quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A Mágica de Dividir ao Meio

Imagina-se que isso comece na infância, essa coisa toda de acreditar no sobrenatural. Geralmente o primeiro contato acontece diante de uma televisão, naquela tarde de domingo em que você assiste junto de seus pais algum programa de entretenimento, com aqueles quadros do tipo novos talentos – que de novos não tem nada, em geral as pessoas vão lá e sempre fazem as mesmas coisas bobas: dançam,cantam, equilibram algum utensílio de cozinha em alguma parte do corpo, etc. – mas enquanto criança, você, incapaz de sentir atração pelas danças ou os calouros, fica ali no chão com seu carrinho ou boneca, sem prestar muita atenção.

Nem mesmo alguém pedalando numa roda sobre uma corda ou aquele acrobata que se enrola e desenrola num tecido que pende do teto exibem qualquer dom capaz de fazer você abandonar seu mundo imaginário – que além de não haver fronteiras, nele, tudo é possível.

É então que o apresentador anuncia que o próximo talento fará um show de mágica. Puff! Como que hipnotizado você rapidamente esquece a brincadeira e sem piscar, firma seu olhar na TV, ansioso.

Coelhos saem de cartolas, cartas voam das mangas do casaco preto, tecidos desaparecem na palma da mão e em seguida viram uma pomba. É tanta emoção em algo que é impossível, mas um impossível que é, e simplesmente é, e está ao alcance e ao mesmo tempo além de qualquer possibilidade. Isso é a mágica.

Durante boa parte da vida a gente não dá conta, mas a maior mágica que acontece é exatamente essa de viver - depois desse instante em contato com o ilusionismo - como um ser humano que enxerga a mágica em momentos, pessoas, lugares e coisas. E como no significado literal da palavra em questão, iremos pela vida por um caminho formado de paralelepípedos do verbo iludir.

Vamos nos sentar na beira de algum rio ou lago com alguém, contemplar o luar e pensar: esse momento é mágico! E se não tem natureza, vamos sentar em um restaurante com luz baixa, luz de velas, e pensar o mesmo. Vamos pensar em magia quando estamos sozinhos em algum lugar que gostamos muito, cujas situações nos empurram para algo ainda melhor.

E ainda nos entupir de uma mídia que não poupa efeitos especiais para tentar fazer com que a mágica, mesmo na contemporaneidade, seja atual e impossível de extinguir.

Mas do mesmo jeito que a mágica começa, termina. Ela é simplesmente, uma ilusão daquilo que precisamos no momento: carinho, coisas, pessoas, situações. Pois enquanto seres insaciáveis, continuaremos a nos entupir de magia, em situações que não deveriam acabar jamais e blá blá blá.

Sejam Harry Potters, Crespúsculos, varinhas com estrela na ponta, capas do desaparecimento, pozinho brilhante, fumaça azul de teletransporte, lâmpadas com gênios de poder infinito mas que limita seus desejos, maçãs envenenadas que necessitam de um beijo de ressurreição, ou qualquer outra história ou método arcaico de se conseguir o impossível, seremos conduzidos a um mesmo caminho: o da pressuposição de que no final, o bem vence o mal e a mágica já não é necessária.

Nem novos truques, nem novas histórias de seres mirabolantes farão com que a magia das coisas perdure na vidinha corrida que temos. Afinal, seja com serra elétrica ou com serrote, partir alguém ao meio para impressionar funciona melhor em programas policiais onde a carnificina que é tão palpável e real, nos parece impossível quando somos expostos a uma realidade que negamos ou fingimos estar muito distante de nós.

Um comentário: