Acho que a vida é esse sorvete que a gente quer tomar com muito
cuidado para não se lambuzar, porque é boa até certo ponto. Segurando a “casquinha”
já meio mole meio crocante, enquanto o calor do dia se manifesta em sabores sólidos
se liquefazendo, que escorrem pelos dedos grudando o guardanapo. Se pinga, a gente
desvia o corpo, e se não pinga, a gente dança com a casquinha para lá e para
cá, enquanto as gotículas se formam, causando aquele desespero materializado em
sensação de “pele doce” desconfortável.
É o desejo interno do sabor do sorvete versus o medo de experimentar no
externo a sensação que o mesmo causa. É tentar experienciar a vida com apenas
um dos sentidos, ou ignorar as contradições que fazem parte da mesma,
mergulhando no idealismo do sorvete que não derrete e pode ser delicadamente e
demoradamente saboreado.
E o que é o sorvete senão a crença na possibilidade de tentar alterar a
temperatura ou o estado do corpo? Refrescar-se por inteiro por meio do paladar!
Lamber planos e desejos e, às vezes, ver sonhos derreterem sob um dia
escaldante. Se fartar de colheradas de possibilidades com caldas de êxtase que
alteram um pouco o sabor do dia, melhorando-o. É jogar confeitos que
acrescentem cor à textura escura do sabor de chocolate meio amargo.
Mas a verdade é que o sorvete talvez seja uma das sobremesas
refrescantes mais banalizadas, assim como a vida. Todo mundo que eu conheço ama
ou odeia, dificilmente há um meio termo. Com ou sem casquinha, quem gosta,
gosta, quem não gosta não se arrisca.
E pra ser sorvete, tem que ser sólido-cremoso. Ninguém gosta de
sorvete derretido, pra ser líquido deve ser misturado com outros ingredientes e
virar Milk Shake – que é a vida pra ser ingerida pelo canudo.
E como o sorvete, há quem reinvente os sabores e receitas, métodos de
preparo e de servir, na tentativa de agregar valor e despertar desejo pela
vida. Como também há tentativas de abolir a simplicidade da bola no copinho e
pazinha com gosto de madeira, por louças com design e ingredientes caros.
A vida sólida vai sendo modelada em um boleador que a faz girar até
encontrar seu ponto de início: um ciclo se fecha! E vai se acumulando em bolas
sobrepostas de sabores bons e ruins, conhecidos e novos, pressionadas para não
desmoronar.
Servida, deve ser degustada em determinado tempo, senão o que a
sustenta deve no mínimo ser capaz de reter sua mudança de estado.
Mas ainda sobre sorvetes e vida, para ser bom mesmo, de verdade, vai
lambendo sem medo e deixa escorrer! Porque quando acabar o sabor, é só lavar as
mãos e experimentar uma combinação nova.
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