa! Enfim.

Sentado sozinho ao fundo, você somente contempla a velocidade com que a cidade passa ao redor, imaginando a proximidade do destino final. Quando então chega, abre a porta e ascende a luz da sala, se depara com a monotonia sentada no sofá, batendo papo com a rotina, com um ar de cobrança de pais que ficam à sua espera para pedir satisfação. Ela olha pra você e diz: demorou, estávamos à sua espera. Já é domingo, temos assuntos a tratar a partir de hoje...

sábado, 14 de agosto de 2010

Não Vivenciando Vivências

E tem dias em que a vida é assim: você quer demais ir para a “rua”, ver gente, conversar sobre qualquer coisa esperando que o tempo passe.

Conversas não te atraem, você se distrai com a TV muda do bar onde sentou enquanto ouve gargalhadas das mesas ao redor; na verdade você nem as ouve, apenas observa de relance com o canto do olho as bocas se movendo e o corpo que acompanha o ritmo labial manifestando tal alegria com o assunto que você não ouviu.

Às vezes alguma palavra te traz à tona, de volta ao mundo real que não era o mundo que você queria, pois na cabeça, os desejos desenhavam alguma coisa que explodisse em diversão e entretenimento saudável.

Mas ali está você, diante de algumas garrafas de uma cerveja que você não queria, surdo diante dos assuntos, pensamentos indo e vindo de forma incontrolável, porém contida, olhando sem nada enxergar, e em intervalos irregulares – quase como uma auto-defesa do corpo para situações em que você não se encaixa – sai de você um sorriso de canto de boca completamente automático, não obstante e dependendo do grau de distração, um balançar de cabeça confirmando o que foi dito.

E com um esforço sobre humano, daqueles em que você sobe três lances de escada com 15 sacolas de supermercado em cada mão, você começa a arriscar assuntos ridículos, mas capazes de envolver todo o grupo.

O problema em momento algum está nas pessoas do lugar, no lugar, ou em qualquer coisa que compõe essa cena; o problema está em você, ou, melhor dizendo, não há um problema, mas um anseio, um desejo, uma falta que precisa ser semi-preenchida – pois não existe preenchimento total do ser humano .

E não é o fato de na menor parte das vezes saber o que causa essa falta que você é capaz de resolver o problema, visto que nem sempre sanar essas coisas da alma está em suas mãos.

Mas explique isso pra sua própria consciência? Fala pra ela que realmente não há o que fazer!

Você no mínimo ficará com um buraco ainda maior no peito do que antes de exercer qualquer batalha consigo mesmo sobre o melhor caminho ou sobre sua capacidade de ação.

Decepcionado com a falta de resposta do mundo lá fora para o que você foi buscar, inconsolado você retorna para casa, depositando na sua cama todo o conforto de um abraço, esperando que o edredom te envolva e te proporcione um momento de respiro, de carinho, de consolo.

É como se o travesseiro pudesse substituir um colo, mas não um colo, aquele colo especial e único, que faz sua cabeça pairar e esquecer completamente de tudo, a não ser do que acontece ali naquele momento.

E antes que obtenha uma resposta, você adormece profundamente... e sonha, sonha atemporalidades que mesclam anseios com vivências; e sonha... pois o sonho algumas vezes é mais palpável e real do que estar de olhos abertos no intitulado “realidade”.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Delineando Projetos

Ás vezes falar da vida é algo difícil já que nos momentos em que ela não te passou uma rasteira e te deixou com uma dor na nuca pela conseqüência do tombo, ela te deixa embriagado de alegria por uma série de bons acontecimentos, ou mesmo um só, mas que cedo ou tarde passarão e o que ficará serão somente lembranças de sorrisos congelados em fotos mentais.

Fato, as dores na nuca sempre voltarão, não importa quantos comprimidos para dor muscular, dor de cabeça, enxaqueca ou qualquer que seja a nomenclatura usada, e mesmo que seja uma fase superada – ou não, pois tais dores podem indicar um recalque (s) – fica registrado para sempre o dia em que ver estrelas como nos desenhos animados deixou de ser algo do imaginário infantil, se tornando algo da vida real.

