sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Manual de Instruções Humanas

Texto publicado no Jornal Vale do Aço em 16/10/2009

http://www.jvaflash.com/jornal/Flash/20091016/carrega_pag12.htm


O século em que estamos nos coloca de frente com mudanças tecnológicas radicais em diversas áreas da ciência, como biotecnologias, nanotecnologias, entre outras. Tecnologias que de um lado ajudam no combate a doenças, no uso consciente dos recursos naturais, etc., e do outro, nos ilude e induz ao que não precisamos e ao que não somos.
Todos os dias recebemos vários spams em nossos e-mails, lemos em outdoors ou em folders de lojas de departamento sobre todo tipo de lançamento em tecnologias que “facilitam a vida”. Várias delas capazes de nos impulsionar a uma necessidade tão latente em possuí-la que, uma vez adquirida, torna-se quase uma “extensão de nós mesmos”, ao ponto de não conseguirmos mais imaginar nossa vida sem ela.
Paralelo a isso vemos uma tecnologia que distancia pessoas próximas e “aproxima” pessoas distantes, ou seja, destrói as relações e casualidades reais, na medida em que nos empurra para uma “casualidade virtual programada”. Por exemplo, todo mundo que utiliza o popular “MSN” provavelmente já passou horas teclando com um amigo e, ao encontrá-lo na rua, simplesmente viu o assunto sumir e se abreviar como num texto digitado na “janelinha” desse programa:
-Oi sumido (a), blz?
-Oi, blz, sumi nd, vc q sumiu.
-Pois eh, dexa eu ir q tô atrasadu... abçs
-Outro... =D
Isso se ambos estiverem dispostos a retirar dos ouvidos os fones de seus MP3, MP4, MP5, MP6, MP...n para então “cuspirem” sua web-linguagem, já que esses aparelhinhos - apesar de nos distrair em uma viagem longa - simplesmente isolam-nos do espaço urbano, ou seja, tornam-nos imunes a todos os tipos de sons e interações com a cidade e as pessoas ao redor.
Todo esse isolamento frente ao às relações sociais é mais tarde refletido num estado profundo de tristeza onde achamos que estamos sós no mundo, que ninguém é confiável, que nunca teremos um relacionamento, que as pessoas são muito complicadas, que tudo deveria ser mais simples ou vir com um manual e blá, blá, blá...
O que muitos não entenderam, é que todos nós nascemos sim, com um manual. Esse manual que só pode ser lido por nós mesmos e cuja única recomendação antes do uso diz: “Que conheçamos a nós mesmos, ‘fuçando-nos’, pois somente quando tivermos uma noção significativa do que realmente somos, saberemos nos apresentar aos outros sem que eles precisem se perder em pensamentos e dúvidas, tentando compreender porque somos como somos”.
E tal qual aprenderemos a nos conhecer, deveremos ensinar aos outros que também se conheçam, para que não fiquem insistindo que os compreendamos, quando na verdade, nem eles mesmos se compreendem.
Todos somos pré-programados, mais ou menos como um robô.
Pré-programados para amar, para perdoar, para ajudar, etc., porém, livres para potencializar essas “funções básicas”, expandi-las cada vez mais, tomando cuidado para não ser consumido por vírus e falhas do sistema – ódio, orgulho, rancor, etc. -, já que somos suscetíveis a isso como uma máquina, e também possuímos um prazo de “vida-útil”.
Porém, diferentes de um robô, não estamos fadados à obsolescência se entendermos que somos capazes de nos “atualizar” sempre, aprendendo com as interfaces desse programa maior chamado vida.
E como toda tecnologia de ponta, chega um momento em que precisaremos realmente ler nossos manuais - para aprender a utilizar perfeitamente nossas diversas funções - como o fantástico – e quase esquecido - sistema de interações afetivas via “bluetooth”: um olhar que envia ao e recebe do outro, imagens, sons, desejos, anseios e vontades.

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