sábado, 26 de março de 2011

E Esse Parafuso Que Nos Falta....Sim, Falta

Quem consegue regozijar-se com aquilo que tem de forma gratuita? A insuficiência da vida causada pelo buraco negro que possuímos na alma e que consome tudo o que adquirimos, transforma em poeira “kármica” os pequenos insights de efêmera felicidade. É kármico porque geralmente depois de um período - algo que aparentemente trouxe um prazer - pouco tempo depois traz um “desespero”: -“porque comprei aquilo ou porque fiz aquilo?”.
Não significa que não deveria ter sido feito, adquirido, vivido, significa apenas que como num universo cheio de espaços vazios, jamais estaremos completos. Porque fomos criados para ser assim, com “um parafuso a menos”, causando inúmeras panes. Hora funcionamos bem, hora nosso sistema operacional adquire um vírus ou sofre ataques de hackers.
E é esse bendito parafuso que procuramos por toda uma vida, inutilmente é claro, visto que não temos as dimensões ou formato do mesmo. Aliás, não sabemos sequer o que é esse parafuso - pode ser que seja um prego um “jacaré” um clip ou simplesmente algo que tape esse buraco: um chiclé mastigado.
Então, com essa fissura engolindo todo esforço, torna-se imprescindível que para toda graça adquirida justifiquemos seu ganho com uma desgraça ou pseudo-sofrimento. Assim, olhamos pro lado sempre que precisamos tentar de maneira forçada, provar para nós mesmos o quanto somos felizes ou completos, e traçando uma comparação que resulte em uma auto-exaltação pós-culpa, usamos frases na frente do espelho, do amigo, do desconhecido ou de alguma rede social .
Dessa maneira, fingimos tal qual ou mais que a própria comparação em si, que acreditamos nessas frases pré-programadas de auto-ajuda, auto-compadecimento, auto-piedade, negando aquilo que realmente sentimos.
Logo que surgem situações no cotidiano que rompam com ele de forma desastrosa ou mesmo que cause algum estranhamento, começamos nossa ladainha para quem tem paciência de ouvir:
-“Pois é fulano, ainda bem que minha casa é humilde, mas é comprada com esforço, imagina quem não tem onde morar?”. (De odiar o lugar que vive e fingir esse não-ódio).
-“Minha vida anda um inferno, mas não posso ficar reclamando, pelo menos saúde eu tenho, enquanto há milhares de pessoas nos hospitais lutando pela vida.” (De querer morrer a qualquer momento).
-“Olha lá o beltrano do apartamento 000, comprou todos os móveis novos, mas aposto que aí tem alguma coisa errada. Duvido que o salário dele seja suficiente. Eu não tenho nada novo, mas pelo menos não tenho dívidas.” (De se morder querendo comprar o mundo livremente e se prender em uma falsa honestidade do não-ter...prestações).
-“Você é jovem e tem uma vida inteira pela frente, é inteligente e conseguirá tudo o que almejar. Imagina aqueles da mesma idade que a sua que não tiveram as mesmas oportunidades e estão sofrendo pelo mundo”. (De querer te fazer entender que a vida te escolheu e não aos outros).
Dentre milhares delas, já ouvimos ou falamos sempre. Mas tudo isso talvez seja apenas uma reação da alma a uma negação de todo sentimento. Fingindo não existir lado ruim ou alguma parte de nós contaminada pelo ego, condicionamos nossa vida a essa eterna peleja de se entender como bom/bem em tempo integral, porém usando um olhar crítico de desdém para o que está ao nosso redor, na ansiedade de justificar-se em cima das mazelas do mundo.
Ninguém é tão ruim que só tenha sentimentos ruins, nem tão bom que só tenha bons sentimentos. Existe um universo de reações que acontecem em nós o tempo inteiro. Inveja, raiva, insatisfação, amor, felicidade, falta. Não basta sentir, tem que aceitar. 

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