Enquanto a teimosia não nos permite procurar um “médico” que nos ajude a entender como curar essa dor, nos deixamos levar em intervalos irregulares - principalmente nos momentos de felicidade - pelas perturbações de uma fisgada.

É essa dor aguda que faz com que percamos o foco nas metas que traçamos e nos faz parar e às vezes até rever as escolhas, entendendo que um sentimento de insegurança nos percorre os pensamentos, impulsionando um re-pensar dos passos a serem dados, como forma de defesa para evitar que a tal dor na nuca se transforme num traumatismo craniano em caso de a vida resolver te derrubar no chão novamente.

Claro que mesmo vasculhando os pensamentos e fiscalizando um por um procurando falhas ou erros que possam indicar um aumento da probabilidade de uma nova queda, volta e meia, um momento de alegria aqui, uma felicidadezinha acolá, acabam nos distraindo e fazendo-nos mergulhar novamente nas metas traçadas, sem preocupar em terminar a fiscalização.

E aí você vai dormir com aquela sensação de “cada coisa em seu lugar”. Pensando no quanto tem sido gratificante dar um passo após o outro, com alma lavada e ânimo novo para pisar mais firme. Porém, toda essa ilusão provisória em nada ausenta o real problema, cuja as raízes, insistimos em não conhecer.

E pensando bem, tudo bem se um medinho bater à porta da alma, ou uma pontinha da dor voltar. Reavaliar as metas nunca é perda de tempo, pelo contrário, não somente ajuda a encontrar e reparar falhas, como proporciona a capacidade de amadurecer idéias que inicialmente pareciam brilhantes, mas agora, apresentam-se arcaicas e pouco funcionais.

Gosto de pensar que esses planos são como a noite: escuros durante um período, mas não importa se você está acordado ansioso esperando para concretizá-los ou se está dormindo para que o tempo passe depressa, pois uma certeza você tem, o dia sempre amanhecerá e o que antes era somente um vazio em meio à ausência de luz, aos poucos vai sendo extinto por ela, que lentamente delineia os contornos daquilo que toca.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Assassino e Vítima no Xadrez

Todo jogo de tabuleiro é sempre muito bom. E é melhor ainda aqueles games em que muitas pessoas jogam ao mesmo tempo, pois além da emoção dos inúmeros rolar de dados, existe a competitividade que movimenta a grupo inteiro.

No entanto, em contrapartida a esse frenesi coletivo baseado na simples diversão da jogatina, encontram-se alguns jogadores que vez ou outra de forma discreta roubam algumas notas de $100 do Banco Imobiliário ou mesmo tentam burlar o pagamento de algum aluguel ou hotel, aproveitando o alarde de algum leilão de propriedades.

E são exatamente esses “ladrões” de notas que nunca vão presos, visto que sempre pulam aquela casa “Vá para a Prisão” ou dão um jeitinho de possuir o cartão “Saída Livre da Prisão”, e tentam sempre que podem, entrar numa disputa em que a capacidade de controle sobre os demais jogadores seja suficiente para que vá reescrevendo suas vitórias corruptas.

E como algumas coisas entram num círculo vicioso, ou como diria a frase “uma vez ladrão, ladrão até morrer”, quem rouba do banco, rouba em Imagem e Ação, rouba no Detetive e aproveita as oportunidades que tem para entrar na disputa do Jogo da Vida.

E já que para esses ratos de tabuleiro obter a vitória é preciso estar sob uma posição de destaque e numa disputa em que se tenha o mínimo de jogadores opostos e o máximo de peças manipuláveis, é provável que dos jogos de tabuleiro, o “Xadrez” seja o que melhor explique suas reais intenções.

Para quem não sabe, Xadrez é jogado por dois jogadores: A vítima e o Assassino, um jogador com peças brancas e o outro com as pretas. O assassino geralmente manipula as peças pretas, ele é a Dama , também conhecida pelos amadores por Rainha: é a peça mais poderosa do jogo de xadrez. Por ter um raio de ação muito grande a Rainha pode mover-se em quase todas as direções, semelhante aos movimentos do rei, com a diferença de poder mover quantas casas desejar.

