domingo, 8 de abril de 2012

{Paz}coa



Houve um dia uma infância! Nela o mundo era menos áspero e rolar no chão não causava nada além de feridas temporárias nos joelhos e cotovelos e um medo imensurável na hora de passar mertiolate.
Foi um tempo onde os sabores eram sempre interessantes demais, onde tudo que era novo era uma novidade sem tamanho, de encher os olhos e de aumentar a crença no desconhecido, no mistério, na fantasia.
Houve um tempo de mágica em todo lugar. Tínhamos todos superpoderes e capas voadoras de toalha de banho ou de mesa, espadas de cabo de alguma coisa e castelos imensos habitados por reis malvados e dragões de duas cabeças cuspindo fogo.
Nossos cobertores eram muito mais resistentes que armaduras de cavaleiros ou esses coletes chinfrins de policiais de hoje em dia. Os cantos da cama eram perigosos para dormir perto e não se ousava deixar alguma parte do corpo para fora dessa proteção para que nenhuma mão de monstro tocasse você.
Houve milhares de natais onde o Papai Noel era só uma lembrança não vivida, cravada no coração por histórias contadas por toda a família durante a ceia. E foram incontáveis vezes em que a ansiedade em ficar acordado esperando pra ver o tal velhinho era tanta que o sono chegava dando uma rasteira e que a primeira coisa que vinha ao acordar no dia seguinte era um sentimento de perda, de mais um ano sem conseguir pegá-lo no flagra, na árvore, depositando os presentes. Só queria dar um abraço macio e dizer: obrigado por estar aqui todo ano.
Mas vinha depois a páscoa com seu bando de coelhos botando ovos de chocolate, confeitados, embalados e escondidos nos jardins da casa da fazenda. Espertinhos! Mas esse era só um detalhe. Tinha também a missa do domingo, a cestinha da coleta que era uma honra segurar, e um dia quem sabe, maior, entrar na igreja segurando o vinho e a água, ou o pão enorme e com os galhinhos de trigo. Todos olhando pra você, vergonha! E depois era o almoço, e o fuzuê de família grande. Ainda não havia as divisões religiosas que romperam com essas dias harmoniosos.
Porque as abstrações da realidade, os dogmas e as tradições mantinham o verdadeiro espírito familiar que essas datas traziam: reunião, partilha, troca.
Quanta expectativa no preparo desses momentos. Foram datas criadas por nossos ancestrais e vieram carregadas de histórias, lapidadas com o respeito por aqueles que se foram, mas continuaram vivos nesses ensinamentos que chegaram até minha geração e pararam por aí.
O Deus da minha época de infância entendia essa “mentira” de forma tolerante, inocente e congregava com ela, pois meus familiares quando contavam essas histórias para mim não o faziam com intuito de prejudicar-me ou enganar; eles contavam como uma maneira intrínseca de dizer que o amor estava em todo lugar e era capaz de tudo, inclusive de transformar dentes debaixo do travesseiro em moedas de ouro, bastava acreditar.
E nós éramos crianças felizes de verdade. Acreditávamos nessa felicidade que só um lar carregado de encontros calorosos, de abraços cheios de saudades e pedaços de bolo com sabor de fogão a lenha, nada artificiais, feitos por mãos habilidosas e enrugadas de uma vovó que soube a receita da família verdadeira.
E hoje, aqui, sozinho, num mundo hostil e sem fé em nada, de crianças de shopping center com decoração de árvores falantes e coelhos rosados, me pego agradecendo ao Deus daquela época, antes de se subverter em preconceito e intolerância religiosa. Antes de se tornar um Deus fútil e heterogênio, que só se revela por meio de atitudes excludentes, e que acredita que a felicidade de nossos pequenos está nessa verdade incontestável de esfregar um mundo sem mágica na infância deles.
Eu acreditei um dia que o Senhor era mais do que isso que é hoje: mais do que dízimo de domingo e pregações gritadas, mais do que a literalidade da palavra que pregam dizendo que é revelação sua. Que decepção vê-lo falar a tanta gente incapaz de sequer entender a verdadeira essência da sua palavra.
Deus, na minha infância o Senhor era mais onipresente, onipotente, onisciente. E se hoje ainda creio em Ti, é porque creio no que me foi ensinado lá atrás, pois foram ensinamentos com objetivos de conhecimento.
O mundo perdeu toda sua magia, todo seu encanto, e o Senhor se transformou num reles e bobo juiz de almas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário