sábado, 22 de outubro de 2011

sessão de contos: No Ponto



Não se sabe quando começou, mas começou em algum momento, pois ele não nasceu assim. Sem maiores explicações ele contou sobre isso, de forma natural, como se tratasse o tempo como um aliado, ou se o mesmo fosse seu subordinado e não o contrário.
Escrevendo assim até parece se tratar de algo anormal ou maligno, ou completamente estranho. Mas o que Adan ouviu naquela noite depois de uma dose de francês, italiano e inglês com acompanhamento de coca-cola foi um pouco assustador do seu ponto de vista.
-“Não sei qual o horário do ônibus”. Não ligo pra isso, sento no ponto e espero que ele passe.
-“Como assim não sabe o horário?
-“Não gosto de saber os horários de volta, apenas os de ida, para que a ou as pessoas que marcaram um compromisso comigo não fiquem me esperando. Se tomo conhecimento dos horários de volta do ônibus, me prendo a eles e fico me policiando, matando momentos que deveriam ser ótimos em função de uma preocupação com horários.”
Silêncio (mental é claro). Adan não soube mais o que pensar e se calou em si mesmo. aliás ele não se calou por mais que 30 segundos; inacreditável alguém não se preocupar em saber horário de retorno pra casa em função do transporte público. Isso é muita pretensão quanto o tempo. Não entendia como alguém conseguiria ficar por tempo indeterminado, durante a noite, sozinho, esperando e apenas esperando.
Pode ser que fique por lá 1 minuto, ou até tenha que correr para alcançar o seu ônibus habitual, pode ser que precise esperar horas, talvez pedir informação sobre uma linha diferente que passe próximo à sua rua. São várias as possibilidades de se sair dali.
Em último caso, gastar um bom trocado com um táxi (geralmente fora de cogitação), esticar um pouco as pernas (impossível devido ao local onde mora), pedir carona.
Talvez sua jaqueta jeans não seja tão confortável com um frio mais intenso, talvez tenha que tira-la por um calor mais insuportável. Pode ser que precise se esquivar de “possíveis ameaças” de crime. Talvez sinta fome, sede, medo, ansiedade, etc.
Então porque ficar ali no ponto esperando e esperando?
No “paradoxo da espera no ponto de ônibus” quanto mais se espera, mais próximo o ônibus está, porque o tempo de espera é proporcional ao trajeto, logo, quanto mais próximo ele está, menos tempo se espera. E se já se esperou muito, significa que falta pouco pra ele chegar.”
Mas não é essa a questão, ele não está interessado em pular a parte do intervalo. Ele não se importa que haja um intervalo “nulo” entre um acontecimento e outro. Até porque nada é estático em momento algum da vida, tudo está em movimento o tempo inteiro, mesmo uma pedra está em movimento, no sentido dos ritmos da natureza das pedras.
Adan não consegue lidar com os intervalos. Não aprendeu a encarar o espaços que ocorrem entre uma atividade e outra, ele está sempre ligado em 220w e pratica ações constantes.
Jamais conseguiria não se programar, não calcular os horários e trajetos com precisão tal que, quando quiser voltar para casa, saberá o caminho e não terá interrupções ou surpresas desagradáveis que atrasem sua próxima atividade.
Adan não desperdiçaria o tempo. Não entende como alguém consegue gasta-lo indiscriminadamente. Ele o preserva como se fosse esgotável, economizando cada segundo.
Até porque o fim do tempo é indiscutível, pelo menos numa escala individual no qual se vive determinado período sem data determinada para essa vivência, ou seja, como gastar algo que acabará mais cedo ou mais tarde? Talvez por uma questão de controle de tudo, de não entender as múltiplas maneiras de se aproveitar os espaços vazios, as reticências da falta de uma resposta-ação.
Tudo está em movimento o tempo inteiro, até os intervalos se movem para a próxima cena. Apenas espero que Adan espere um pouco mais de vez em quando.

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