Essas Rainhas do Xadrez podem ser homens ou mulheres que se escondem sobre as Torres do jogo –dispostas ao fundo do tabuleiro - já que podendo ser usadas como arma de guerra, são escaladas para observar com segurança o melhor momento para uma investida contra o inimigo.

Tal capacidade de articulação faz com que essas peças “reais” utilizem os Cavalos - mais bem treinados soldados da guarda real – para saltar sobre os Peões – que nada mais são que os soldados do rei, tendo por objetivo sua promoção ou defesa.

E comendo um por um, calmamente, pensando antes de qualquer movimento, agindo por intermédio de discursos bem articulados e estratégias de guerra encantadoras, a Rainha vai abrindo caminho pelo tabuleiro, e chega muitas vezes a conquistar até os Bispos – que representam o sagrado.

Cada peça se deixa enganar, cada peça se vê seduzida pela “superioridade” da nobreza daquela que se impôs como capaz de conquistar o almejado poder – em doses de sutis ameaças e movimentos lentos.

E mesmo parecendo impossível que ela encontre o Rei - o objetivo do jogo é prendê-lo – e em um momento de triunfo diga “Xeque Mate” num tom de voz quase cantarolado, alcançando seu objetivo enfim, depois de destruir todos que cruzaram seu caminho, a Rainha sobe ao seu trono de vitória, e por lá permanece até ver seu reino entrar em decadência: o reorganizar do tabuleiro, reposicionando as peças, onde novos jogadores se apresentam para dar início a uma nova disputa.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Quando Você Encontra o Chão Mas é Como Se Não o Tivesse

Você sua frio, as mãos ficam gélidas, e apertando-as contra o peito você chora... chora como uma criança que caiu da bicicleta. Mas não é um choro de um tombo qualquer, é um choro de um tombo que vai fazer com que nunca mais você suba outra vez naquele troço de duas rodas que seus pais te deram no natal.

E ao mesmo tempo em que chora, você olha com ódio para os responsáveis por seu tombo, seus pais. Claro, se eles não tivessem feito uma surpresa e te dado esse presente você jamais teria tentado andar e como conseqüência levado o tombo que mudaria sua vida pra sempre.

E sentado ali, babando de tanto chorar, completamente empoeirado, cabelos bagunçados, gosto de terra na boca, camisa molhada de lágrimas, tentando vez ou outra, inutilmente soprar joelhos e cotovelos ralados e com aquele sangue minando em meio à terra vermelha que ficou nas feridas, seu cérebro tenta coordenar uma mistura de sensação de dor com promessas de mudança, de vingança, de reação a essa ação maliciosa deles.

Onde já se viu, soltar você logo nas primeiras “andadas”, sabendo que você ainda estava tentando se equilibrar, o guidão tremendo, seus pés descoordenados em pedaladas inseguras, volta e meia escorregando dos pedais, sem sentir direito a emoção e as vantagens que o “aprender a andar de bicicleta” traria a você. Preso ali, mumificado pelo medo de alcançar o chão da forma errada.

No início parecia uma aventura possível, dava um medinho, mas a sedução pelo design, o objeto naquela cor incrível, e as lembranças de ter visto tantas outras crianças felizes em cima de suas bicicletas pelas ruas foram motivos suficientes para que você quisesse tentar.

Com certo medo, você, antes de pedir para subir, ouve a sugestão do seu pai: - “vamos para a rua dar uma volta? Prometo que não vou soltar até você se sentir seguro”.

E animado com a idéia, você segura o presente, seus pais atrás, observando sua felicidade em empurrá-la quintal afora, até o portão que dá para a rua. Outras crianças vêem o que se passa e aos poucos vão se aproximando para também contemplar o objeto novinho em folha.

Toda essa platéia faz com que sua insegurança em andar seja ainda maior, mas com um pouco mais de insistência do seu velho você sobe.

