sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Plenitude Vazia

Texto publicado no Jornal Vale do Aço no dia 05/11/2009 no link:

http://www.jvaonline.com.br/novo_site/jornal/9/swf/xEk8t3-ASEXT.swf

Nada dá mais prazer do que a sensação de plenitude: em um dia comum para muitos, você acorda, olha para o teto e começa a pensar em quão boa é sua vida. Seu olhar parece atravessar o telhado e sumir no infinito. Não se ouve mais nenhum som externo; nada naquela manhã te distrai enquanto você pensa. É quase uma hipnose esse momento de reflexão da sua caminhada desde o início da vida - dos problemas que já superou, das dificuldades que ficaram para trás, pessoas, instantes, lugares, objetos, etc. tudo “enterrado” bem fundo para jamais voltar à tona.

Você começa a perceber a sua força e capacidade de superação e todos os ganhos que obteve graças à dedicação extra em cada aspecto dessas vivências cotidianas. Não há problemas que não seja capaz de superar, ou melhor, não há um problema sequer à uns quatro dias. A saúde vai bem, obrigado! Mesmo pequenas enxaquecas não são capazes de te tirar desse estado de satisfação mor.

Demorou algum tempo, mas finalmente você entendeu que quando falam que cada ser humano é único, estão realmente falando de um ser “exclusivo” que, diferente de um objeto também exclusivo, jamais poderá ser reproduzido, mesmo pagando por isso, mesmo desejando com todas as forças. E é por entender as potencialidades dessas subjetividades, que os conflitos passaram a ser raros. Você aprendeu a lidar com as diferenças, percebendo que ela é fundamental para que o mundo seja realmente um lugar interessante, e que uma unidade de pensamentos, maneiras de ser e estereótipos, seria algo extremamente chato.

E melhorando sua convivência de um modo geral, você cresceu espiritualmente e passou a perceber maiores vínculos sentimentais com as pessoas ao redor – relacionamentos de trabalho, de vizinhança, de amizade, familiares e claro, amorosos.

Tudo está tão bem e é tão inacreditável que uma sensação de medo e ansiedade subitamente começam a percorrer o seu corpo. O infinito some e o ar começa a ocupar todo o seu interior como se não houvessem mais órgãos dentro de você. É uma sensação tão desesperadora e angustiante que você nem sabe o que fazer. Às vezes chora, rola de um lado para o outro na cama, comprime a barriga. Outras vezes até toma algum comprimido pensando ser uma dor física, mas não é. É um grande vazio que, volta e meia você sente. Um vazio que não pode ser preenchido por essa plenitude atual, porque ele é conseqüência de um ato do passado: lembra quando você enterrou um monte de coisas no fundo da alma, pensando que estava “resolvendo” sua vida? Na verdade você apenas “varreu a sujeira para debaixo do tapete” e, agora que alguém o tirou para lavar, você se viu outra vez diante de tudo que estava escondido debaixo dele.

Pense na lógica de um aterro sanitário: ele resolve os problemas do lixo das cidades num tempo muito curto, e em um determinado momento ele transborda, não há mais como enterrar nada e tudo começa a se acumular na superfície. Além de tornar quase que completamente inutilizável outra vez aquela área, o odor que ele libera durante todo o processo de vida útil acaba gerando doenças e atraindo insetos indesejáveis.

Quanto mais “lixo” você enterrar na sua alma, mais repugnante e insuportável para você mesmo ela se tornará, até chegar um determinado momento em que tudo transbordará e se acumulará na superfície.

E só há uma forma correta de acabar com todo esse “lixo espiritual” que você enterra: é em primeiro lugar procurar um profissional que saiba lidar com isso - Psicólogos, Psiquiatras, Psicanalistas – para então eles te ajudarem a desenterrá-lo e realmente dar um fim.

Como geralmente há muita coisa enterrada, provavelmente vai levar um tempinho até que “tudo entre nos eixos”, mas, todo esforço é sinal de grande merecimento e, diga-se de passagem, a gente faz tanto esforço para conseguir um monte de futilidades que não há desculpa para não se esforçar pela própria saúde mental.

Há, e não venha com a velha desculpa de que esses profissionais são para “gente doida”. Doido mesmo é saber que em pleno século XXI as pessoas ainda criam pré-conceitos sobre isso.

“Viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz...” e nada melhor do que aprender com quem sabe fazer a vida um pouco mais bela, não é mesmo?


Nenhum comentário:

Postar um comentário