sábado, 8 de outubro de 2011

Tocando Lágrimas em "Dór" Maior



Era como se de repente ele olhasse em volta cego e surdo, submerso em um entorpecimento interno de dúvidas, incertezas e angústias recalcadas, feito concreto de fundação, no qual a penumbra do ambiente contribuía para que a falta de clareza e nitidez das pessoas e objetos, e do próprio ambiente em si, simbolizasse o ambiente interno no qual sua vida estava presa.
Como um copo de cerveja em vias de acabar, cujo resto da bebida que sobrou está quente, naquele momento em que o garçom ainda não percebeu que a garrafa está vazia; você olha sem se decidir se bebe ou espera pela próxima para resfriar essa. E com o copo rodando entre os dedos, vez ou outra colocado sobre a mesa velha de madeira, cujos mesmos dedos também circulam a borda do copo quando sobre ela, perdido nesses gestos livres de qualquer função, senão delinear livremente um estado de dúvida banal frente a algo interno.
Tem um olhar nisso tudo que nada vê, senão para dentro de si mesmo, tentando buscar algum sinal que o coloque nos eixos novamente, no foco, ou pelo menos traga uma quantidade satisfatória de ânimo, visto que em sua última mudança, resolveu tirar tudo o que restava, e para além do tapete, usando um pano umedecido, limpou cada canto, sem deixar sequer uma poeira de esperança, abrindo um grande espaço vazio e sem programa definido.
É esse espaço isolado, trancado dentro de um sorriso encenado de opiniões a respeito de acontecimentos do mundo, que permite mesmo em público, que ele grite como se estivesse em um ataque de histeria incontrolável, enquanto paralelamente se recompõe para si mesmo tentando se enganar com algo do tipo: "mantenha a calma, volte ao mundo real e retome a discussão sobre...".
Ele sabe realmente o que acontecesse depois disso! Sabe que os olhos vêem mais do que conseguimos de fato enxergar tal qual os ouvidos ouvem uma voz que cada um tem a sua.
E nesse momento seus olhos se voltam para seu mundinho egoísta e inatingível por outros. Voltam-se para tentar captar esse agudo às vezes grave, quando uma força maior e alheia a ele, faz com que as notas oscilem de forma a causar um fio de dor.
É a música do sofrimento abafado que a alma agora toca para a platéia dos olhos e ouvidos que outrora se encontravam perdidos em sons e cores do mundo físico. Uma melodia em notas de "dór maior", "ré calque", mi, "fa lta",
"sol idão", "lá grimas", si, embalando uma letra que ele já sabe de cor, num refrão que diz "felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor, brilha tranqüila, depois de leve oscila e cai como uma lágrima de amor". [Tom Jobim e Vinicius de Morais]
Volta e meia esse refrão é ouvido, por vezes sentido de uma maneira mais ou menos intensa. Em momentos como esse, de imersão em uma névoa de questões atemporais, ouve-se a canção completa, marcada pela intro "tristeza não tem fim, felicidade sim...", seguida dos versos "a felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar, voa tão leve, mas tem a vida breve, precisa que haja vento sem parar".
Misturando a canção com o cansaço das mesmices insolúveis, como que batidas no liquidificador, tem-se um momento de delírio de trazer o grito do espaço isolado para o espaço habitado, como que saindo do estômago feito uma bola espessa de ar e líquido estomacal prestes a jorrar pela boca, deixando um gosto amargo e a sensação de ânsia.
De repente a música é interrompida, a mistura é empurrada aparelho digestivo abaixo, e têm-se um despertar, como se voltasse de uma hipnose após o estalar dos dedos. Com a audição aguçada, chamando os olhos a abrir-se para fora novamente e sentir o mundo com novo ânimo em algumas dedilhadas de notas de confiança em si menor, depois de lembrada a frase que inspirava uma canção de entendimento, formando o prelúdio "para cada coisa há um tempo e para cada tempo há uma coisa", ouviu-se a conclusão de alguém que dizia "...devagar e com respeito".  

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