E todo torto, pendendo de um lado para o outro você vai... e vai... e vai... e consegue sentir que está seguro pelos braços dele, mas ainda tem muito medo. E de repente, sem que você fosse avisado, as mãos que te amparavam somem. Elas te soltam e você em segundos percebe a leveza do objeto, ou seja, está livre para seguir, mas não está pronto para isso. E cai!

Você encontra o chão, mas é como se não o tivesse. O desejo se vai, a confiança se esfola junto com seu corpo, a dor derrama junto com as lágrimas e o que sobra são as lembranças de falsas promessas de novas possibilidades.

Não que o mundo seja o culpado e ruim por tudo isso que aconteceu, mas a falta de conhecimento sobre suas próprias limitações e a vontade de transpor a si mesmo fez com que você se deixasse levar por um momento de euforia e esquecesse quem realmente você é.

domingo, 27 de junho de 2010

Todo Café Quente Geralmente Queima Uma Língua

Um dia frio é sempre bom. E é melhor ainda quando você faz aquele cafezinho mineiro com fumacinha saindo da xícara, sentado na frente do PC se divertindo à beça enquanto navega na web, sentindo o cheiro gostoso de um bolo que está quase assado ali no forno. Da janela aberta você contempla um céu azul amarelado de fim de tarde e ventos de inverno, enquanto uma boa música faz trilha sonora dessa cena de filme americano.

Servido o café, e com a água na boca, você toma o primeiro gole: -puta que pariu, tava quente demais, queimei a língua...!

Os próximos estágios desse ato são: -não tomar o restante do café, -perder a vontade de comer o bolo, -sentir por um bom tempo o calor na língua, -sentir umas bolinhas se formando, -sentir uma leve dormência na ponta da língua, -perder completamente a graça e não conseguir enxergar mais o céu nem ouvir a música que toca. Apenas fica com a língua pra fora tentando fazer com que ela tome um ar frio.

Café: o desejo pelo qual você despendeu todo o seu tempo para realizá-lo. Desde o cuidadoso preparo, regado a uma ansiedade por tomá-lo à idéia de algo para acompanhá-lo, o bolo.

O dia: o fator que contribuiu para aumentar sua vontade de um desejo por algo quente e saboroso, que somasse a toda essa fantasia cinematográfica.

A web: junto com a música, embalaram em um momento de completo esquecimento do que é a realidade, inserindo a mente num processo inebriante de visualizar apenas o degustar da bebida preta.

A temperatura do café: termômetro da realidade. É o fator capaz de te trazer de volta e mostrar que toda ação tem uma reação, e que tudo que é bom precisa ser dosado para não passar por uma falsa degustação, onde o sabor em si não é sentido, mas apenas a vontade de senti-lo. O que faz com que você tome de uma vez, esquecendo do processo de aquecimento que propiciou o resultado final da bebida.

A dor: capaz de apagar qualquer bela cena, tornar qualquer dia claro, escuro como o café. Fere, e deixa marcas que algumas vezes se apagam, mas que por um tempo, curto ou longo, trarão à memória o que uma atitude impensada e regada a um momento de distração pode fazer com você.

A lição: se você voltar a tomar qualquer coisa quente nas próximas 24horas, significa que sua língua não sofreu queimaduras suficientes.

Mas uma coisa é certa, no primeiro gole de qualquer bebida aquecida, com certeza a ardência voltará à tona, aquecendo essas bolinhas dormentes na ponta da língua, que perdem a sensibilidade aos sabores da vida, e quem sabe, dessa vez, você não aprende a soprar um pouco qualquer atitude que vá tomar, antes de sair satisfazendo suas vontades como uma criança mimada.

sábado, 22 de maio de 2010

Manual Sobre Como Negar a Cidade

Passo 1: Reclusão Domiciliar

Esse é fácil, sedutor e quase todo mundo adere. Você pode fazer supermercado, farmácia ou qualquer outro tipo de compra sem sair de casa. Visita o mundo que quer negar, conversa com as pessoas que nega nas raras vezes que as encontra, num relação de intimidade tal que chega a quase substituir as relações de “pele”. Dedique-se à internet.

