Foi então que um carro parou. Não há uma lembrança precisa da hora em
que isso acontecera, mas a memória aponta uma vaga hipótese de algo entre 23:00
ou 00:00hs. Nesse horário o frio estava intenso e a brisa perdido a briga para
um vento mal educado que chega abrindo caminho, trombando em tudo. Era um
cruzamento! Uma rua morro acima, a outra na perpendicular reta. Uma penumbra
meio enevoada, cuja iluminação pública inutilmente tentava romper com uma
esmaecida projeção.
Folhas embalavam uma melodia noturna, vez ou outra requebrando com
maior intensidade. Em meio a tudo isso
lá estava ele, Adan, parado na esquina sem saber porque, sua casa era do mesmo
lado que se encontrava, não precisaria atravessar. Mas parado estava, parado
permaneceu. O silencia gritava forte, impunha uma série de pensamentos que
talvez pudessem explicar o real significado do movimento que nunca acontecera.
Jeans, pólo, all star claro, jaqueta de nylon. Os bolsos, vazios como
sempre, a mente, cheia como sempre. Na rua inabitada apenas uma certeza:
liberdade em solidão, a cidade só para ele. “A noite fala de uma forma muito
peculiar, é fácil entender quando ela quer avisar ou sinalizar algo bom ou
ruim. O cheiro de perigo que o ar dispersa, o sabor de sexo proibido que a
escuridão procura camuflar nas quinas da cidade, a curiosidade que o
desconhecido desperta no que pode estar
atrás da próxima reentrância de prédios mais generosamente afastados da
calçada.
Adan conversa com a noite sempre que pode. Caminhadas noturnas para
espairecer e fazer os pensamentos fluírem sempre. A noite é traiçoeira, mas
também é amiga quando se sabe lidar com ela. Ela é representação do que cada um
é: uma escuridão com certos períodos de claridade, mas ainda não totalmente
revelada pela luz pois mesmo a terra recebendo a luz do sol, apenas a metade
está visível.
Ao longe, na rua que sobe, um carro desce meio apressado. Um farol
azul oscila em conformidade com os níveis diferentes do calçamento. São grandes
olhos azuis de um brilho quase hipnótico.
Quando percebe o carro atravessa o cruzamento e para bem em frente a
ele. A névoa calma fica meio enlouquecida, pairando de um lado pra outro sem
saber pra onde ir. Adan continua imóvel, estático, com um pequeno formigamento
na nuca. Devagar um vidro se abre, ainda sem ver nada ele arrisca inclinar-se
um pouco meio curioso meio assustado com sua falta de medo. Uma iluminação
laranja desenha alguns botões no painel do carro, enquanto um lounge toca no
player. A música não é identificada, mas é convidativa, chama a dançar sem
muito o que pensar sobre os próprios movimentos do corpo. Os ouvidos parecem
agradecer a generosidade sonora. A mente entregou-se ao embalo e por um momento
efêmero tudo estava ausente ou não mais existia. Era o movimento das notas num
compasso e ritmo harmoniosos.
A harmonia necessária a um ser: várias notas diferentes, cada uma em
um lugar, sendo apresentadas a seu tempo e que só fazem sentido em conjunto.
-Quer uma carona?
-Carona, para onde você tá indo?
-Para a vida. Disse com sorriso na voz.
-Vida? Perguntou com ar de desconfiança. –Nunca ouvi falar nesse
lugar.
-Eu sei (risos), foi por isso que fiz o convite, entre no carro. Vamos
sair e andar para a vida, largando tudo pra trás, sem medo de ser feliz.
Completou com uma voz de proposta irrecusável.
Adan abriu a porta, sentou-se no banco da frente, olhou para o
condutor e disse: -O convite à vida é tentador, porém receio ter que recusar,
não confio em quem não conheço e em lugares que nunca vi no Google Maps!
Foi assim, com essa frase que ele calmamente saiu do carro, subiu as
escadas do prédio e morreu naquela cama de lençóis vermelhos.
O alarme do celular soou, era hora de acordar e trabalhar, ainda era
sexta e a rotina uma verdade inconveniente.
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