domingo, 22 de agosto de 2010

Rot(a)(ina)

De repente a sua vida se torna uma espera por um ônibus de madrugada rumo à sua casa, ou ao que você acha que é.

Não há ninguém por perto, e se há alguém ou “alguéms”, não faz diferença, você continua sozinho, com medo e ansioso. Você viu que em algum momento existe a probabilidade de você ir embora e entrar nos eixos da rotina outra vez, porém, está à mercê de um sistema de transporte que está além das suas possibilidades de interferência – nem ligando e reclamando no sac.

E é desgastante ficar ali à noite, os segundos passando, o tédio tomando conta, você como um telespectador obrigado – pois não há outras distrações – assistindo os seres da madrugada em suas vidas noturnas, e você vivendo a noite, porém, vislumbrando o rumo, a casa, o lar.

Você canta silenciosamente, pra tentar acalmar a ansiedade. Como um tique, passa a cutucar o celular, olhar as horas, as mensagens, ligações recentes e nada. Os números travaram e o tempo congelou qualquer sinal mínimo de mudança.

Está frio, ou nem tanto, mas a solidão e a angústia ajudam a diminuir a temperatura. Ali, qualquer noção de proteção se desfaz como uma névoa. Você está no mundo, em confronto direto, sem nenhum invólucro, nem mesmo o próprio corpo. É uma nudez completa. E a não ser que os pensamentos ajudem – o que é provavelmente impossível – você permanecerá com essa sensação de filme de terror - cuja música de fundo praquela cena em que alguém vai então ser morto - toca cada vez mais alto.

Na esquina surge um ônibus, você se levanta agradecido, sentindo um alívio, prepara-se para erguer o braço e dar sinal, mas no letreiro ainda meio embaçado, lê que não é o que te levará até em casa: - merda! Você exclama.

-Tudo bem, pelo menos está passando ônibus, o que significa que o meu virá a qualquer momento, só esperar mais um pouco.

A maioria das pessoas – quando não todas – entraram nesse último que passou, e você se vê novamente na solidão total. Somente os sons noturnos fazem-lhe companhia. Ou vez ou outra, barulhos de salto-alto descompassados, e risadas sem graça indicando um estado alcoólico alterado, resultado de alguma diversão por aí, da qual você sequer faz parte ou consegue imaginar, tal o estado em que se encontra.

Tanto faz, isso só quebra um pouco da sua concentração no medo. Porém, lá se vai o tempo, ou melhor, o tempo não se vai, ele permanece com você, como companhia fiel. Você não se vai, ele também não.

Tanta espera te faz pensar em arriscar uma forma mais fácil de conduzir as coisas, pegar um táxi é uma boa pedida, se você pensar na rapidez da viagem, e não se importar com os muitos reais a mais que os do ônibus, tudo bem, você até vai. Mas quase sempre é: - não vou gastar com táxi, o ônibus tá quase passando, e pela economia, tudo bem ficar aqui mais um pouco. E fica!

Quase em fins de desistir da vida e se entregar ao táxi, apesar de já ter esperado horas, ou seja, se era pra pagar caro, fizesse isso logo no início e você já estaria em casa a anos luz dormindo, você vê apontar na esquina outro ônibus, ele se aproxima e você lê “casa”. Ufa! Enfim.

Sentado sozinho ao fundo, você somente contempla a velocidade com que a cidade passa ao redor, imaginando a proximidade do destino final. Quando então chega, abre a porta e ascende a luz da sala, se depara com a monotonia sentada no sofá, batendo papo com a rotina, com um ar de cobrança de pais que ficam à sua espera para pedir satisfação. Ela olha pra você e diz: demorou, estávamos à sua espera. Já é domingo, temos assuntos a tratar a partir de hoje...

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