Passo 2: Condomínios fechados

Morar no seu próprio mundo é fundamental quando o assunto é negar a cidade. Academia, salão disso, pista daquilo, área verde, ofurô. São tantas as comodidades para te prender ao máximo nessas prisões adaptadas que acho até possível - para evitar que os moradores saiam para o mundo exterior e aproveitando a soma com a internet – que eles se tornem os próprios profissionais responsáveis pela manutenção/funcionamento das prisões: faxineiros, jardineiros, seguranças, vigias.

Passo 3: Se for para sair da sua prisão-dormitório, que seja para uma prisão-lazer

Se o condomínio nega a cidade, o shopping nega a vida ao ar livre. Não existe temporalidade, a vida ali dentro está inerte para quem trabalha, para as plantas, para as relações humanas. Muda-se a decoração raras as vezes e, em intervalos irregulares, mudam-se as vitrines. Recomenda-se ao sair, fechar os vidros do carro e descer apenas quando já estiver no estacionamento de casa.

Passo 4: Todo ser humano é substituível por um telefone móvel

Sim, já reparou que sem exceções, todo mundo corta qualquer conversa para atender um “móbile”?

O que parece é que qualquer pessoa que está à distância é sempre mais importante do que a que está do seu lado ou das que estão do seu lado, ou mesmo da situação que está vivenciando: aula, amigos, familiares. Um minuto, tem alguém me ligando aqui...

Passo 5: Em caso de necessidade em sair explorando a selva de pedra, tenha sempre os equipamentos necessários em sua mochila

GPS – Vá direto ao destino desejado, não se perca e nem se deixe envolver pelas descobertas que um “engano” possa te proporcionar. É melhor ir sempre naquele lugar que está acostumado, pois não dá para gostar do que nunca soube que existia.

JORNAIS: se o percurso está cansativo, melhor se informar sobre o que acontece além de você, pois o que está ao redor não exerce qualquer reação.

FONES: Indispensáveis quando a questão é negar além do espaço urbano, os sons que ele produz. Nada de sons da metrópole.

Nesse caso, além dos sons você nega ao máximo as relações com o outro. Se torna incapaz de estabelecer novas relações sociais, fornecer alguma informação ou ser solícito à alguém que precise.

Eu só me pergunto o porque das pessoas se surpreenderem com a frieza, distanciamento e medo umas das outras, já que somos coniventes com um sistema que nos condiciona a viver sem o outro, ou numa vivência à distância, nessa total destruição do calor humano.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Toda Mente é Fértil, Mas a Maioria Não Planta Nada de Bom

Certa vez alguém disse essa frase tão citada por muitos, principalmente quando vemos alguém que nunca foi um ser humano bom, passando por uma situação ruim: “Você colhe aquilo que você planta”; nada mais óbvio não é? É fato afirmar que, quem planta repolho jamais colherá alcachofra. Como é fato afirmar também que planta mulher melancia jamais colherá Clarice Lispector, Freud, Beethoven, etc.

E observando os agricultores da nossa enorme fazenda Terra, nos deparamos com três tipos distintos de profissionais desse agronegócio da vida: os da Colheita Feliz, os Orgânicos e os Tecnológicos – estes subdividindo-se em Tecno-Capitalistas e Tecno-Pensadores.

A Colheita Feliz é aquela forma de vida à qual, bilhões de pessoas vivem: um jogo bobo, cujas estratégias já foram estabelecidas e não permitem modificações subjetivas. Você planta o que é mais barato e fácil, e rouba aquilo que é mais caro e difícil: conhecimento, direitos autorais, idéias, etc. tudo em função de um único objetivo – tornar-se o maior e mais rico fazendeiro, e que isso não dependa muito do seu esforço e trabalho, mas usando de esperteza e meios escusos, você vai construindo um império de “nada”, pois quando desliga o computador descobre que é tudo virtual. Tsc Tsc.

