quinta-feira, 10 de março de 2011

Na Calada da Noite Calada


As nuvens estão se dissipando; parecem perder a força e desaparecer enquanto o sol tenta manter seus últimos raios por mais tempo no céu. É inútil! Seus gritos amarelo-ouro cortam as poucas nuvens que ainda restaram, sobreviventes de um longo dia de calor intenso.
O lusco fusco chega em silêncio marcando o fim do dia. Como uma “poeira cósmica”, fina e meio sem rumo, rapidamente transforma toda a luminosidade vívida em uma luz quase sem vida, bem ao fundo, como um segundo plano.
Enquanto isso a noite dá seus primeiros sinais de que será também longa, fria e misteriosa. Ainda com aquela luz de fundo, umas poucas estrelas se impõem no céu mesclado, talvez abrindo caminho pra lua.
E o fim do entardecer que leva consigo os seres humanos que precisam da luz solar para trabalhar e realizar as mais diversas tarefas, numa fotossíntese com a luminosidade (de enxergar tudo), marca o início do anoitecer, que é quando os seres noturnos começam a se preparar para sair à caça.
A noite promete um banquete, carnes de todos os tipos, em todos os cantos e becos. O que o dia esconde, mascara ou abomina, ela gosta, mostra e permite em silêncio. Não há luz artificial capaz de revelar o que os olhos famintos procuram entre os lasers da pista de dança ou na penumbra que fica entre um poste e outro nas ruas mais escuras. Ela inspira os prazeres e instiga a busca.
O corpo pede e a mente acompanha o raciocínio dele. A sede da pele alheia se converte numa abstinência do toque – tocar e ser tocado. Quer-se o calor que exala da pele humana, cuja troca de energia acontece por meio do suor, entorpecendo e inebriando o espírito com uma força capaz de causar um big bang.
É preciso adentrar a noite. Perder-se em meio a pouca visibilidade para conseguir um ímpeto de sentimentos que mistura ansiedade e medo, a fim de saciar os desejos pela adrenalina. A emoção do que não se sabe, do desconhecido. O mito da caverna deixa de ser mito e passa a ser uma realidade latente.
Cada presa é também caçador. Cada presa quer atrair e ser atraída. Ser os dois aumenta sua chance de comer bem e dormir com a barriga bem cheia.
Dança-se a dança do acasalamento. Exibem-se plumas, exalam-se os mais variados odores que misturam fragrâncias importadas e pele suada. Urros e sussurros para chamar a atenção. Quanto mais presas/caçadores olhando, melhor.  São movimentos às vezes camuflados em uma busca pelo pedaço de carne de primeira. Observa-se, entende-se o ambiente, e prepara-se para o ataque. Os gestos tornam-se robótico-sem graça, os olhos às vezes tentam disfarçar ao mesmo tempo em que tentam responder para o cérebro que a presa está fácil – quando se é o caçador. O disfarce frente à incerteza é iminente e a tentativa de negar que a noite poderá ser farta é constante.
Desvia-se o olhar e tentar esconder a falta de jeito em lidar com o fato de que está sendo observado – quando se é a presa. O caçador parece bom de mira, mas talvez esteja de olho em alguma outra presa por perto. Melhor esperar disfarçando o medo e agguardar o ataque surpresa.
Mas, nem sempre a ofensiva é certeira, e nem sempre uma única presa sacia a fome do caçador, ou o caçador sacia a fome da presa. É preciso mais, muito mais. A mente vil e mortal diz que existem mais do mesmo por aí, à espreita ou escondidos. Mas o corpo dá sinais de cansaço tentando dizer que o tempo de caça foi longo e o dia se aproxima, espantando os seres noturnos para seus redutos e esconderijos. 
E lá, aguardam no sono de beleza, acumulando energias para a próxima noitada. Esse espécime raro chamado humanos, únicos seres capazes de sair ganhando independente da posição, sendo predador ou presa.

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