quarta-feira, 21 de março de 2012

Insolito



Você chegou sem convite, e se convidou a ficar. Era noite fresca de verão de sábado e junto com a brisa tranquila vinha seu perfume de “fiori bianchi” em fim de tarde.
E tão italiana! Falando com voz maior que a estatura. Mas era voz que falava com vontade de palavra, com força em cada letra, tentando joga-las no mundo, gritar cada sentimento que explodia e vinha de um coração empoeirado, mas bem vivo.
Mais vivo ainda eram seus olhos graúdos, de um preto em tom espontâneo e com brilho clichê de quem vê um jardim orvalhado, com gosto de manhã, ensolarado.
E você com seu vestido branco florido que implorava por um rodopio que o inflasse em braços abertos, numa dança ritmada pelo embalo daquela brisa noturna tão familiar e do barulho que o amor faz quando tenta entrar sem muito estardalhaço, mas vez ou outra derrubando algumas caixas fechadas no coração ainda bagunçado da última mudança.
Eu com minha calça de linho preto e camisa amarelo-desgastado, boina cinza e pés descalços, um tanto cansados de andar na rotina, mas com cheiro de vinho em barril de carvalho, fermentando litros de sentimentos tintos, em um vermelho suado com gosto de lágrima recente.
Você com a cabeça pendendo pro lado, olhos fechados e sorriso rasgando os lábios “rossos” com desejo de um beijo de príncipe que desce do cavalo e estende a capa para que a “bella ragazza” não molhe os pés na poça. Girando, solta.
Eu com minha rispidez corriqueira, atento a cada movimento seu. Meio espantado com sua maneira de brindar “la vita” mesmo depois de tantos arranhões do tamanho dos joelhos, ainda com força para “ballare” com medo da queda, mas sem se ater a ela.
“Insolito” era a palavra que definia aquele encontro de dois mundos: o do amor em fase de maturação e o do “amore in fermentazione“.
Sofía que significando Sábia, também poderia ser Sofria ou Sorria, era uma “miscela” liquidificada com um gosto no final da garganta de inocente tentativa de redesenhar o mundo em traços e contornos sutis e bem desenhados.
Adan que nada significava, trazia em seu DNA inglês o que todos chamam de frieza e ele define como “medida”. Saber dosar a maneira como se apresenta sentimentalmente aos outros, já que nem todos estão preparados para sentimentos externos.
Mas foi de súbito que tudo aconteceu, como de súbito se morre, mas também se vive. Ela entrou para ficar, para sempre, mesmo que um dia distante, se houver distância, já que não há lei do amanhã. Sofía entrou meio desastrada, esbarrando nas quinas pontiagudas de um coração desconfiado, mas solta, livre, com medo, sem medo, doce, amarga, “imbarazzata”, mas pisando firme como quem deixa passos a serem seguidos.
-“Ciao”, calminha. Seca suas lágrimas, pequena. As coisas boas não são eternas, muito menos as ruins. Dizia Adan com convicção e sobrancelha erguida, ao que ela respondia:
-“Eu sou assim, você sabe! Tem coisa que não se explica”.
-“Cazzo”! Eu também sou o que sou.
-Então deita aqui do meu lado, encosta a cabeça no meu colo macio e fecha esses olhos castanhos. Vou acariciar seus cabelos lisos com as pontas dos meus dedos e cantarolar algumas canções da “nostalgia”.
- Cante seus segredos, cante suas dores, seus amores, seus passos, suas perguntas. Cante para que meus ouvidos encontrem a nota que falta para que eu cante também para você. Vim aqui para te encontrar, ninguém disse que seria fácil, nem que seria tão difícil, mas vamos.
-Você não sabe o quão amável você é! Queria dizer que preciso de você, e dizer que escolhi você para leva-lo pela única estrada que conheço e quero que me leve pela sua.
-Ei, psiu! Fala baixo pequena. Deixa que o amor sabe o caminho. Ele nos trouxe, e agora nos levará adiante, porque o amor não se classifica, ele é amor não importando entre quem, mas a maneira com que ele acontece. Então continue soprando no meu ouvido, quero dormir ouvindo “la dolce voce della vita”.
-Dorme com Deus.

Um comentário:

  1. "Se eu pudesse, pegava seu lindo, caridoso e doce coração e guardava bem quentinho dentro do meu. Assim talvez eu pudesse lhe proteger da crueldade do mundo. Pois a minha religião é o amor, o bem e a caridade. E é a favor disso que vou lutar, enquanto você corajosamente canta o Blues da Piedade deitado em meu colo (pois é preciso muita coragem e amor no coração para clamar por piedade pra essa gente careta e covarde).

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