Os orgânicos são os que utilizam os velhos métodos de cultivo de conhecimento, sem agrotóxicos ou bio- tecnologias de modificações genéticas. Gostam de adubar sua mente com fertilizantes naturais, utilizando a boa literatura, boa música e artes de vanguarda para ao longo da vida obter uma colheita saudável. Recusam-se a enveredar-se pelos métodos contemporâneos de tecnologias para plantio como Rem Koolhaas ou Jenny Holzer – Do subgrupo dos Tecno-Pensadores -, mas conseguem direcionar a originalidade de seus métodos de vida férteis, baseados nesse modo tradicional de cultivo, porém obtendo os frutos de uma vida totalmente diferente da Colheita Feliz.

Já os Tecno-Capitalistas, esses são muito parecidos com o grupinho da Colheita Feliz em seus objetivos – dominar o mundo do agronegócio, obtendo o maior lucro possível. Porém trabalham com pesquisas científicas e utilizam a tecnologia a favor do desenvolvimento de plantas com grande capacidade de crescimento em um curto espaço de tempo. Geralmente replicam as coisas infinitamente para que alcance a o maior número de pessoas – não que isso seja bondade – pois na verdade estão pensando nos lucros de uma mega venda e não nos problemas acarretados pelas modificações genéticas de idéias de outros.

Por último, os Tecno-Pensadores, trabalham com a tecnologia a favor de suas plantações, gerando plantas resistentes a pragas e às intempéries, e buscando cruzamentos que permitam que em um pé de repolho, por exemplo, nasça uma alcachofra com gosto de sushi. Eles, como todos os humanos, dependem do dinheiro par a continuar suas pesquisas, porém não fazem dele o foco de suas vidas e por isso conseguem trabalhar um método de vida diferente. E é claro, dedicam grande parte do tempo nessas experimentações de espécies.

Cada um é livre para escolher o que plantar ao longo de toda sua vida, porém, certas escolhas sem o rodízio de culturas, acarreta em um curto período de tempo num desgaste e empobrecimento do solo, tornando-o infértil e morto.

Saibamos respeitar nossas próprias terras e cuidemos para que não tenhamos uma safra de joio e não de trigo. E que esse trigo seja distribuído e não permaneça ensacado em galpões eternos.

domingo, 25 de abril de 2010

Perdendo Dentes

Quem somos afinal? Ou melhor dizendo, quem estamos agora? Talvez seja a segunda pergunta – apesar de uma entonação esquisita -, a correta a se fazer, quando queremos uma explicação para nosso estado de constante mudança.

É claro que enquanto seres humanos, estamos eternamente condicionados a uma personalidade “frágil”, que requer reajustes. Ou, uma personalidade que se condiciona conforme nos inserimos nos fragmentos sociais – culturas, crenças, pensamentos – que juntos formam a totalidade do mundo.

Quando perguntamos quem somos, estamos talvez questionando aquilo que mais ou menos se define como uma constituição humana básica, ou seja, algo que permeie entre as origens do universo e porquês da nossa existência, qual a missão aqui, etc., etc., etc. E, sabendo que são perguntas sem resposta até o presente momento – e acredito, demorará mais uns bons bilhões de anos para que as respondam, se é que conseguirão -, não há porque ficar tentando colocar a culpa ou justificativas nessa ausência de explicação sobre aquilo que nos tornamos.

Por isso acredito que perguntar quem estamos, seja um passo para entender um pouco do nosso estado atual de personalidade, gostos, desejos, anseios, subjetividades, etc. Porém é preciso entender antes de tudo, que esse “estamos” significa algo efêmero, que passará após um período de tempo indefinido, ou seja, nem sempre conformará uma personalidade eterna. Está mais para um estado atual que assumimos frente àquilo que nos inserimos. Mas pode ser que venha a constituir uma subjetividade permanente como um DNA da personalidade, se essa mudança é claro, estiver de encontro com algo que já vem enraizado no subconsciente.

Engraçado é que essas mudanças ocorrem de forma mais intensa quando deixamos o “ninho familiar” e assumimos nosso próprio ninho - seja morando sozinho, em república, com outros parentes -, tendendo a deixar de lado as convivências com o ambiente/pessoas/costumes, que rodeavam seu doce lar.

