A felicidade
em sua mais pura forma estava ali, acontecendo entre tomates vermelhos picados na tábua
branca sobre a pia da cozinha, misturada ao cheiro de páprica doce e o barulho
da panela de pressão que chiava alto.
Adan não
sabia ao certo sobre o que vinha depois dessa cena, mas o que se seguiu durante
seu acontecimento beirava o orgasmo, onde o corpo parecia tremer por dentro num
estado de graça, como se fizessem cócegas nos órgãos mais sensíveis.
Não havia
nada ali, a não ser uma pilha de louças para serem lavadas, milhares de
ingredientes que juntos formariam pratos diversos em sabores experimentados na
prática e com a falta de prática; mas também havia tudo, ou apenas essa
sensação interna viciante, meio alucinógena, que não necessariamente o tirara
da realidade, mas o deixara com a convicção de que era aquele o estado de
consciência, de espírito, ou qualquer nome que se queira dar, que Adan queria
permanecer pra sempre.
Era o
alcance de uma busca desde que nasceu, de infame crença na possibilidade de
ter-se descoberto o sentido da vida. Mas descobrindo ao acaso, sem forçar a
barra, sem procurar, ele apenas veio no momento em que vivenciava uma de suas
habilidades: a culinária.
O cansaço de
um dia de trabalho típico de segunda-feira não foi o suficiente para aquietar
as substâncias e energias que provocavam essa graça. Nem a cebola cortada
causando um choro atípico. Nem todas as preocupações do mundo que ele carrega
sobre si.
Mas tão logo
percebeu o que acontecia, logo as cócegas cessaram, a sensação trêmula da falta
de controle no bom sentido, já não era sentida e o que ficava além da lembrança
das sensações provocadas, das partes atingidas por ume êxtase desconhecido era
uma onda de bem-estar incalculável, mas não definida no momento como um estado
de bem-estar, apenas vivido.
Os temperos
se acomodavam perfeitamente no sabor do molho que cozinhava, liberando os
odores de uma mistura que deu certo. A fome vinha sem ter como ser saciada pois
já estava satisfeita, mas não causava mal, causava uma vontade de tudo, de que
além do que se pode, se pode ir além. É um além que se configura como
necessidade e não como excesso. Como uma receita que se cria a partir do desejo
em usar ingredientes que vão das preferências às vontades de experimentar o
novo.
A panela de
pressão, agora calma, descansava da gritaria que fizera minutos antes. Já
beirava a meia noite e o sono, que deveria ser o próximo da fila, não tinha
dado nem as caras. A noite era de brisa fina com gosto de chuva de meio de
março.
Sozinho ali
naquele lugar que alugou para chamar de seu, Adan dividia o resultado de tudo
isso em potes plásticos transparentes de tampa vermelha. Um a um os empilhava
no freezer com cuidado para não derramá-los, espalhando por todo o refrigerador,
comprometendo uma semana inteira de pequenas porções diárias de saborosas
recordações.
Congelando-os,
sabe Adan que não terão mais a consistência e o sabor do que é degustado fresco.
Mas há uma maneira de se reviver os sabores mais marcantes, mesmo que se perca
uma parte de suas características originais. Mesmo que a maioria delas se
encontre congelada na memória.
Mas é
possível matar a fome com sabores similares, até que se encontre novamente ao
acaso, a combinação perfeita da receita da felicidade.
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