terça-feira, 13 de março de 2012

Não se Cozinha a Felicidade na Panela de Pressão



A felicidade em sua mais pura forma estava ali, acontecendo entre tomates vermelhos picados na tábua branca sobre a pia da cozinha, misturada ao cheiro de páprica doce e o barulho da panela de pressão que chiava alto.
Adan não sabia ao certo sobre o que vinha depois dessa cena, mas o que se seguiu durante seu acontecimento beirava o orgasmo, onde o corpo parecia tremer por dentro num estado de graça, como se fizessem cócegas nos órgãos mais sensíveis.
Não havia nada ali, a não ser uma pilha de louças para serem lavadas, milhares de ingredientes que juntos formariam pratos diversos em sabores experimentados na prática e com a falta de prática; mas também havia tudo, ou apenas essa sensação interna viciante, meio alucinógena, que não necessariamente o tirara da realidade, mas o deixara com a convicção de que era aquele o estado de consciência, de espírito, ou qualquer nome que se queira dar, que Adan queria permanecer pra sempre.
Era o alcance de uma busca desde que nasceu, de infame crença na possibilidade de ter-se descoberto o sentido da vida. Mas descobrindo ao acaso, sem forçar a barra, sem procurar, ele apenas veio no momento em que vivenciava uma de suas habilidades: a culinária.
O cansaço de um dia de trabalho típico de segunda-feira não foi o suficiente para aquietar as substâncias e energias que provocavam essa graça. Nem a cebola cortada causando um choro atípico. Nem todas as preocupações do mundo que ele carrega sobre si.
Mas tão logo percebeu o que acontecia, logo as cócegas cessaram, a sensação trêmula da falta de controle no bom sentido, já não era sentida e o que ficava além da lembrança das sensações provocadas, das partes atingidas por ume êxtase desconhecido era uma onda de bem-estar incalculável, mas não definida no momento como um estado de bem-estar, apenas vivido.
Os temperos se acomodavam perfeitamente no sabor do molho que cozinhava, liberando os odores de uma mistura que deu certo. A fome vinha sem ter como ser saciada pois já estava satisfeita, mas não causava mal, causava uma vontade de tudo, de que além do que se pode, se pode ir além. É um além que se configura como necessidade e não como excesso. Como uma receita que se cria a partir do desejo em usar ingredientes que vão das preferências às vontades de experimentar o novo.
A panela de pressão, agora calma, descansava da gritaria que fizera minutos antes. Já beirava a meia noite e o sono, que deveria ser o próximo da fila, não tinha dado nem as caras. A noite era de brisa fina com gosto de chuva de meio de março.
Sozinho ali naquele lugar que alugou para chamar de seu, Adan dividia o resultado de tudo isso em potes plásticos transparentes de tampa vermelha. Um a um os empilhava no freezer com cuidado para não derramá-los, espalhando por todo o refrigerador, comprometendo uma semana inteira de pequenas porções diárias de saborosas recordações.
Congelando-os, sabe Adan que não terão mais a consistência e o sabor do que é degustado fresco. Mas há uma maneira de se reviver os sabores mais marcantes, mesmo que se perca uma parte de suas características originais. Mesmo que a maioria delas se encontre congelada na memória.
Mas é possível matar a fome com sabores similares, até que se encontre novamente ao acaso, a combinação perfeita da receita da felicidade.


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