E muda uma série de coisas: sua forma de pensar, de agir, seus gostos musicais, de vestuário, amizades, amores, quase como numa troca de dentes – os de leite pelos permanentes.

E como toda criança que perde seus dentes, os que saem deixam um “espaço vazio” que apesar de inicialmente parecer algo que enfeia um pouco a imagem do todo, como o próprio apelido diz “janelinha”, significa que, além de abrir um espaço para algo novo, melhor e mais resistente ao tempo, permite antes de tudo ver todos os outros dentes, através da falta daqueles.

Sem falar que depois que o novo se instala, vem aí uma nova fisionomia, um novo sorriso. Mesmo que esse novo seja meio torto e precise de um aparelho pra colocar no lugar, ainda sim é melhor que o outro, só custará um pouco de tempo e investimentos.

Muitas pessoas acharão que você está chato, não é o mesmo, não consegue estabelecer relações com os antigos amigos e mais um monte de coisas. Mas o fato é que você sabe que não é mais o mesmo. Que agora você “está” uma boca cheia de dentes permanentes, brancos e limpos, e que anseia por algo mais que uma chupeta velha e mastigada que só atrapalhava sua dentição perfeita.

É claro, que não é porque seu sorriso agora é “Colgate” que você deixará de partilhar das coisas que sempre gostou: chicletes, balas, doces, e guloseimas variadas.

É só que desta vez, você saberá o momento de parar, escovar os dentes e ir dormir, pois, aprendeu que doce em excesso causa cáries.

E nada melhor do que “uma boca saudável”! E você, quem está agora?

domingo, 18 de abril de 2010

Sou uma Não-Expectativa

É engraçado como as pessoas criam expectativas sobre como a gente deveria ser. Vivemos como personagens do imaginário alheio. Não apenas um personagem, mas um personagem para cada pessoa, pois todas que nos cercam criam papéis para que atuemos neles, e claro algumas criam personagens mais fortes, outros apenas desenham falas que gostariam de ouvir. O contrário também ocorre: criamos papéis para que as pessoas ao redor possam atuar neles.

É cansativo você tentar atender as expectativas alheias, ou melhor dizendo, você viver por você mesmo e nunca atender as expectativas alheias. Porque por mais que você viva sua subjetividade, chega um momento que fica exaustivo as pessoas dizendo de forma incisiva a maneira como gostariam que agisse, que falasse, que se portasse diante de determinadas situações.

Mas ninguém entende ou quer entender que se agimos como agimos, é porque estamos apenas exteriorizando a realidade da subjetividade, ou mais facilmente dizendo, estamos apenas sendo nós mesmos. Qualquer outra forma de ação esperada ou pré-determinada por outro seria viver num papel que não é a realidade própria.

Fico me perguntando quão frustradas as pessoas ficam por não atingirmos o patamar de “credibilidade” segundo as definições que melhor cabem a quem as impõe. É fato afirmar que essa frustração geralmente vem acompanhada de um “puxão de orelha”, dizendo o que deveríamos ter feito ou falado em determinada situação. E é fato também que se tentarmos estabelecer qualquer réplica em defesa da subjetividade, estamos forçando uma discussão e gerando uma nova não-expectativa por não concordar com a crítica a nós direcionada.

O que realmente as pessoas que “se importam” conosco esperam de nós? Ou de que forma é medido esse “amor” por nós, visto que o eu verdadeiro é algo que volta e meia incomoda?

Ás vezes imagino que como robôs que respondem à função do botão pressionado, seja uma boa maneira de viver daqui pra frente. Pelo menos todos seriam satisfeitos pois tudo estaria pré-determinado e programado para acontecer segundo a situação que se apresenta e já pensada antes mesmo de acontecer.

Mas tenho certeza que mesmo como robôs, ainda sim, nós nunca corresponderíamos às expectativas alheias e seríamos avaliados, dizendo que nossos sistemas estão cheio de defeitos no software e não executamos as funções desejadas. Porque afinal, somos aquilo que somos, e não aquilo que programam para sermos.

