segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Canção para Mim




E naquela tarde os sinos da velha igreja badalaram alto no centro da pequena cidade cinza. O céu nublado e o dia enevoado traziam o fechamento da vida que nasceu com o sol e ia-se com as cinzas do tempo. Lentamente e ao longe se ouvia as batidas dos sinos e os espaços entre elas que indicavam o intervalo de respiração de um corpo em seus últimos suspiros de uma vida esvaindo-se.
Poucos pássaros voavam assustados com a mórbida canção do metal velho contra si mesmo. Alguns apenas abriam as asas como se tentassem se equilibrar em meio às vibrações pesadas. Outros voavam para mais longe, longe da canção da morte.
Lá embaixo a vida da cidade seguia esfumaçada, e ninguém jamais conseguiu ver à sua frente com total nitidez. Essa era a condição da vida: andar como se houvesse fumaça nos olhos. Hora eles ardiam e lacrimejavam, hora fechavam-se e, em certos momentos ficavam completamente cegos ao que estava adiante. A maior parte do tempo era impossível ver o próprio reflexo no espelho sem aquela visão turva.
Longe do barulho dos sinos, mas ainda com poucas notas ecoando no horizonte amortizado, lágrimas escorriam pelo chão de taco escuro, como o sangue que sai de pulsos cortados. Gotejava chão afora os mais complexos sentimentos, enquanto o coração batia solitário arrancado do peito, noutro canto do cômodo. Suas batidas eram as batidas do sino. Os intervalos do sino eram os intervalos da respiração de quem morria lentamente.
Caídos, os olhos ergueram-se por instantes e perceberam através da janela azul na parede branca a distante torre da velha igreja da cidade cinza. Distante encontrava-se a salvação. Era praticamente impossível rastejar até a escadaria de pedra daquele templo tão sagrado.
Pensava que talvez se tivesse sido pássaro teria pelo menos batido as asas e voado em direção ao céu que foi feito pra quem pode voar. Os anjos estão lá por isso. Os pássaros estão lá porque também tem asas fortes e sabem contornar os ventos quando estes sopram contra eles.
Adan não era um anjo, nem era um pássaro e tampouco sabia contornar ventos. Jamais sonhou alcançar a imensidão do azul que existe depois de tanto cinza e das densas nuvens carregadas de choro. Ele não tinha uma forma, apenas se conformava nas batidas do sino distante, tocando o soneto do seu próprio fim.
Foi então que ouvindo a canção que tocava para ele, que num ímpeto de pensamento, teve a vontade de viver novamente. De transplantar seu coração para dentro do peito aberto e estancar aquele jorro sentimental que doía. Seu coração porém não mantinha força suficiente para bombear vida pelas suas veias.
Misticamente alguém entrou pela janela. Adan não conseguiu enxergar quem era, seus olhos cerravam-se quase nos segundos finais de quem aceitou que vai mesmo morrer. Sentiu um calor que subia dos tornozelos até a cabeça e ficou com uma sensação de que estava sendo tocado.
De um suspiro agudo, com os ouvidos completamente tapados de um oco alucinante, ele revirou os olhos, abriu a boca e se contorceu num gemido forte e sem som. A mudez da cena foi quebrada pelo barulho do coração palpitando.
Seu espírito estava de volta ao corpo. Seu espírito não tinha asas, mas às vezes precisava sair para voar livre quando o corpo o aprisionava nas angústias da falta de clareza.
Foi a forma que encontrou de voar sem asas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário