terça-feira, 4 de outubro de 2011

Hoje o Pequeno Príncipe tentou ser Deus



De repente o pequeno príncipe voltou num cometa Harley para seu pequenino planeta solitário, sem a rosa com a qual compartilha e cuida, mas da qual arrancou por querer ficar consigo mesmo e só. Ele agora cuida apenas do próprio coração nada nobre. O pequeno príncipe tem um coração tão humano, mas tão humano que se deu conta de que agiu por ele não pela própria razão. E inconformado com sua medíocre maneira de agir, resistiu ao choro e o ignorou. Pensou sobre si mesmo e no momento em que não se deu conta de que estava a transformar-se num mero mortal que disse “eu te amo”, que apaixonou e acreditou e quis casar e se entregar a uma vida a dois. A dois, soa quase como a “dor”, mas não parou pra pensar e voou para fora, para o mundo dos terráqueos com seus conflitos existenciais. Decepção é a palavra que ele carregará para sempre em seu sobrenome.
Antes, pouco tempo antes, começou com uma dor da garganta para a cabeça, acumulando nos olhos até materializar-se em lágrimas densas e pesadas face abaixo. Não caem uma a uma, mas empurram-se sem a menor educação, influenciadas pela lei da gravidade que as joga contra o queixo e o peito.
A boca abre para deixar sair um grito, mas ao invés de libertá-lo, acaba engolindo mais dor; a dor da dúvida, do peso das escolhas, da incerteza nessa aposta de 50% em tudo.
Antes, pouco tempo antes, decidiu assumir um papel divino: usando todo seu poder celestial, resolver apagar da face da terra e da face do próprio mundo e da própria esfera cerebral e da órbita do coração, uma existência humana.
Mas como todo bom Deus iniciante, faz-se primeiro as tarefas pequenas e depois passa às grandes, quando já aprendeu a controlar os próprios poderes. E usando o que havia em mãos, apagou do celular quaisquer vestígios dessa existência.
Subiu o elevador da eternidade, determinado, e apagou as lembranças na memória do computador-extensão da própria memória. Usando toda a força acumulada, e sua divina capacidade, apagou fotos e fatos, apagou palavras e músicas, e tudo o que denotasse que algum dia houve uma vida além da própria, ocupando o mesmo lugar nos espaços do seu espaço.
Antes, pouco tempo antes, os passos eram acelerados e duros. O mundo ao redor parecia ignorar a presença ali transitando freneticamente sobre as listras brancas e sob a luz verde nos intervalos dos motores. Sentia que poderia cair a qualquer minuto, mas sabia que isso não aconteceria porque não se entregaria tão fácil para o mundo dos mortais. As pessoas ao redor pareciam não ter rosto, ou talvez as lágrimas comprimidas entre as pálpebras fazendo as vezes de barragem, estivessem desfocando  as feições. Pobres humanos em suas rotinas de uma vida pré-estabelecida, do nascimento até a morte, que em vão andam pós horário comercial.
Antes, pouco tempo antes, um ar gelado percorria a praça movimentada enquanto uma conversa tomava rumos sem sentido e meio desesperada em não sucumbir aos próprios argumentos. Fala-se sem entender bem o porque, sem colocar muita fé nas próprias palavras, mas sabendo que é preciso dizer, sem essa compreensão. Mas falar tudo não é o suficiente, nem tudo foi falado, e nunca terá como o falar, pois há sempre a fala como uma forma de segurar o tempo que resta antes do fim. Aquelas palavras rudes, trocadas num justificacionismo inquisidor dos atos alheios soavam ao longe enquanto faziam as vezes de mãos que seguravam desesperadamente as pernas antes de tentarem quaisquer movimentos de locomoção para fora dali.
Antes, pouco antes, o medo já era responsável pela maior parte dos pensamentos. Até então havia força acumulada de tempestades passadas das quais sobrevivera, mesmo que em copo d’água. As horas voando, tudo ao redor desabando em efeito dominó com final já conhecido. O último final de um não-começo; porque as pessoas, às vezes têm disso: alcançar o fim antes mesmo do início. E talvez seja até bom, principalmente para enganar-se a si mesmo, pois se existe o fim antes do início, quer dizer que não vamos sofrer, e tentaremos em vão esconder que o meio já era uma realidade quando o fim do início chegou. 
Antes, pouco tempo antes, ele jamais pensaria em passar por isso, mas já que passou, não abriria mão do que viveu fora do seu planeta. Mas entre viver fora dele com lembranças boas e ruins, prefere ficar quietinho dando voltas no próprio mundo, revivendo as lembranças boas do que nunca aconteceu.

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