Como diz um trecho da música On My shoulders – The Do: “Quanto tempo eu vou sentar e esperar como um soldado, quando você sabe que eu nunca fui familiarizado com as ordens”?

Desculpe, sou uma não-expectativa.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Nem sempre, mas às vezes...

Ás vezes a gente simplesmente não tem como agir. Tenta, pensa, planeja, mas não há o que fazer. É como ganhar um presente que você não gostou e aquela pessoa não mencionou a loja onde o comprou e claro, você jamais conseguirá trocá-lo.

Ás vezes a gente acorda com saudade do beijo na boca. Não de qualquer beijo na boca, mas daquele beijo na boca que na hora você apenas se deixou levar, mas dias depois se vê sentado na cama, recostado na cabeceira, olhando para a parede e pensando no quanto foi marcante.

Ás vezes a gente chora com aquela música que você já ouviu milhões de vezes, mas que a partir de um momento especial, passou a ser especial e agora, toca mais em você do que no mp3.

Ás vezes a gente passa a noite implorando ao cérebro que não apague da memória aquele cheirinho da nuca de alguém numa manhã depois de uma noite de “conchinha”, no frio do início do outono.

Ás vezes a gente quer parar o tempo. Simplesmente congelar o mundo para poder colocar a vida no lugar outra vez – se é que ela já esteve nele algum dia, mas a gente se engana afirmando que no passado tudo era diferente.

Ás vezes a gente quer sentir a água corrente gelada nos pés. E a brisa que sopra de uma maneira diferente e faz o ar penetrar mais frio nos pulmões;

Ás vezes a gente sente falta do amanhã que nunca vem. Daqueles planos que ainda são apenas planos, mas que esperamos ser realidade “quando Deus der bom tempo”.

Ás vezes a vontade mesmo é gritar, forte, alto, esperando que aquela dor “filha da puta” agarrada lá no fundo da alma saia de uma vez, como quando assoamos o nariz e sai aquela meleca enorme.

Ás vezes da vontade de não viver mais. Cansa né?

Ás vezes a gente acorda triste porque não tem poderes mágicos. Porque lâmpadas com gênios não existem e máquinas do tempo ainda não foram inventadas.

Ás vezes a gente senta a tarde olhando para algum lugar sem ver nada. Porque estamos olhando para dentro de nossa própria mente, tentando enxergar um caminho para um objetivo.

Ás vezes a gente dá uma pirada e diz para todo mundo que vai recomeçar a vida. Mudar! Faz um milhão de promessas de mudança de vida e no meio da semana já não está dando mais conta dessa palhaçada toda.

Ás vezes a gente se sente perdido. Sabe de vários caminhos, mas não sabe qual deles percorrer, pois todos levam a lugares diferentes e o que leva realmente onde você quer ir você sabe que pode ser algum deles ou nenhum.

Ás vezes a gente quer uma borracha e um lápis. Daí a gente apagaria tudo aquilo que foi mal escrito segundo nossas verdades e reescreveria da nossa maneira. Rabiscando, tentando desenhar, colorindo.

Ás vezes a gente sente vontade de ir. Imaginar que existe uma linha reta a ser percorrida e sair como se não tivesse passado ou futuro, mas apenas um infinito que não define temporalidade.

Ás vezes a gente não quer seguir nada. Quer ficar parado quietinho, shiiiiii! Fale baixo.

Ás vezes a gente dorme com os olhos inchados de tanto chorar. Uma noite você chora por um motivo, outra noite chora sem motivos – mentira, todas as noites tem motivos, mas nem sempre você admite para você mesmo, muito menos para os outros.

Ás vezes a gente não quer. A gente não quer e pronto. Não precisa de motivos, nem justificativas. A gente simplesmente não quer. E nesses momentos em que não queremos, seja o que for, ainda sim, queremos algo, que o mundo se afaste até que tudo se ajeite dentro de nós, para que possamos querer - como algumas vezes a gente quer - o abraço apertado de retorno ao mundo real.