segunda-feira, 27 de junho de 2011

sessão de contos: Do Nada, O Nada



De súbito, foi tomado por um tremor. Sim, seu corpo tremia por dentro. Sentia aterrorizado os efeitos de quem atinge um estado perceptivo da realidade ,onde tudo é desprovido de sentido e não existe um querer. Até para escrever ele relutava. Não queria absolutamente nada, nem morrer, nem comprar, nem sair de casa, nem ficar deitado digitando, nem nada.
Era um abismo sem buraco. Não sabia ao certo como reagir, pois não havia querer em reagir frente a esse momento de perda total da vitalidade. Havia muito o que fazer, muito, porém nada o motivava.
Ele não era, não seria, e nem nunca, jamais foi. Apenas estava ali, todos os dias, vez ou outra revezando sentimentos extremos, com picos de rara alegria e picos de aflitiva angustia.  Nem mesmo o limbo era mais limbo, a partir do momento em que emaranhava-se nesse estado onde acontece um nada direcionado ao nada.
Parecia se desintegrar no colchão coberto por um lençol vermelho vivo, manchado de gotas vermelho sangue. Não se lembrava como isso acontecera, porém todas as vezes que estendia o lençol sobre a cama, fitava as tal manchas e sentia-se arder em ódio por aquilo. Sorte que as almofadas e travesseiros podiam-nas tapar.
Até se distraía com as outras imperfeições no seu refúgio do mundo mau lá fora. Imaginava-se em outro lugar. Ele não combinava em nada com esse lugar esquisito. Não foi isso que ele almejou no ventre de sua mãe. Não foi pra isso que ela o colocou no mundo.  É o seu lugar agora, mas não é o seu lugar pra sempre, então porque permanecer ali por mais tempo? Pensava sem resposta.
A água gelada sempre o ajudava a retomar os sentidos ilusórios de sempre. Tomou uma boa golada, ela desceu ríspida e embolou na metade da garganta. O ar que entrou esfriou-se com a temperatura da água estancada e, mesmo impedido e fazendo muita força, desceu e encheu os pulmões de um sabor branco-neve, do qual provavelmente tirou-lhe o fôlego.
Seu estômago foi seguido por eles, sendo atingido bruscamente por aquela porção de água fria, que ao bater nas laterais pareciam socos no estômago.
Voltou a se lembrar das manchas. Queria jogar os lençóis fora pois havia os comprado a pouco tempo e não fazia sentido que eles estivessem assim. Se distraiu novamente com seu mal-estar. Pensava se ainda era capaz de querer alguma coisa. Desejava desejar, esse era o ponto principal. Já conseguia exercer força sobre si mesmo como forma de sair dessa tentativa de assassinato de sua alma.
Tinha uma fé pálida estampada, porém firme-inconformada, escondida sob uma ótica desconhecida. Sentia-se o único no mundo por isso. Não por sua forma diferente de encarar Deus, mas por possuir um nada eterno, formado por um desejo de fé de mudança de certeza de impaciência de raiva de não poder gritar para que tudo se resolvesse em seu tempo, mas certo de que resolveriam.
Gritos! Ele sempre os tinha pronto, feito champanhe chacoalhada em virada de ano. Explodiriam a qualquer momento, fazendo ou não barulho, com bolhas e bolhas de raiva, de ódio, de cólera, de inconformismo, jorrando taça abaixo, derramando e grudando o piso. Gritava para o lençol vermelho manchado, perguntando-lhe como se permitira sujar dessa maneira. Gritava para si mesmo pedindo que tivesse um coma mental, fazendo com que parasse de pensar tanto e se tornasse uma pessoa clichê.
Gritava porque gritar mascarava um pouco do nada que existia dentro e que agora, de súbito, causou todo esse transbordar de sentimentos. Como uma correnteza de desespero do qual não há nada a fazer senão se deixar levar por ela, gritando por favor não o deixem afogar, ele submergiu. Respire, respire, respire que o nada ainda não acabou. Respire que do nada vem uma força, a mesma força que sempre vem tapar seus olhos para que não tenhas medo desse monstro que mora dentro do seu armário dentro do peito. Ele não vem todas as noites, mas ele está sempre à espreita esperando seu despertar de consciência. É ele, que como o lençol manchado, mancha sua alma de um translúcido vazio, que desintegra a realidade, transformando-a num pó fino, que quando levada pelo vento, dispersa-se até não poder jamais ser recolhido e recomposto em sonhos e anseios.
Respire!

Um comentário:

  1. Denso. Expressou muito bem.

    Adorei:

    "Gritos! Ele sempre os tinha pronto, feito champanhe chacoalhada em virada de ano. Explodiriam a qualquer momento, fazendo ou não barulho, com bolhas e bolhas de raiva, de ódio, de cólera, de inconformismo, jorrando taça abaixo, derramando e grudando o piso."

    bjo!

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