sexta-feira, 27 de abril de 2012

Feira da Laranja


Hoje eu acordei sentimento. Com a cor de um sorriso largo, pintei um bom dia com uma tinta tão fluida que escorreu pelas bordas da manhã nublada; inundei todo meu quarto e de imediato, escorrendo escada abaixo, pingou na cabeça de quem saia apressado pra trabalhar. Imaginei-me então andando pelas ruas, tomando o ônibus e entrando no edifício de escritórios onde trabalho, com os pés alaranjados manchando com pegadas fluorescentes o chão por onde passo.
Todo mundo me olhando com aquelas galochas pretas imundas, denunciando meu trajeto rotineiro, interrompido pelo momento em que sou levado numa única rua.
Minha alegria tem uma cor quente, e fugas, ela é grande, ocupa espaço; por isso vem ao mundo quase num parto normal: faço força, respiro fundo, tento esquecer a dor e ela nasce resmungando no início. Mas nasce sadia e escandalosa, num choro de vida.
Hoje eu desejei que no meu caminho houvesse flores espontâneas. Flores que não tivessem sido plantadas por um desejo de aprisionar sua beleza em um jardim intacto. Queria aquele jardim que a natureza cria, onde as flores e a grama crescem lado a lado, se tocando delicadamente, respeitosamente e sem o toque humano. Eu desejei por todo o trajeto ser tomado da beleza natural da vida que cresce ciclo perfeito. E quis que um perfume nunca sentido antes inebriasse o vento de fim de outono, cujas folhas enquanto caíssem cantassem histórias em notas de “dó” a “si”.
Hoje eu desejei fechar os olhos, e deixar que a única maneira de ver a beleza do mundo fosse visitando minha caixa particular de memórias boas. E todas elas com um sabor diferente, com um aroma diferente e uma textura única. Algumas me fazendo espirrar com o pó acumulado e, confesso, me surpreendendo quando percebo que não vivia a nostalgia desse pedaço de tempo a quanto tempo mesmo? Nem sei! Faz um bocado de tempo que me esqueci de ser feliz assim tão grandão.
Hoje eu desejei que pudesse ter força de vontade para manter o pensamento sem me importar com o que poderia me importunar. E para isso eu me entregaria a uma sinestesia possível apenas nesse estado de anestesia sentimental. A felicidade atacando cada músculo do corpo, cada vértebra, e sentindo que a qualquer momento posso gozar explosivamente, no mais literal interpretar do termo. Hoje eu desejei que pudesse ser assim.
Hoje eu desejei que minha felicidade pudesse ser clara, pudesse ser bem facinha, e pudesse ser dia. Que ela viesse como num nascer do sol onde eu sentiria cada fresta do meu coração sendo rasgada pela luz, abrindo caminho em meio à escuridão das angústias. E que quando ela fosse embora, fosse como o pôr do sol, que inicia a escuridão deixando uma imagem de que amanhã isso será possível novamente, pois tudo sempre vai, mas tudo sempre vem. Nada só vai, e nada só vem.
Hoje eu desejei que a felicidade fosse assim, de um jeito que quem já viveu conseguirá entender. Que mesmo passado um dia inteiro de situações pesadas, ela foi maior, uma felicidade grandona para dividir com meio mundo de gente. E a outra metade receberá felicidade da metade que eu distribuí. Vem cá todo mundo! Corre que hoje tem feira de coisas que dinheiro não compra. E imagina se cada um no seu dia feliz for distribuir a própria felicidade nas esquinas das calçadas cheias?
Hoje eu desejei que fosse agora para sempre. Porque para sempre será agora, mas o agora que para sempre será, não é o agora que agora é. E que todos os agora que virão, sejam para sempre como o agora que se vai, ao longe...e vem, perto! Hoje é o que eu desejo.

Um comentário: